O Vale das Pedras do Itapety

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Guardando a seus pés a cidade de Mogi das Cruzes, a Serra do Itapety reina soberana derramando-se majestosamente de leste a oeste, recortando o horizonte com sua silhueta recoberta de verdejante mata secundaria. Entretanto, logo atrás do “sentinela mogiano” existe uma pequena crista paralela secundária q, menos farta de verde q a principal, é basicamente composta por vegetação arbustiva e detentora dum gde complexo granítico de enormes rochas, extensas lajes e incontáveis aderências ao largo de td sua extensão. Este conjunto rochoso recebe o nome informal de Vale das Pedras e é facilmente acessível pela picada principal q corta a serra de norte a sul. Pra variar um pouco, neste domingo realizamos um circuitinho sussa de meros 17kms q atravessou o Vale das Pedras partindo da via normal, pra findar no outro extremo serrano, quase no Pico do Urubu.

A manhã fria de outono lentamente dissipava suas brumas e abria generosas janelas azuis qdo eu e a Lee encontramos o Ricardo e a Elaine, na Estação Estudantes, por volta das 8:30hrs. Pra nossa surpresa teríamos companhia canina no rolê matinal, a Belinha, pet da mãe do Ricardo. Sem perda tempo e após rápidas apresentações, nos pirulitamos pela via logo atrás da Estação pra tocar em direção a Serra do Itapety, q exibia td sua escarpada silhueta dominando td panorama ao norte. O GPS do Ricardo acusa pontuais 730m de altitude.

Sempre pela Av. Antonio Almeida, passamos pela ponte q atravessa um inacreditável Rio Tietê ainda cristalino, deixando praticamente o cinza de Mogi das Cruzes pra trás e adentrar num bairro residencial e, já nos finalmentes, a mesma estrada asfaltada terminar quase q ao pé da serra. Agora nossa jornada se daria pela Estrada Velha do Lambari, antiga via de ligação com o outro lado da serra. E tome subida. Inicialmente suave e sem gde desnível, a coisa apertou mesmo depois na piramba conhecida como “Paredão Boliviano”, alcunha dada por bikers por motivos óbvios. Até então a irrequieta Belinha nos acompanhava na coleira, mas bastou o Ricardo perceber q no mato ela não cometeria nenhuma estripulia q a pulguenta ficou td eufórica ao se ver livre dos seus grilhões.

Por volta das 9:40hrs fizemos uma rápida paradinha no primeiro pto de água, uma simpática biquinha situada numa saída á direita da picada, cujo marulhar é audível conforme se aproxima dela. Enchemos os cantis apenas o suficiente pra matar a sede provisória, pois logo adiante a outro pto do precioso liquido, bem mais confiável. Nossa ascensão prosseguiu no mesmo compasso, íngreme e forte, em meio a um um belo bosque de eucaliptos. Mas logo desviamos da via q nos levaria á Pedra do Lagarto em nível pra tomar outra derivante, pela esquerda, q toca bem íngreme pro topo da serra. É a tal “Subida do Velho Banguela”, só não me pergunte o motivo pq senão ficaria um parágrafo inteiro explicando. Aqui, pode-se observar varias saídas e ramificações aqui e acolá neste emaranhado de veredas, mas tds de certa forma estão interligadas, servindo de atalho pra picadas maiores. A presença de motoqueiros se confirma não somente pelas pixações de setas no caminho, mas tb por trechos bastante erodidos e sulcados ao longo de td caminho.
Após bordejar um fundo e verdejante vale á nossa esquerda, a picada pela encosta logo nos deixa no topo serrano, quase na cota dos 1070m. Uma trifurcação óbvia nos diz pra seguir reto e ignorar as vertentes laterais, pois uma nos levaria pela crista principal ate as torres, a oeste, e a outra desce pro outro lado da serra, já quase no Bairro Beija-Flor. Ao invés disso tocamos reto mas logo abandonamos a picada pra tocar outra menos utilizada, q na verdade serviria de atalho praquela deixada logo atrás. O q não contávamos era q a trilha de tão pouco usada tava coberta de mato, q deixou a Belinha ressabiada de prosseguir nos acompanhando. “Vai, pulguenta, ce não queria trilhar?”, esbravejou Ricardo, recolocando a coleira na temerosa cadelinha.A aventura de fato começava agora.

Sem opções, começamos a perder altitude naquela vereda coberta de mato cautelosamente, tateando bem o terreno pisado e buscando evitar enfiar o pé nalgum buraco escondido no alto capinzal. Não bastasse, havia q desviar de mata arbustiva espinhenta, o q nos deixou com as primeiras marcas e arranhões no caminho. É, e isso q eu pensava q seria fácil, opinião certamente corroborada por uma assustada Belinha. Mas logo passar por um enorme cupinzeiro e um mega bambuzal, a vereda nos deixou numa trilha mais aberta e roçada, nos poupando algo de 1km de pernada caso tivéssemos tocado pela direita, na trifurcação anterior.
Agora em caminho sussa e desimpedido pela encosta, bastou apenas acompanha-lo indefinidamente pro norte, ora por trilha estreita ora por enormes valas sulcada por motos, perdendo altitude imperceptivelmente. Após um trecho pedregoso chamado de “S do Senna”, desviar de motoqueiros no sentido inverso e remover trocentos carrapichos q a mata teimava em lançar na gente, eis q o som inconfundível de agua marulhando nalgum canto inundou nossos ouvidos, e num piscar de olhos cruzamos a origem do mesmo. Este correguinho corresponde ás nascentes do Rio Lambari. Sim, aquele q empresta o nome á estrada logo do inicio da ascenção e q bem mais adiante deságua no majestoso Rio Paraiba do Sul. Breve pausa pra encher novamente os cantis e pra Belinha se esbaldar no borbulhante liquido.

Dando continuidade á caminhada numa picada q bordejava a encosta direita da serra, logo emergimos no aberto pra ter horizontes mais amplos e vistas generosas. Num passe de mágica a farta vegetação secundaria e de eucaliptos sumira, dando lugar a mata arbustiva e pedras, muitas pedras. Estávamos pisando finalmente no setor leste do Vale das Pedras, de onde praticamente se tinha vista de td quadrante norte, q privilegiava Guararema (leste), Sta Isabel (norte) e parte de São Paulo, de onde destoava o Pico do Jaraguá, a oeste. Mas olhando pra trás tb tínhamos visu dos contrafortes esmeraldas e abruptos da crista principal do Itapety, com destaque pra Pedra da Seriema, pedra pouco conhecida e quase vizinha ao Lagarto, escondido do outro lado da serra.
Daqui abandonamos a vereda principal e fomos tocando pela encosta desta crista secundaria, engolindo teias de aranha enormes, alternando arbustos, lajes e pedras, até dar no sopé dum enorme paredão de declividade considerável q começamos a escalaminhar. Afinal, se queríamos atingir o topo daquela crista secundaria teríamos q subir a seqüência de lajes e aderências graniticas q se apresentava a nossa frente. E la fomos nos, arfando e avançando cautelosamente, avaliando bem a aderência e porosidade das pedras nas quais íamos pisando.

Uma vez no alto, bastou acompanhar a beirada das enormes pedras e abismos, q se espichavam na direção oeste, descortinando belo panoramas praquele quadrante. E assim, as 11:20hrs, estacionamos nos exatos 1010m do topo legitimo do complexo conhecido como Vale das Pedras, onde descansamos, lanchamos e nos regateamos apreciando a bela paisagem q tínhamos emoldurada a nossa frente. Ai lembrei q já havia estado noutra ocasião ali, so q meu acesso se dera pelo contraforte norte da montanha, no vara-mato, em meio a muias bromélias endêmicas daquela serra. A Belinha, coitada, já não exibia td aquela disposição do inicio do dia e deveria estar se perguntando q diabos fazia ali, questões q não raramente até seres humanos se fazem qdo caem em roubadas. No ar, por sua vez, um trio de urubus planava nas térmicas sobre a gente, quiça na esperança de conseguir “carniça” fácil.

Descansados e revigorados, retomamos a pernada por volta das 12:15hrs. Como retornar pelo mesmo caminho tava desde o incio fora de cogitação, estudamos a carta e resolvemos seguir pela crista mais um pouco. Mas ao perceber q logo entraríamos num matagal nervoso, azimutamos a rota certa e optamos por acompanhar um cercado q ao menos tinha uma área decente pra caminhar, sem muito problema. Mas logo o cercado tocou piramba abaixo (sul), forte e íngreme, nos forçando a perder altitude com cautela nos firmando no mato, arame da cerca e até arvoredo ao redor. Logicamente q o chão liso e escorregadio proporcionou alguns tombos, q foram devidamente amortecidos pelo “quinto apoio”.

Uma vez no selado q serve de ligação entre as duas cristas, tocamos pela encosta pra oeste, ainda acompanhando o cercado, ouvindo o marulhar das cabeceiras do correguinho transposto horas antes, o do Rio Lambari. A rota enfim, após um “portal de pedras”, nos levou pro selado central q interliga quase tudo (contrafortes norte, sul e leste), onde nos deparamos com um enorme brejo q bastou chapinhar do jeito q fosse, ou tentar salta-lo atraves das pedras e tocos de madeira no caminho. Mas sempre acompanhando o cercado, ora dum lado ora doutro, onde a caminhada mostrava-se muito mais facilitada, mesmo q recoberta de brejo, íngreme ou parcialmente coberta de mato baixo nalguns trechos.

Após o trecho de banhado e lama, e de galgar equivocadamente um contraforte ao sul, nossa rota tocou pra direção correta através duma encosta inclinada. E sempre acompanhado a cerca. Foi ai q a mesma fez uma curva fechada descendo forte pro norte, onde tivemos duvidas se nos levaria ao pto desejado, mas logo essas dúvidas se dissiparam qdo desembocamos noutro selado q me era familiar da ocasião anterior em q aliestivera. Daqui em diante bastou tocar pela íngreme encosta ao norte ate ganhar o topo dum significativo morrote florestado, visível inclusive do Vale das Pedras. Sempre acompanhando a cerca, diga-se de passagem. No alto tivemos mais um pit-stop pra recuperar o fôlego, pois a piramba havia exigido bastante das meninas, com trecho ate de escalada verticalizada.

Do topo daquela montanha foi so tocar pra oeste, onde a rota foi desviando paulatinamente pra sul, indo no sentido desejado. E sempre acompanhando a cerca. Conforma se avança numa descida suave, as beiradas da cerca mostram-se mais e mais abertas, evidenciando recente roçada da vereda palmilhada. Sons de latidos próximos não so deixam a Belinha eufórica como tb evidenciam a proximidade dalgum sitio ou chácara, ou seja, civilização. Dito e feito, num piscar de olhos desembocamos logo no portal de entrada dum sitio, q outrora foi um pesqueiro.
Eram pontualmente 13:45hrs e a trilha estava finalmente concluída. Trilha sim, mas não a jornada. Tocamos então pela interminável estrada de chão q percorre o restante da crista principal do Itapety, bordejando um punhado de torres de retransmissão até alcançar a bifurcação q leva ao Pico do Urubu, point carimbado da galera de paraglider e parapente. 

Dali pro centrão de Mogi das Cruzes foi um chão q pareceu não ter fim. Foi ai q o cansaço acumulado se fez sentir nas pernocas e nos joelhos de td mundo. A Lee, acostumada mais a voar de paraglider, q o diga. A Elaine ate pegou bumba pra economizar caminhada. Restou eu, Lee, Ricardo e Belinha, “dupla animal” da qual nos despedimos logo a seguir. Na seqüência, eu e a Lee chegamos finalmente na praça principal mogiana qdo o relógio bateu  16hrs, onde nos esbaldamos de cerveja gelada e salgados no boteco dum chinês mal-encarado. Tempo suficiente pra retornar pra paulicéia satisfeitos e com a sensação de dever cumprido.  Resumindo, pra quem queria um roteiro relativamente simples e sussa de modo a se poupar por feriado prolongado iminente, até q a trip dominical pela Serra do Itapety saiu até bem melhor q a encomenda.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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