Parques empresas

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Hoje saiu a já esperada licitação do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMbio) para concessionar alguns parques nacionais. Será que isso é bom?

No Brasil há 304 Unidades de Conservação (UC´s) Federais, entretanto somente 98 têm planos de manejo (documento que faz mapeamento e define as regras de uso de cada unidade), o que representa apenas 32% do total. Deste total de UC´s, 64 são Parques Nacionais (ParNas), que como estes números exemplificam, vivem situações diferentes, ou senão contrárias.

Alguns parques, como o de Iguaçu, possuem uma excelente infra estrutura, são bastante visitados e dão bastante dinheiro, ou seja, movimentam muito a economia local, dando emprego e renda para sua população de entorno.

Parque Nacional do Iguaçu.

Outros parques como o, por exemplo, o Saint Hilaire, que fica na Serra do Mar paranaense, não tem quase nenhuma infra estrutura e seu efetivo se resume a dois funcionários que tentam cuidar de uma área enorme, repleta de problemas, como extrativistas de Palmito e de madeira, cuja ação ilegal ficou evidenciada no país inteiro através da operação Juçara da Polícia Federal.

Como o Parque Saint Hilaire, o Brasil está cheio. São parques que só existem no papel e não cumprem com seu dever de conservação da natureza e muito menos de oferecer um uso recreativo à população, pois não há plano de manejo e sempre estão dentro de propriedades privadas, pois são poucos os ParNas que resolveram seus problemas fundiários.

Não podemos ser críticos extremos atacando o ICMbio pelo abandono total das UC´s, até porque desde a criação desde órgão, desmembrado do IBAMA em 2007, houve alguns avanços na administração de alguns ParNas, quando foram concluídos 30 planos de manejo e encomendado outros 36 para até o final deste ano. Entretanto fica um questionamento se transferir a gestão de parques para a iniciativa privada é uma boa alternativa.

Com o atual plano de concessão, foram licitadas a concessão para os seguintes ParNas:  Iguaçu (PR), da Tijuca (RJ), de Abrolhos (BA), Fernando de Noronha (PE), da Restinga de Jurubatiba (RJ), do Caparaó (ES), da Serra dos Órgãos (RJ), de Ubajara (CE), Sete Cidades (PI), Itatiaia (RJ) e da Chapada dos Guimarães (MT), todos ParNas que já tem alguma infra estrutura e dão dinheiro ao ICMbio.

Do total destes ParNas, só o de Iguaçu já é concessionado. Eu conheci este ParNa antes e depois da concessão.

Antes, ele tinha uma boa infra, mas parte dela estava avariada, como as plataformas que permite a visitação da Garganta do Diabo (principal atrativo das Cataratas), também não existia o atual e suntuoso centro de visitantes. A taxa de entrada era de apenas R$ 3,00.

Hoje, o ParNa tem um infra estrutura digna de parque (de diversão) com lanchonetes, elevadores panorâmicos, lojas de souvenir, ônibus (para vc não entrar com seu carro), entre outras coisas. O ingresso no Parque já não é mais o mesmo, custa R$ 22,00, com preços mais caros para estrangeiros.

A transformação do ParNa Iguaçu em empresa o obrigou a objetivar lucros e isso realmente ocorre. É o parque brasileiro mais rentável, também o que mais emprega e que mais movimenta a economia, ganhando dinheiro, mas também distribuindo, sendo por isso considerado o modelo para estas novas concessões.

Acho que os ParNas poderiam ganhar e distribuir dinheiro também se fossem públicos e melhor ainda, sem objetivar o lucro, oferecendo tarifas acessíveis ao visitante e não elitizando o acesso às áreas naturais. Entretanto meu pensamento é tido como retrógado pela maioria, principalmente pelos políticos, que fazem as coisas acontecerem. Porque fazer as coisas baratas pro povo, se podemos deixar um empresário rico? Essa é a lógica do sistema, pois fora eles, quem mais vai ficar, o guia?

Obviamente que dentro desta lógica irão ser privatizados os parques que mais têm visitantes, mais famosos e que estão mais próximos de centros urbanos. Ou seja, aqueles que têm o maior potencial de lucrar, continuando a lógica de privatizar os ganhos e socializar os prejuízos.

Por que não privatizariam ParNas como o de Jaú (AM) (o maior do país, com 2.272.000,0000 de ha), ou o da Serra das Confusões (PI), sem nada de Infra estrutura, assim como o do Pico da Neblina (AM), Grande Sertões Veredas (MG), Serra do Divisor (AC) e outros tantos que não são badalados e que ficam em locais de economia enfraquecida, onde a falta de oportunidade é uma das causas da destruição?

Alguns destes ParNas na lista de concessão são velhos conhecidos dos montanhistas, como o de Itatiaia e da Serra dos Órgãos, que vivem situações diferentes quanto à seu uso público. Enquanto no primeiro tudo é proibido, até mesmo ter um local para pernoitar no Planalto, no segundo já existe uma visão menos “preservacionista” (no sentido conceitual da palavra), onde podemos visitá-lo sem agressão à natureza.

Acredito que as concessões não mudarão muito as regras dos parques, como exemplificado acima, pois elas são (ou deveriam) ser baseadas nos planos de manejo, se bem que eu acho que não existe verdade científica e muito menos neutralidade nestes documentos e muitos planos de manejo são tendenciosos para transformar a gestão dos parques mais fáceis, ou seja, pra proibir mesmo…. (mas isso é outra história).  O que pode mudar mesmo será o preço ao acesso e a estrutura.

Isso porque uma vez terceirizados, os parques terão que se manter e lucrar e necessariamente terão que se tornar mais atrativos para o visitante normal, ou seja, fazer como fez Iguaçu, ser um turismo natural massificado. É este o problema que eu acho mais grave, pois isso pode bater de frente com a Conservação da natureza (também no sentido conceitual da palavra).

Por todos estes argumentos, acredito que a concessão dos ParNas é um mau negócio para o povo e para o meio ambiente brasileiro, é ainda mais para seus frequentadores mais assíduos, como nós, que enfrentarão dificuldades frente à necessidade de lucro das empresas. Os argumentos a favor, como geração de emprego e renda, não seriam exclusivos à exploração privada destes parques.

Não gostaria de ser pessimista, mas que garantia temos que este meu prognóstico não venha a acontecer?

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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