PATI, A TRAVESSIA DA CHAPADA – 1

0

A Chapada Diamantina é uma miragem de pedra, alta e colorida no meio dos tons ocres e secos do sertão baiano. O relevo e as chuvas no verão promovem a profusão de rios, vegetação rica e abundante, grutas, cachoeiras e serras. E tem a tradicional ´Travessia do Vale do Pati´, q embora fosse + uma pernada dentro da mega-pernada q me propusera, a travessia do Capão ate Andaraí tinha lá o seu status de ser a ´mais famosa do país´, ´a Santiago de Compostela tupiniquim´, a ´travessia do Brasil´, entre outros tantos predicados. Quiçá pq esse trecho fosse um dos q melhor resumem esse espetáculo repleto de cenários e detalhes interessantes. Era ver pra crer.


Enfim, o gde dia, o fecho de ouro p/ trip!! P/ mim + um dia de pernada pela Chapada, visto q já tava caminhando&nbsp, há 2 semanas percorrendo ´circularmente´ todas suas trilhas (algumas em desuso e c/ mato), belezas naturais e cruzando c/ as + pitorescas pessoas:&nbsp, saíra de Mucugê e seu cemitério bizantino atravessando o rochoso cânion da Serra do Capa Bode ate alcançar Igatu, a Cidade de Pedra e dar um rolê na imponente Rampa do Caim, transpor a trilha tortuosa e rochosa da Serra da Boa Vista p/ chegar em Andaraí, às margens do acobreado Rio Paraguaçu.

Logo em seguida beirar o pantanoso caminho do Marimbus, quase pisar numa sucuri e acampar na praia arenosa da foz do Rio Roncador, p/ chegar em Lençóis no dia sgte, véspera de réveillon, e dali fazer vários ´ataques´ às incontáveis atrações próximas, esbarrar c/ Otto e a Alessandra Negrini na travessia da Serra do Sobradinho, perto do Morrão, ate finalmente chegar a Caeté-Açu, no Vale do Capão, um misto de Maromba com S. Tome das Letras baiano, q tem como atrativo a majestosa Cach. da Fumaça bem ao lado. É o gde dia de fechar o circuito numa travessia fantástica com ataques a atrações periféricas, como a Gruta do Castelo e o Vale do Cachoeirão.

1º DIA – VARANDO OS GERAIS DO VIEIRA
Acordei 5:30 naquela manha nublada de segunda, arrumei as coisas e me despedi da galera curitibana q recém voltava meio ´aérea´ de uma farra – acampada ao meu lado. Deixei logo depois o Camping Flor da Serra, um dos muitos q tem lá, sob fina garoa.

Caeté-Açu é um ovo de vilarejo: tem duas ruas principais travessas, mas tomei a q segue paralelo ao vale, alias a única, sentido sul. Não tem erro. A estradinha precária de terra segue sinuosa pelo Vale do Capão um tempão, alternando subidas e descidas suaves. Este vale é o + fértil pelos q havia passado, pois é rico em vegetação, principalmente bananeiras e palmeiras. No caminho, varias ´pousadas´ alternativas como a Lothorien (´Cto de cura e tratamento´), Kathasi (´Alimentação natural e crescimento´) e Catarse (´Hospedagem assistida´), alem de muitos depósitos de coleta de lixo seco. Logo vem a Pousada Candombá, onde varias pinguelas ajudam a transpor o Rio Preto, q nos acompanha td trajeto. A esta altura a garoa cessou e o sol ameaça sair.

Mais adiante o numero de casas diminui consideravelmente, o verde se abre e permite avistar o Morro Branco do Capão, um enorme rochoso claro e escarpado, adiante à esquerda. Após um sobe-desce íngreme, passo pelo povoado do Bomba – q se resume a algumas casas e quiosques – ate a estrada terminar num rio, o Córrego Capão, q é transposto saltando de pedra em pedra. A partir dali é q a trilha começa e o vale se afunila cada vez mais numa espécie de forquilha formada pela união dos paredões das serras do Sincorá e Roncador.

As 8:30 chego na placa do Ibama q delimita inicio da trilha (´Capão/Gerais/Pati/Cachoeirao/Andaraí 60km´), e sigo a picada logo depois, onde o paredão do Morro Branco domina a encosta esquerda. O trilho sobe forte e íngreme por um costão de serra arborizado ou mata-de-grota, florestas q nascem em terreno inclinado, ate sair num descampado, agora com os paredões do Morro da Moitinha na nossa frente. A subida suaviza, mas aperta novamente no final, e exatas 9:30 alcanço o topo, após 350m de desnível vencidos! O fim do vale delimita inicio dos Gerais do Vieira e olhando pra trás tem-se uma visão ampla do Vale do Capão – emparedado pelas serras do Candomba e Larguinha – e dos 10km percorridos ate então. O Morrão (ou Mte Tabor) ao fundo, mais parece um cupinzeiro gigante. Uma bela vista a ser apreciada, pretexto pra um breve descanso, lógico!

Continuando a pernada, agora tenho à minha frente o enorme platozão achatado e descampado dos Gerais do Vieira (ou Gerais, como chamam aqui), q se estende por quase 10km e estão a mais de 1000m de altitude. É uma espécie de terraços elevados, tipo um segundo andar do solo, coberto com vegetação arbustiva e solo pedregoso/arenoso, tanto é q a trilha daqui em diante é de terra ou areia, em meio a capim ralo. Não demoro e cruzo o Córrego da Galinha e, a seguir, o do Ancorador, deixando p/ trás o Morro da Moitinha. Delimitando este platô pela direita, a morraria rochosa da Serra do Esbarrancado, e pela esquerda, a do Serra do Roncador. O trilho eventualmente se confunde c/ muitos outros q seguem p/ direita ou esquerda, mas na verdade tanto faz, já q tds os caminhos levam ao final dos Gerais, ao sul. Porem, os trilhos da esquerda geralmente tem desníveis maiores.

Eu apenas segui o q fosse em frente (ou pela direita), não desviando muito do sul,&nbsp, me guiando pelo inconfundível Morro do Castelo (ou Morro Branco do Pati), rochoso encravado 9km adiante. O ruim deste trecho é q p/ descansar não há nenhuma pedra pra sentar! Nem sombra. Atravesso o infindável descampado de capim ralo, mata ciliar, gramíneas e sempre-vivas, tendo agora como bela paisagem o imponente Morro Manoel Vitor (ou Gaúcho), à minha esquerda. Alguns vales pequenos e pouco profundos aparecem c/ suaves e imperceptíveis variações de declive, mas q é certeza de água, alem de muito brejo. Ao atravessar o Rio Açucena, noto alguns restos de fogueira recente.

Uma outra trilha segue p/ direita, subindo o rochoso, deve ser a subida do Quebra-Bunda, q leva à Guine, já no alto da serra. Mas continuo na minha, pro sul, firme e forte. O sol agora esta implacável, e neste enorme descampado amarelecido parece fritar a cachola. Pra aliviar o calor, resolvo alcançar um pequeno vale arborizado, próximo do q parece ser um velho cocho em desuso. Péssima idéia, estava repleto de umas malditas e vorazes ´mutucas-pitbull´, q me obrigam a deixar o local correndo p/ novamente ´pastar´ no capim. A sensação de q não se chega nunca, de não sair do lugar ou de andar numa esteira rolante seria tediosa não fosse a proximidade gradual do Morro do Castelo, o ´farol´ dos Gerais.

Por volta das 11:30 chego no Córrego da Lapinha, onde encontro um trio de capixabas q haviam acampado onde vira restos de fogueira. Iam p/ uma ´festa´ na ´Prefeitura´ e resolvi acompanhá-los. Tava na cara q eram bicho-grilos, e um deles carregava uma sacola enorme no braço q era a barraca, e um cigarrinho do outro. Aproveito q eles estavam tomando banho p/ descansar e beliscar alguma coisa. Sombra q é bom, nada. Retomada a pernada, continuamos a singrar o capinzal, cada vez mais próximo do nosso ´farol´. O horário e a iluminação conferiam a paisagem cores mto bonitas, o dourado do campo e o rubro de algumas gramíneas se alternava com o laranja- cinza-esbranquiçado do imponente rochoso diante mim, cujas torres de pedra lhe dão aspecto medieval, digno do nome.

DESCENDO AO VALE DO PATI
Ao chegar na base do Morro, contornamo-lo pela direita ate encontrar uma trilha q, após uma rústica porteira, se enfia na mata e desce o vale, É aqui q começa propriamente dito o Vale do Pati, já vendo parcialmente o extenso cânion de gdes rochas recortadas pelas águas do rio Pati. Inicialmente, a descida é no aberto, cercado de matacões de samambaias, p/ logo tornar-se sinuosa em densa mata fechada. O calor é abafado, mas o som de riachinhos a esquerda soa como musica aos ouvidos. Este trecho é repleto de brejo, a lama segura a bota e os escorregões são bem comuns. Mas o jeito é continuar.

Após quase 150m de desnível e 4 km percorridos do alto, a trilha sai da mata e chega numa casinha azul do lado de uma capelinha, local conhecido como ´Ruinha´. São 13:30, minhas pernas tão bambas de cansaço, o sol ta fulminante e é aqui mesmo q tdos desabamos na sombra fresca da soleira da igrejinha. Ali na verdade fora uma pequena vila onde ocorriam as festividades locais, mas q com o declínio do ciclo cafeeiro restaram somente as ruínas no matagal, vestígio da cultura rica do Patizeiro. A ´Ruinha´ passava por um processo de ampliação e restauração, pois é importante pto de apoio de pernoite aos turistas, contou Seu Adilson e Seu João, q tomavam conta do local.

O trio riponga compra uma ´branquinha´ local e passam a bebericar, sinal q não sairiam tão cedo dali. Apesar de cansado e ainda cedo, não tencionava pernoitar ali e sim mais adiante. Peguei água e me despedi dos capixabas. E assim novamente continuo a pernada solitária, agora em subida considerável por colinas desnudas ou c/ vegetação aparentemente queimada. A subida é vagarosa, o céu estupidamente azul e o sol parece fritar taquara na cabeça. A satisfação é poder apreciar os majestosos 1580m do Morro do Castelo agora por trás, bem próximo. Mas chegar ao alto da morraria tem compensação maior: uma panorâmica do Vale do Pati em toda sua extensão e beleza, um cânion de rocha dourada singrado por um rio negro em meio a mto verde na base dos enormes maciços de pedra. Não é a toa q a foto-clichê da travessia seja daqui. Olhando pro lado, um ponto reluzente em meio a mata ao pé dos paredões, provavelmente a Cach. do Lajedo.

Continua…

Compartilhar

Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

Deixe seu comentário