Spina-Agios Eirineos-Kantanos

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Alto astral, foi esta a expressão, ainda que meio cafona, que encontrei para descrever em poucas palavras a minha primeira atividade junto ao Clube de Montanhismo de Chaniá.


Domingo, 30/11/2008, acordamos por volta de 6h30, tomamos café da manhã e enquanto a Anamaria preparava dois sanduíches para eu levar, me vesti e arrumei as coisas na mochila, que já separara na noite anterior. Além dos sanduíches, levei, 1,5 litros de água, bergamotas, peras, bolacha salgada e chocolates.

Fui andando de casa até o clube, o ponto de encontro, em menos de 10 minutos. Cheguei, 7h45, 15 minutos mais cedo da hora marcada e fui o quinto a chegar (considerando que até sexta-feira 48 já tinham se inscrito, é espantoso). Cumprimentei timidamente os que já estavam ali esperando. Aos poucos a turma foi chegando e não parava mais de chegar gente, parecia uma procissão. Os dois ônibus, um grande e um pequeno, chegaram com 5 minutos de atraso e já fomos entrando. Os últimos inscritos chegaram por volta de 08h15, e para a alegria de 3 ou 4 que não tinham se inscrito, nem todos vieram, e sobraram algumas vagas nos ônibus que deveriam ter ficado lotados.

A moda era variada dos pés à cabeça, desde roupas anos 50 e cajados de madeira, até a última tecnologia em vestuário e bastões de caminhada, além de alguns nitidamente despreparados com calçados que não servem nem para passear no centro.

Com 20 minutos de atraso saímos, eu no ônibus grande, tendo ao meu lado o único assento vazio de todo o ônibus. Logo deixamos a cidade e seguimos oeste pela Estrada Nacional e depois para o sul em direção à Spina. Enquanto isso, o responsável foi passando de assento em assento para cobrar a inscrição e registrar o nome da pessoa para conferência na hora de irmos embora.

Mal deixamos a Estrada Nacional, as oliveiras começaram a dominar a paisagem irregular, e assim continuou enquanto subíamos as montanhas pelas típicas estradas finas que serpenteiam o interior de Creta. Quando contornávamos algum vale, eu podia ver ao longe o ônibus menor bem à frente, já do outro lado. Aos poucos a vegetação foi mudando e entre as oliveiras podia identificar em outras árvores as cores do outono, copas totalmente amareladas. Demorou cerca de 1h30 até chegarmos ao acesso à Spina, onde o ônibus parou. Um pouco antes de chegarmos, recebemos as instruções de como seria o passeio, inclusive que nós, do ônibus grande, teríamos que caminhar um pouquinho mais do que os outros. A estrada fica menor ainda e apenas o ônibus pequeno pode prosseguir.

O ambiente abafado destes ônibus modernos em que não se pode abrir a janela costumam me deixar enjoado e desta vez não foi diferente. Desci do ônibus com as pernas tremendo e fui agraciado com o ar fresco da montanha para logo me restabelecer.

Spina fica a 7 km de onde paramos e prosseguimos a pé o quanto conseguimos até encontrarmos o ônibus pequeno que voltou para nos pegar. Andamos bons 3 ou 4 km antes que o ônibus chegasse, e vale dizer que preferia ter continuado a pé. Andar de microônibus numa estradinha sinuosa pouco mais larga que ele próprio à beira de um cânion foi assustador. A caminhadinha valeu pela beleza do local, dominada por pedras e arbustos, com algumas criações de abelha.

Paramos um pouco antes de Spina onde deveríamos encontrar o resto do grupo que não estava ali. Aparentemente sete membros do clube de montanha eram os responsáveis por este passeio, quatro estavam no ônibus grande e três no outro, cada um deles equipado com um Talk-about. Os do primeiro grupo estavam com os deles ainda desligados. Por meio do motorista, soubemos que eles tinham ido até o vilarejo para tomar café, e resolvemos prosseguir sem eles.

Desde Spina a paisagem já era exuberante e o passeio consistia em descer um vale até chegar no cânion de Agios Eirineos, para depois seguir até a estrada para Kantanos onde o ônibus nos pegaria de novo. Assim foi!

O número espantoso de pessoas, cerca de 70, parecia um absurdo, mas o grupo andou bastante disperso e sem as gritarias que poderia se esperar de um grupo deste tamanho. Além disso toda a caminhada foi por uma estrada não pavimentada. Havia gente de todas as idades, inclusive crianças bem pequenas (os pais as carregaram em mochila apropriada), mas predominavam pessoas com mais de 50 anos.

Pouco posso dizer sobre a descida pelo vale, melhor ver as fotos. Quando chegamos na garganta, cruzamos um leito seco de rio e a partir daí o seguimos hora de um lado, hora de outro. Não havia mais oliveiras e a vegetação parecia de fato “natural”. As paredes de pedra e as árvores faziam a sombra necessária para não sentirmos calor apesar do ar fresco. O caminhada não possui nada de excêntrico, exceto uma caverna enorme no alto do morro, que parece ter sido fechada com madeira e telas de arame.

Em pouco menos de 2 horas de caminhada, em ritmo lento, os primeiros começaram a chegar à Igreja de Agios Eirineos, o ponto de descanso. A igrejinha é bem desinteressante, mas o lugar é historicamente importante. Como aconteceu em outros lugares de Creta, este foi um dos pontos da resistência cretense contra os alemães na Segunda Guerra Mundial. Munidos basicamente de facas/facões, pedras e pedaços de pau, e tirando proveito da geografia local, conseguiram resistir à ocupação e mataram uns tantos alemães. Como forma de vingança os alemães atearam fogo na cidade de Kantanos mais abaixo, que foi totalmente destruída. No local onde existiu e agora existe novamente a cidade, deixaram placas de mármore onde está gravado em alemão e grego algo como: “Aqui existiu Kantanos, destruída em retaliação ao assassinato de 25 soldados alemães”.

Durante o descanso na igrejinha foi o primeiro momento em que tive a oportunidade de interagir com as pessoas (eu fui o único a ir sem a companhia de um amigo). Algumas me ofereceram frutas ou castanhas. Falei com o Ioannis, o senhor que me recebeu diversas vezes no clube, com um professor da universidade e com algumas crianças que não davam bola para o fato de eu não entender muito bem o que elas diziam.

Depois que todos estavam reunidos e alimentados dois ou três aproveitaram para subir na mureta e fazer um discurso a respeito do local, falar das atividades do clube e revisar o planejamento a partir dali.

Conforme planejado primeiro seguimos em direção a Kantanos pela estrada antiga para vermos uma pedreira que está destruindo a região. A estrada foi toda construída com muros de pedra perfeitamente alinhadas com um capricho difícil de se ver hoje em dia, apesar dos avanços em técnicas e maquinário. A pedreira por outro lado, mostra que o progresso custa caro e ao que parece as coisas por ali não estão exatamente dentro da lei. Já foram feitas várias denúncias inclusive na TV, mas de nada adiantou. Nas fotos que tirei, apenas um porção da pedreira aparece, mas ela é muito maior e já afeta parte da garganta por onde seguimos mais tarde para ir até a estrada nova que leva a Kantanos (ver fotos).

No caminho tivemos o “prazer” de ver uma cobra leopardo, considerada por alguns a mais bonita de Europa. Consegui uma foto meia boca e vi uma louca fazer carinho nela e quase levar uma mordida.

Depois do breve desvio para ver a pedreira, voltamos para a igreja de onde tomamos o rumo correto. Estes três últimos quilômetros, os únicos de subida, fiz na companhia do Ioannis e aproveitei para conversar sobre o clube. Basicamente falamos das receitas (financeiras) do clube. O clube sobrevive as custas das mensalidades dos seus sócios, 30 euros por ano, pelo valor arrecadado com os passeios, de materiais promocionais e do aluguel dos refúgios para grupos. Os passeios acontecem todos os finais de semana e neste que fui cobraram 20 euros dos não sócios, 15 dos sócios e 10 das crianças. Foram 70 pessoas, ou seja, supondo que o valor médio foi 15 euros, arrecadaram uns 1000 euros num único final de semana. Não faço idéia de quanto gastaram para alugar os dois ônibus, mas dúvido que tenha chegado perto deste valor. Para mim é caro mas ao que parece para os outros não é. A arrecadação com materiais promocionais é baixa, como já aconteceu na ACEM e provavelmente em outros clubes brasileiros, o mesmo cara que reclama que a camiseta a 12 reais (que custou 10 para o clube) é cara, compra uma de marca por 20 ou 30 reais sem pestanejar.

Mas ao que parece, o dinheiro é muito bem empregado. Já escrevi em outras oportunidades que eles possuem dois Defender e sede própria (e grande) no centro da cidade. Eles mantém também 4 refúgios de montanha, cada um com lugar para mais de 20 pessoas e totalmente equipados, inclusive com beliches e roupa de cama. No ano que passou o clube “faliu” pois gastou cerca de 40 mil euros (sim, quarenta mil euros) para refazer um dos abrigos. Este abrigo era todo de pedra e a ação do tempo, principalmente as mudanças de temperatura, estava causando a destruição do mesmo. Eles reconstruíram o abrigo. Como o local só é acessível a pé, o material foi levado de helicóptero. Temos muito o que aprender com eles!

Voltando ao passeio, a conversa foi encerrada com a chegada ao ponto final, onde os ônibus nos esperavam. Fomos levados a Kantanos para o almoço.

No trajeto de cerca de quatro kilômetros o responsável aproveitou para agradecer a todos, para comunicar os próximos eventos e também para celebrar o fato de que as 70 pessoas reunidas ali e mais 30 crianças que foram para outra atividade, significava que o clube conseguiu, naquele final de semana, ter 100 pessoas mais perto da natureza. É claro que não é sempre assim, as pessoas mostram de fato uma preocupação com a natureza, e ao que parece, com muito menos hipocrisia do que vemos de muitos no Brasil.

Chegamos à Kantanos e a maioria foi para as tavernas (restaurantes). Como não queria gastar e levara meu próprio almoço, fiquei na praça aguardando por quase 2 horas antes de voltarmos a Chaniá! O passeio foi ótimo, todos em paz e se divertindo, apreciando a natureza e confraternizando com os amigos. Mas acho que o que eles queriam mesmo era no final do passeio, ir se empanturrar numa taverna!

Link para o álbum desta publicação: Alto astral

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