Responsabilidade Civil na Montanha – Empresas

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Frequentemente sou questionado sobre a responsabilidade civil dos guias de montanha, bem como das empresas que trabalham com montanhismo. Quando ocorrem acidentes, como o ocorrido no Villarica, além de receber mais perguntas sobre o assunto, recebo depoimentos inflamados defendendo que os guias devem ser responsabilizados. Pois bem, aqui tecerei algumas considerações acerca do tema, expondo de forma simples (sem jurisdiquês) o atual entendimento dominante, indicando quem e por que deve arcar com os valores dos danos causados.

 Primeiramente, devemos destacar que a atividade de levar alguém para a montanha (através da contratação via empresa de turismo) é uma relação de consumo, ou seja, é o Código de Defesa do Consumidor, por seu art. 14, que regulará a matéria e não o Código Civil.

O referido artigo trata do tema da seguinte forma:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I – o modo de seu fornecimento;
II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III – a época em que foi fornecido.
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
 
O caput deste artigo, ou seja, seu primeiro parágrafo, estabelece que a empresa que presta serviço de guia de montanha, independente de culpa deverá reparar o dano causado. Assim, o cliente lesionado não precisará demonstrar que a empresa teve culpa no acidente para receber sua indenização (em termos jurídicos, estamos diante de uma responsabilidade objetiva, e não subjetiva, o que significa que o cliente não deverá provar, por exemplo, que sua queda foi por falha ou culpa do serviço da empresa), bastará que demonstre na Justiça a ocorrência de dano (exame de corpo delito, gastos médicos, fotos da lesão etc) e o nexo de causalidade entre a atividade e o dano, ou seja, demonstrar que o dano decorreu da atividade praticada durante o serviço prestado e não de outra atividade ou prática.
Assim, se uma empresa levar alguém para o Pico Paraná, por exemplo, e a pessoa cair e quebrar o braço, deverá arcar com os custos médicos, bem como por eventuais outros danos decorrentes da quebra do braço, independentemente de existir culpa por parte da empresa.
Tal responsabilidade deixará de existir na forma do §3º, II, do referido artigo, se o cliente deliberadamente se atirar montanha abaixo, ou seja, tentar se suicidar.
Além disso, mesmo que a empresa exija que a pessoa assine um termo dizendo ser responsável por eventuais danos sofridos durante a prática da atividade, a responsabilidade da empresa decorre de lei, sendo um direito irrenunciável do consumidor, fazendo com que o referido termo não seja válido.
Um outro ponto que devemos destacar é que algumas empresas brasileiras, eventualmente, para retirar a competência da justiça brasileira, bem como para ilidir a responsabilidade decorrente da atividade, embora contratem com o cliente no Brasil, fazem com que assinem o contrato da parte referente à subida da montanha em território internacional. Tal prática, uma vez demonstrada, invalida o contrato assinado no exterior, fazendo com que ele seja tido como se ocorrido no Brasil, já que sua existência decorre exatamente da tentativa de fraudar as leis brasileiras.
Devemos salientar, que avalanches, pedras que venham a cair, temporais e outros eventos climáticos previsíveis, embora sejam naturais, não desqualificam a responsabilidade das empresas, pois são riscos inerentes da própria atividade exercida em ambientes de montanha. A responsabilidade pode ser ilidida somente em casos de eventos climáticos extremos, como um terremoto em áreas que não são afetas a terremotos, ou outros que sejam sequer previsíveis (cair um foguete na cabeça da pessoa).
Tudo o que destaquei acima é a forma como os tribunais superiores tratam do tema, no entanto, ressalto, que há juízes que pensam de forma contrária, e que decisões em sentido diverso podem acontecer (é o risco da atividade jurídica).
Na próxima semana, abordarei também de forma simples como será a responsabilidade caso não haja empresa, mas apenas um guia agindo de forma autônoma. Outros temas que abordarei em semanas vindouras serão: a responsabilidade do Estado, das Federações e ao final farei uma crítica ao atual sistema de responsabilidade para atividade de montanhismo.
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