Tal pai, tal filhos!

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Mesmo em meio a tantas noticias ruins para o ano que acaba de chegar, um momento de paz e serenidade eu achei neste janeiro chuvoso aqui no Rio de Janeiro. Algumas felicidades não podem ser compradas ou programadas como uma expedição. Algumas felicidades vem de momentos singelos e simples, e essa simplicidade acabou por vir na forma de uma montanha para minha alegria.


Um ano que se inicia meio conturbado como disse nosso amigo Hilton Benke, difícil acreditar que as coisas possam melhorar para nossos irmãos no oriente, mas temos de ter fé que nesse ano tudo pode ser mudado e que uma chance de paz nos países árabes seja possível. Com esse sentimento de paz, tentei iniciar meu ano perto da minha família e gostaria de dividir esse sentimento com outros pais escaladores de plantão.

Fui pai muito jovem, aos dezenove anos. Ainda cursando a faculdade de engenharia recebi de presente uma linda portuguesinha de cabelos negros que hoje é uma adolescente de treze anos. Pouco tempo depois de me formar recebi outro presente, um menino sorridente que hoje passa mais tempo na frente do computador que eu. Durante muito tempo vi meus filhos como espectadores das minhas escaladas e viagens escutando meus pais reclamando do tipo de vida que escolhi. Todas as vezes que levava um deles para Urca ou Grajaú um mundo de reclamações chegava por telefone ou e-mails nada amistosos. Foi assim durante muito tempo. Durante esse “tempo” sempre pensei em quando seria a hora de levar um deles comigo. A idéia desse dia ficava cada vez mais longe quando se é pai solteiro e tido como irresponsável pela família, por colocar a vida em risco e ainda querer colocar as das crianças.

Já fazia muito tempo que não passava as festas de fim de ano com a família no Rio de Janeiro, sempre uma viagem ou o plantão da empresa me deixava de fora da ceia de natal e dos fogos de fim de ano. Nunca fui muito fã das comemorações de dezembro, mas este ano fiquei em casa, e, para minha sorte, as crianças ficaram comigo. Momento raro e único já que nessas datas toda mãe quer o filho por perto. No máximo, um feriado de páscoa é o que se consegue.

Com o recesso da empresa, tinha dez dias para curtir com guris e nenhum dia de sol me aparecia. Quando um quase dia de sol aparecia, as crianças se jogavam na piscina e lá estava eu de guarda vida já que por conta da Leishmaniose ainda não posso tomar sol no braço esquerdo e tenho de evitar os produtos químicos, como cloro, nas lesões causadas pelo bendito mosquito. Nos dias de chuva, lá estávamos de frente a TV gastando os dedos no Playstation II do meu filho (já estava saturando jogar BEM-10). Algumas idas a praia para caminhar um pouco e nada do tempo mudar.

No dia 01 de janeiro o tempo mudou e uma janela se abriu. Aí estava nossa chance de sair da rotina. Dia 02 de janeiro arrumei a mochila, preparei a máquina fotográfica, sem dar muitos avisos em casa, coloquei as crianças no carro e partimos para Pedra do Sino no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (foi a única montanha que pensei na hora). Partimos bem cedo e às quatro da manha tirei as crianças da cama. Em poucas horas já estávamos em Teresópolis tomando um café da manhã reforçado antes de partir para a portaria do parque nacional.

Ainda na estrada a imagem imponente do Dedo de Deus, escalavrado e Garrafão deixava as crianças espantadas. Minha alegria em responder à onda de perguntas que vinha do banco de trás a cada curva era enorme. A toda curva as perguntas se repetiam; “pai já subiu esta? e aquela pai, da para ir lá em cima?”. Contei com ajuda do velho amigo Rodrigo Cojack para esta caminhada e, como seria a primeira vez das crianças no parque, nada melhor que estar com o amigo que esteve comigo também na primeira vez que fui até a Pedra do Sino. Feliz em voltar ao parque agora com meus filhos, Rodrigo pensava alto em quando poderia levar seu filho, que em dezembro fez um ano, para um passeio na serra.

Seria a primeira vez que as crianças iriam para montanha e a primeira vez que eles dormiram em uma barraca. Apostei forte no DNA dos meninos, meu filho nem mesmo estava acostumado a dormir fora de casa. Como seria estar fora de seu ambiente natural e encarar uma noite em um dos pontos mais altos do Estado?

Pouco mais de quatro horas de caminhada e já estávamos montando nosso acampamento. Eles subiram bem, nem sequer reclamaram da longa subida até o Sino. Depois de um almoço leve na cozinha casca grossa, era hora de curtir a natureza e toda beleza a serra, nesta época do ano, pode proporcionar. Como chove muito no inicio do ano, toda serra está explodindo em vida. Pássaros canoros de várias cores como o Trinca-Ferro (Saltator similis), Saíra Sete Cores (Tangara seledon, Green-headed Tanager) e aves de grande porte como jacu (Penelope purpurascens) são vistas com facilidade. Encantados com a quantidade de insetos de diferentes formas e cores, as máquinas fotográficas não param um só momento, até a chuva nos atingir em cheio.

O tempo fechou rápido e lá para as duas horas da tarde a chuva veio com toda sua força. Não se via um palmo em frente ao nariz. Agora tinha colocado as crianças em uma das minhas roubadas. Enquanto tentava me manter calmo e pensando em como ligar para casa avisando que iria ter problemas, as crianças já estavam acomodas dentro da barraca rindo e achando graça de tudo. Olhei melhor para o aparelho celular e coloquei de volta dentro da mochila. Depois de alguns risos e um pacote de bolachas, Caio estava dormindo tranquilamente em seu sleeping bag e Diny conversava um pouco sobre a vida na montanha. Às nove da noite acordei os meninos e a chuva continuava. Preparei a janta dentro da barraca mesmo. Preocupado com o tempo que não melhorava, só pensava em sair dali debaixo da chuva com duas crianças. Como explicar em casa que a aventura dos guris foi um fiasco e acabaria na farmácia mais próxima, já que Caio tem bronquite e Diny tem alergia a lugares úmidos? Depois de uma macarronada com direito a molho ao Sugo, muitas risadas, brincadeira com sombras nas paredes da barraca e boa prosa, lá estavam os anjinhos dormindo novamente.

Durante a madrugada, lá para as três horas, a barraca de Rodrigo não agüenta o temporal e vem abaixo. Depois de desarmar o que sobrou, nos apertamos em minha barraca. As crianças receberam a noticia do ocorrido como piada e riram do tio Rodrigo todo molhado e tremendo de frio. Rodrigo tinha perdido o sleeping bag para a chuva e teve de passar a noite só com os agasalhos que restaram secos. A chuva durou toda madrugada, só melhorando às sete da manhã. Acordei as crianças para um último passeio mesmo debaixo de uma fina chuva e logo desmontamos a barraca para iniciar o caminho de volta. Uma última olhada em tudo e já era hora de caminhar em direção à barragem para pegar o carro.

Caminhamos em uma trilha úmida e lamacenta. À medida que chegávamos perto do final, encontrávamos pessoas iniciando a caminhada de subida. As crianças não perdiam a chance de falar pelos cotovelos e passar as betas de como estava lá em cima e, com detalhe, como estava à trilha.

Ver meus filhos sem um arranhão depois de tantos tombos na lama durante a descida, sorridentes no final da trilha e ainda dispostos a falar sobre tudo com todos que passavam e se surpreendiam com duas crianças sujas de lama descendo da montanha foi meu maior presente de Natal. Ser pai e ainda ver seus filhos manter a mesma paixão pela natureza e pelo desafio que você tem é muito mais que qualquer desafio que possa vir pela frente.

Não foi uma grande montanha e o tempo não estava lindo para se olhar lá de cima, mas comecei o ano com meus filhos em um lugar que, devo dizer, é lindo mesmo com chuva.

Como pai e esportista, tenho certeza que não estou sozinho nesta difícil tarefa de educar filhos e continuar escalando. Minha preocupação de não formar filhos que se distanciem de uma vida saudável e consciente sempre bateu em minha porta. Estar distante por morarmos em Estados diferentes sempre me incomodou quando o assunto era influência negativa das grandes cidades. Ainda tenho medo da influência tecnológica na formação das crianças. Diferente da formação que meu pai deu a mim e a meu irmão, que crescemos mergulhando e explorando as matas e cachoeiras do interior do Estado do Rio, eles vivem a realidade dos shoppings e vídeo games. Mas como dizia meu velho pai, a natureza segue seu rumo e quando você menos espera, ela te dá de volta em frutos a semente que você plantou com carinho no passado. Confio nisso e espero estar logo com meus filhos em outra montanha dividindo a mesma paixão pela vida ao ar livre.

Força sempre e um ótimo 2009!

Atila Barros

 – O Parque Nacional da Serra dos Órgãos é uma unidade de conservação situada no maciço da Serra dos Órgãos, abrangendo os municípios de Teresópolis, Petrópolis, Magé e Guapimirim, com uma área de 20.030 hectares. É aberto para visitação permanente.

Além da beleza e da importância da conservação de suas espécies, o Parnaso é um dos melhores locais do país para a prática de esportes de montanha, como escalada e caminhada. A travessia Petrópolis-Teresópolis, com 30 km de caminhada pesada pelo alto das montanhas, é considerada a caminhada de longo curso mais bonita do Brasil.

A 90 quilometros do Rio de Janeiro, ou menos de duas horas por rodovia, o parque recebe o ano todo grande número de visitantes. Seu acesso principal é pela rodovia BR 116 Rio-Teresópolis.

Fonte: Wikipédia.

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Sobre o autor

Atila Barros nasceu no Rio de Janeiro, e vive em Minas Gerais, cidade que adotou como sua casa. Escalador (Montanhista) há 12 anos, é apaixonado pelo esporte outdoor. Ele mantem o portal Rocha e Gelo (www.montanha.bio.br)

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