O Tempo Congelou!

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O Inverno Europeu chegou oficialmente hoje, mas no meu sentir, o tempo congelou por todo o fim-de-semana.


Este ultimo, foi o fim-de-semana oficial das jantaradas de Natal, que de certa forma fazem também congelar alguma coisa, mais que não seja o cérebro, que forçosamente pára pela pujança dos taninos dos tintos, que tão bem escorregam pela noite e tanto se fazem sentir pela manhã.

Mas este texto não pretende abordar aprofundadamente o que congelou dentro de mim, mas falar um pouco da…ABERTURA DA ÉPOCA BALNEAR!!!!

Hohoho, where is the snow?!

Durante a ultima semana, dia após dia consultamos o site do Snow-forecast, onde buscámos informações sobre a meteo na nossa grande colina, a Serra da Estrela.

Sorriamos sempre que víamos um “-“ atrás de um número qualquer. Enquanto isso, uma gotinha de água queria percorrer o seu caminho na tentativa de chegar ao vale de Manteigas e daí seguir o seu caminho em direcção ao Atlântico distante.

Chegado o fim-de-semana, após o primeiro jantar de congelar o cérebro, o Sábado foi invadido de um sopro de frio seco, apanhando alguns de surpresa…pelo menos foi o que pareceu no segundo jantar de congelar o cérebro, em que expressão “hoje não dava para escalar, estava tanto frio…” foi proferida em diversas alturas e por diferentes bocas. Enquanto uns tentavam escalar, a gotinha do riacho na serra endurecia. Esforçava-se por descer de cota, ziguezagueando entre outras gotinhas que já se tinham deixado congelar. Enquanto o seu corpo endurecia, dirigia-se com pressa a uma das estalactites de gelo, na esperança de cair para o degrau seguinte da cascata que começava a ganhar forma.

Caiu a noite e o tempo congelou. Enquanto nós nos aquecíamos com o calor dos amigos…e dos taninos no jantar de Natal da “Irmandade da Topalhada”, a gotinha perdia forças e via o seu destino cada vez mais longe no tempo. O seu corpo outrora líquido e flexível, estava agora a cada segundo, mais rijo e cristalino. As temperaturas desciam, o Inverno parecia querer entrar com dois dias de antecedência e os termómetros no sopé da serra marcavam já -7. O céu cobriu-se de estrelas, exibindo aquele brilho que só se vê em noites frias.

Quando o sol voltou a espreitar, o Inverno não o deixou aquecer a terra e insistiu em manter as temperaturas negativas. Por essa altura já a gotinha tinha hibernado, fazia parte de uma pequena cascata de 20m abrigada do sol, a “Cascata das Couves”.

Algures pelo princípio da tarde (o mais cedo que conseguimos perante as sequelas induzidas pelos jantares), com a mochila cheia da parafernália necessária para a escalada em gelo, começamos a andar em direcção ao “Corredor Largo”, onde por vezes se formam algumas cascatas de gelo. Os crampons não abandonaram as mochilas até estarmos perante duas pequenas cascatas que já se encontravam formadas, a “Cascata das Couves” e a “Couve Pequena”. A serra estava seca, sem neve, mas o frio deixava-nos os narizes vermelhos e a pingar.

Com a vontade que os jantares deixaram sobrar e com o desejo de escrever aqui no blog “JÁ ABRIU A ÉPOCA BALNEAR”, equipámo-nos a rigor e envolvidos pelo frio deixámos que os nossos piolets percorressem a água que o tempo congelou.

Fizemos primeiro a “Couve Pequena”, que com cerca de 15m se encontrava fina e bastante mais técnica do que é normal, mas suficiente para colocar algumas protecções à frente. O Paulo liderou, picou delicadamente e inaugurou o gelo.

Eu fui logo depois, e piquei muito mais para chegar ao topo! Um misto entre a ferrugem, alguma dor de cabeça e um par de piolets mal afiados dificultou-me a tarefa.

Passamos depois à “Cascata das Couves”. Cerca de 20m com ressaltos iniciais fáceis, onde trocamos olhares com a gotinha congelada, terminando numa saída técnica e delicada, com passagem de um confortável cacho de gelo para uma canaleta fina, através de uma abertura que pouco a pouco me comia o cérebro…é que os meus piolets insistiam em partir o escasso gelo e teimavam em não firmar-se naquela massa translúcida!

Após algumas tentativas, lá consegui fixar-me na canaleta e terminar a cascata saindo com a ajuda preciosa do musgo serrano, recorrendo à técnica que já é sobejamente conhecida como “Erva-tracção”.

E assim, este Domingo “ABRIU A ÉPOCA BALNEAR!”

P.S. Viam-se também em estágio de formação rápida a “Cascata Encaixada” e a “Goullote dos Curiosos”. Ambas com aspecto técnico mas, “escaláveis à frente”.

A cascata da “Curva do Cântaro” também estava “fazível”.

Muito possivelmente, também no sector “Loriga Ice” também já seja possivel escalar algo. 

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Sobre o autor

Daniela Teixeira e Paulo Roxo é uma dupla portuguesa que pratica escalada (rocha, gelo e mista) e alpinismo. O que mais gostam? Explorar, abrir vias! A Daniela tem cerca de 10 anos de experiência nestas andanças e o Paulo cerca de 25. A sua melhor aventura juntos foi em 2010, onde na cordilheira de Garhwal (India - Himalaias), abriram uma via nova em estilo alpino puro na face norte da montanha Ekdante (6100m) e escalaram uma montanha virgem que nomearam de Kartik (5115m), também em estilo alpino puro. Daniela foi a primeira e única portuguesa a escalar um 8000 (Cho Oyu). O Paulo é o português com mais vias abertas (mais de 600 vias abertas, entre rocha, gelo e mistas). Daniela é geóloga e Paulo faz trabalhos verticais. Eles compartilham suas experiências do velho mundo e dos Himalaias no AltaMontanha.com desde 2008. Ambos também editam o blog Rocha Podre, Pedra Dura (rppd.blogspot.com.br)

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