Pare de desejar bons ventos a montanhistas

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De alguns anos pra cá vejo dentro do meio de montanhismo as pessoas usarem a expressão “bons ventos” como uma saudação ou desejo de boa sorte a alguém. Entendo que seja algo simpático e por isso nunca falei nada, apenas agradecia e torcia para não pegar vento algum em minhas empreitadas em montanha.

Não sei a origem desta expressão, mas noto que pelo menos começou a ser mais usual no meio de montanhismo do Sul e depois se espalhou e popularizou.

Mas existe bom vento?

Para quem voa de parapente com certeza! Mas para quem escala ou sobe montanha eu acho que não. Até pode ser bom uma brisa quando você num lugar quente, mas a montanha não é conhecida por ser um lugar quente, ainda que passar calor pode ser algo corriqueiro em muitos lugares do país.

Porém, vento na montanha não é coisa boa…

A primeira vez que experimentei vento de verdade foi quando fui pra região de Sajama na Bolívia em 2002. Naquela ocasião consegui apenas escalar o Pomerape, que aliás, diga-se de passagem, nunca mais ouvi falar de outra ascensão brasileira por aquela montanha. Pegamos um vento fortíssimo na aproximação que não deixou que ficássemos perto da montanha.

Expedição ao Pomerape em 2002.

Aquele vento foi fichinha para o Vento que peguei 6 meses mais tarde no ultimo acampamento do Tupungato, um vulcão de 6530 metros de altitude que fica na fronteira do Chile com a Argentina. Pela primeira vez pude ver um vento muito forte e continuo que vem de uma só direção e naquela oportunidade ele vinha de oeste, do Chile. Se a gente ficasse no lado argentino do filo, tudo estava normal, mas se levantássemos a mão para cima do limite, tudo o que estava na mão voava de tão forte.

Mais tarde descobri nas aulas de climatologia na Universidade (sou geógrafo), que este era o famoso vento de Oeste, um vento que originário da própria rotação do planeta terra e que é fortíssimo. Ele ocorre somente em grandes altitudes, como no topo de grandes montanhas como lá no Tupungato, onde estávamos acampados a 5500 metros.

Os ventos Oeste tem a característica de serem mais fortes próximos à latitude de 30 graus que é a latitude dos Andes Centrais. Por isso ele é muito comum no Aconcágua e também na Puna do Atacama. Abaixo deixo um vídeo do cume do Vulcão Patos, que fica na fronteira do Chile com a Argentina perto da cidade de Copiapó. Veja que é difícil se comunicar com o parceiro.

:: Veja mais: Ventos do mundo no artigo Climatologia de montanha

Abaixo tenho este outro vídeo, feito no cume do Nevado Famatina. O vento é tão forte que quebrou os braços da cruz do cume e a deixou com um gelo horizontal. Fez tanto frio que minha amiga Suzie Imber sangrou a gengiva.

Na viagem que fiz este vídeo, uma rajada de vento quebrou o vidro do meu carro e entortou a porta do porta malas, impedindo que eu a fechasse. O vento gelado ainda congelou o liquido anticongelante e levou embora uma barraca com tudo o que havia dentro.

Vidro do meu carro quebrado por vento na região do Ojos del Salado.

Cachoeira ao contrário. Vento leva a água de cachoeira na Puna do Atacama

Se há ventos de cume, também há ventos de vale. Nos Andes da Argentina é comum os chamados Ventos Zonda, sendo a versão sulamericana dos famosos ventos Foehn que ocorrem na Suíça. A origem deste vento se dá pela ascensão de ventos secos do Pacífico que após vencerem a barreira das montanhas desce com velocidade. Quando este fenômeno ganha força há um aquecimento das planícies. Certa vez estava pela cidade de San Juan, ao norte de Mendoza e o calor estava de 44 graus. Pouco tempo depois veio o poderoso Zonda e não ficou ninguém na rua. Após o vento tudo na cidade estava empoeirado como se estivesse abandonado por anos.

Até então falei de ventos secos. Porém é comum haver neve com vento, formando os chamados ventos brancos, que costumam ser gelados e mortais. Os ventos brancos são responsáveis pela maioria dos congelamentos em montanha, pois ele transporta a neve e ela penetra em tudo na sua roupa e congela inclusive a lente de seus óculos. Veja o vídeo abaixo com ventos brancos no Aconcágua.

Peguei estes terríveis ventos no sub cume do Manaslu em 2018, foi a experiencia mais próxima que estive de um congelamento. Aliás nesta expedição estive bem perto de conhecer os famosos Jet Streams, que são correntes de jato que eventualmente chegam a 8 mil metros e são responsáveis pelas famosas fotos das fumaças do cume do Everest, que na verdade são os Jet Streams carregando neve.

Bom, falei bastante de vento para vocês entenderem que, pelo menos pra mim, vento não é algo que tenha boas recordações. Pra mim vento é sinônimo de perrengue. Imagine desmontar um acampamento com vento? Imagine ficar com os gelos duros de frio ou poder perder eles congelado? Ou numa situação delicada não conseguir sequer se comunicar com seu parceiro?

É por isso que eu digo, vento bom é não ter vento!

Então não deseje vento pra ninguém!

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

6 Comentários

  1. Getúlio R. Vogetta em

    Curiosa a reflexão, e faz sentido, sem dúvida.
    De toda sorte, pelo texto fica a impressão de que o vento seria o “vilão” da história, enquanto é a própria dinâmica da topografia juntamente com outros elementos formadores do clima que molda, ou determina, como será o comportamento dos fluxos de ar.
    Ou seja, tanto quanto o gelo, a altitude e as baixas temperaturas o vento é outro dos desafios presentes nas montanhas que tanto nos fascinam.

  2. Esse termos é muito comum no meio motociclístico, a galera deseja “bons ventos”. Mesmo sendo motociclista, também não curto muito esse termo eheheheh.

    Agora, em dezembro de 2019, depois de cruzarmos o Paso Jama, de moto em direção ao Atacama, peguei um vento lateral muito forte em que tive que pilotar a moto quase que de lado, como se estivesse fazendo uma curva na reta hehehehe.

    Vento só é bom se for uma brisa hehehe.
    Abraço!

    • JOSÉ ANTONIO TREVISAN em

      Na minha opinião a frase destina-se a velejadores.
      Para motociclista o vento também não é nada bom…

  3. É tudo uma questão de Ponto de vista , Como velejador vento é imprescindível… Então desejar o Bons Ventos é desejar que as coisas ( VENTO, Energia, Forças da natureza ) Soprem a seu favor na quantidade e força necessária, que consigamos fazer as viagens de forma tranquila… então esta expressão data de muito longe …..
    Em um ponto concordo com todos : Vento(Energia )
    Contra ninguém merece … kkkkkkkkkkkkk
    Abraços & Verdadeiros Bons ventos

  4. Poutz, sério? Então pare de desejar boa noite, porque a noite é fria e escura… Antes dos motores, praticamente só se velejava, eu sou piloto de navio e sempre há vento no oceano, o desejo é que sejam os melhores ventos, os que não atrapalhem, os gentis, o que ajudem, os ventos bons! Ora bolas, é cada uma.

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