Travessia Andes-Guacá

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Já a algum tempo matutava em juntar numa pernada dois gdes “points” da região tida como “Sertãozinho do Tietê”, aquela inserida entre o planalto serrano de Biritiba-Mirim e a Rod. SP-98. Os “points” em questão eram a Represa Andes e o Rio Guacá, atrativos já visitados isoladamente noutras ocasiões mas q mereciam ser reunidos numa tacada só. A idéia não era nova, pois eu mesmo já conhecia gente q já havia metido as caras nessa empreitada. Contudo, nada impedia de oficializar de vez um circuito, desta vez em verso e prosa. Reunindo um pequeno grupo, fomos lá nos embrenhar no meio da mata pra mais uma pernada selvagem de respeito. No trajeto, a Cachu da Lagarta, uma represa do tamanho de 20 piscinas olímpicas e um rio tremendamente encachoeirado q culmina no Poço das Antas. Td isso perdido, no meio do mato. Um domingo de sol e calor numa travessia pauleira regada com fartura de água por td caminho.


A manhã estava magnífica com um céu muito azul, de onde destoava um sol brilhando c/ td seu esplendor bem acima de nossas cacholas. Esse foi o panorama com q nos deparamos assim q saltamos no posto da Balança, as 9:10hrs. Algo bem diferente q a previsão escabrosa da meteorologia havia estipulado, e algo q de certa forma nos havia deixado com certo receio. O receio tinha, claro, seu fundamento uma vez q travessia proposta incluía uma travessia dum curso dágua respeitável, o q seria realmente complicado no caso do rio estar bem acima do seu nível normal por causa de chuva. Entretanto, a virtude de perseverar tb faz parte dos legítimos aventureiros e foi embalados nesse espírito q mandamos a previsão pro espaço e encaramos a travessia assim mesmo, arriscando a sorte. Felizmente desta vez o ponto foi nosso. Aquela velha máxima do “quem não arrisca..” tb se aplica ao mundo das andanças naturebas.

Dessa forma eu e a dupla R&R (Ricardo S. e Ricardo C.) imediatamente impusemos um ritmo forte ao caminhar pelo asfalto quente da SP-98 , de modo a otimizar ao máximo o tempo útil de luz natural daquele domingo. Deixando os limites de Mogi das Cruzes pra então adentrar no de Biritiba-Mirim, 20 minutos após iniciada a pernada abandonamos a rodovia em favor da tradicional “Vereda do Seu Geraldo”, na verdade, uma antiga estrada desativada faz séculos. Embalados em meio a muita conversa, num piscar de olhos nos vimos saltando as pedras do cristalino e estreito Córrego do Lobisomem, bem ao lado da antiga casa (hj decrépita e caindo aos pedaços) do Seu Geraldo.

A caminhada prossegue inipterrupta, seguindo sempre o mesmo compasso e sem gde variação de desnível. O rumo tomado é sempre sentido nordeste, ignorando as picadas transversais. Estas veredas merecem exploração futura separadamente pois faço apenas vaga idéia de onde devam dar. É, esta regiao ainda tem muito caldo pra dar no quesito perrengue e aventura. Pois bem, prosseguindo na pernada, inevitaveis brejos ao longo da vereda surgem, o q já era previsível. Uns são facilmente contornados; noutros, no entanto, é mais facil prosseguir chafurdando a bota na lama, sem dó.

As 10:20hrs, um pouco antes do primeiro gde pontilhão de madeira, o som alto de água correndo furiosa nalgum lugar à nossa esquerda é sinal de alguma pequena queda próxima. Incrivel q já passei trocentas vezes por aqui e sempre ignorei esse som por falta de tempo ou por estar mais focado noutros objetivos. Mas como desta vez havíamos saido cedo havia tempo de sobra pra explorar a origem daquele pequeno rugido no meio da mata. Pois bem, mergulhando numa discreta picada saindo transversalmente da principal, avançamos em direção ao tal som, afastando o mato alto q por ventura aparece com ambas as mãos. Num piscar de olhos desembocamos as margens pedregosas do Córrego da Paca (ou Rio do Lobisomem, sei lá, pois sempre confundo os dois), q é o curso dágua q passa por baixo do pontilhão supracitado.

Uma vez no manso e pequeno rio, basta acompanhá-lo ora pela margem direita ora saltando pelas pedras q afloram em sua superfície. Em questão de minutos damos num simpático poço, ao sopé duma pequena queda dágua marcada por dois niveis. Eu ainda escalaminhei a primeira queda pelas escorregadias pedras laterais, e andei em nível pelo patamar intermediário até dar na segunda queda, um pouco maior (e mais verticalizada) q a primeira. Vale salientar q o pocinho serve perfeitamente como uma banheira natureba com hidromassagem, ideal prum dia de calor ferrenho. Resumindo, o lugar não é lá essas coisas em termos de tamanho, mas encanta por sua beleza natural, nenhuma sujeira do entorno e proximidade com a trilha principal. “Caramba!”,  pensei, “Qtas vezes passei aqui do lado deste bucólico recanto sem saber de sua existência?” Pois é, da mesma forma mtos outros lugares desta regiao ainda esperam pra serem devidamente descortinados. Por desconhecer a nomenclatura do lugar, o batizamos como Cachu da Lagarta. Se alguem souber seu verdadeiro nome, favor me corrija.

Após um breve descanso na cachu, retomamos a pernada na trilha principal, sempre tocando pra nordeste e agora acompanhando o sopé da serra q emerge grandiosa a noroeste. Num trecho aberto temos a magnífica vista da face sul do Pico da Mulher Grávida, imponente maciço q conheci antigamente como Pico do Gavião e q inclusive já subi na cia da Myrna e do Carlos, no verão passado. Este maciço tb tem um terceiro nome, o de Peito de Mulher, q acredito seja o mais apropriado tendo em vista um cocoruto rochoso acima do domo principal. Preciso la voltar em breve pra buscar novas opções de subida afim de bolar um circuito no mesmo. Fora isso, os destaques deste trecho, alem da belíssima mata secundaria a nossa volta, ficaram por conta dos vestígios de algum pássaro devorado, outro pontilhão de madeira, e uma pitoresca poça onde ovos de sapo recém depositados eclodiam num aspecto q beirava polpa de maracujá.

As 11hrs cruzamos, quase sequencialmente, trilhas transversais importantes saindo pela esquerda: a primeira, passando pela Cachu Agua Fina) e dá no outro lado da serra, na Faz. da Forquilha, com opção de subida à Pda do Sapo atraves do colo serrano q une estes dois vales; a segunda, conhecida como “Trilha dos Desbravadores”, q recentemente bisbilhotamos e dá no Bairro da Terceira, já em Casa Grande. A partir daqui, tocando á direita reparamos q a trilha se estreita e já não é tão larga como era ate então, tocando pra leste.

Um novo pontilhão, desta vez de ferro, é atravessado cautelosamente onde é preciso ter equilíbrio ao andar sobre suas vigas remanescentes, de preferência sem olhar prum afluente do Sertãozinho q marulha ameaçadoramente bem abaixo. Na sequencia megulhamos no frescor dum bosque onde varias trilhas nascem da principal, pra tds lados, sendo algumas de anta. Mas o sentido é obvio e patente. Sempre pra leste. Não tem erro algum. Foi ai q vimos pegadas frescas de cães escancaradas na lama em volta da trilha. Seriam caçadores?
O largo Rio Sertãozinho é finalmente alcançado por volta das 11:30hrs, e sua travessia foi mto mais facil do q o esperado. Não houve necessidade de corda, nem de tirolesa e mto menos de uma corrente humana. Bastou apenas cruza-lo tranquilamente, numa boa, com água até um pouco acima do joelho.  A trilha é reencontrada na outra margem e por ela prosseguimos indefectivelmente no sentido desejado, tocando sempre pra leste. Aqui surge uma bifurcação de alguma relevância, onde os rumores dão conta de q o ramo da esquerda desce ate o litoral, mas essa é uma info ainda a ser verificada “in loco”. De preferência noutra exploração de garbo e elegância. Dica anotada.

Tocando então pela direita logo reparamos q o caminho se torna relativamente mais confuso, porem sem problema algum pra quem ja tem algum farejo de trilha. Mata tombada obriga a sair da vereda pra reencontrá-la logo adiante, em meio a muito brejo. E por ai vai. Na sequencia somos obrigados a vencer um certo desnível e ganhar altura, subindo em meio a pedras e lajes no q aparenta ser um córrego seco. Uma vez no alto daquele pequeno platô emergimos no aberto e as vistas se abrem de forma espeldorosa. Não somos mais cercados de exuberante e densa Mata Atlântica e sim exemplares ressequidos de arbustos e vegetação típica de sertão, coroando os rochedos e pedras q pontilham o caminho. Por estas e outras q esta região é chamada de “Sertãozinho do Tietê”.

Assim, um pouco antes do meio-dia chegamos no mirante rochoso as margens do enorme espelho dágua chamado de Represa Andes. Já tinha vindo aqui noutra ocasião, mas o péssimo tempo impediu vislumbrar o cenário paradisíaco q agora se descortinava a minha frente: um gigantesco lago azulado e perdido no meio de verdejante mata! E a noroeste víamos nitidamente a silhueta serrana recortando aquele horizonte verde, separando-o do azul límpido do céu, destacando na sequencia o Pico Mulher Grávida, o Itapanhaú e o Garrafão, tds apontando altivamente pro alto. Vale lembrar q a represa é artificial e data do tempo da construção da Rod. Mogi-Bertioga (SP-98), ou seja, da década de 80. Sua função era servir como barreira de contenção de água em época de chuvas, controlando a vazante do Rio Sertãozinho e seus afluentes.

Pois bem, do mirante rochoso partem algumas trilhas q contornam a represa, em meio a vegetação arbustiva baixa, e outras q levam a pequenas prainhas fluviais onde é possível montar pequenos acampamentos. Decidimos então tomar a “principal”, q bordeja o espelho dágua da represa pro sul. Um pinheiro isolado naquela mata baixa serve de referência em caso de confusão, pois a vereda passa bem do lado dele. Uma vez contornado o extremo sul da represa, percebemos uma variante pouco batida descendo até a agua. E desescalando algumas pedras damos num bucólico remanso de pasto, onde jogo a mochila no chão e me presenteio com um refrescante banho na represa. Incrivel perceber um “clube de veraneio” como aquele, do qual éramos os únicos sócios presentes. Bem, ou quase. O estampido abafado de um tiro no meio da mata, mais precisamente o setor norte da represa, confirmava nossa suspeita anterior de caçadores no pedaço naquele dia.

Após muito tchibum, lanche e descanso retomamos nossa jornada pontualmente as 13hrs. Voltamos á picada principal e do extremos sul da represa prosseguimos atraves da supracitada vereda. Lembro q qdo estive so vim até aqui e fiquei pilhado em dar continuidade a trilha. Foi ai q entrou o Ricardo (o “S”), capitaneando a empreitada a partir de então, pois ele já conhecia o percurso por tê-lo feito já anteriormente… de bike! Sim, isso mesmo. O maluco já fez td aquilo montado numa magrela, mesmo tendo q carregar a dita cuja no ombro metade do trajeto. Pois é, ainda bem q ainda existem aventureiros desse naipe!

A picada se embrenhou novamente na mata sentido sudeste, deixando pra trás a represa, mas um pouco depois emergimos outra vez no lajedão doutro cocoruto rochoso. Ali tb revelou-se ser um lugar pitoresco, pois alem da bela vista da represa estavamos no alto de rochedos num precipício coberto de mato, lugar com mta semelhança a um pequeno cânion! Seria ali o “antigo” gargalo da represa? De qq maneira uma coisa era certa: foi dali q foram extraídas boa parte das pedras (mediante muita explosão) q ajudaram tanto na construção da represa como do calçamento da vereda até lá.

Após cliques naquele desfiladeiro, retomamos a pernada sempre pela picada principal mergulhando novamente na farta vegetação, agora rumo sul em definitivo. Mas após várias bifurcações onde nos mantemos sempre no ramo mais batido e pisado, nossa rota embica pra baixo de vez e começamos a descer a serra de forma quase vertiginosa. E segura firme q dali serão quase 300m de desnivel até a rodovia! Logo nos vemos desescalaminhando uma íngreme encosta verticalizada, onde a estreita trilha se espreme entre o arvoredo q nos serve de apoio. E pensando q o Ricardo S. fez este trecho pirambeiro de bike… vai se catar!
Pois bem, transposto o trecho pirambeiro nossa rota se dá numa óbvia e suave crista descendente, com mato caindo por ambos lados. Aliás, a nossa esquerda ouve-se o som de algum rio furioso no vale ao fundo, q pelo q a carta indica deve ser um afluente do Rio Guacá e q nos acompanhará durante um bom tempo, ao longe. Um tempo depois a crista dá lugar outra vez a uma íngreme encosta, onde a trilha aparenta percorre-la em curtos ziguezagues, exigindo bastante dos joelhos. Muitos tombos nos surpreendem nos trechos onde o chão se apresenta liso ou enlameado. O Ricardo C. q o diga, favorecido principalmente pela sola da bota já lisa e gasta de tantas aventuras já percorridas.

Dessa forma perdemos altitude num piscar de olhos, onde o destaque do trajeto fica por conta da exuberante vegetação primaria de Mata Atlântica em seu estado mais puro. Enormes gigantes da floresta com seus troncos amparados por arvores parasitas erguem-se aos ceus tal qual sentilenas daquele recanto selvagem. Enormes blocos de rochas tb pipocam aqui e ali, cobertos por td sorte de mato ou servindo de apoio pras raizes do arvoredo. Afinal naquele terreno quase verticalizado as gdes arvores tb precisam de uma “mãozinha” pra se manter em pé. O Ricardo S. nos passou uma raiz de jaborandi e nos pediu pra experimentar um pouco. E não é q o troço primeiro formigou a pta da língua pra depois amortecer a boca por completo?? É, os índios daqui sabiam bem das coisas.

Ouvir o som de veículos cada vez mais próximo era sinal q nossa empreitada estava nos finalmentes. E após cruzar com um pequeno acampamento de caçador desativado e desescalaminhar pela beirada um pequeno correguinho q já acompanhávamos a um tempo, as 14:30hrs caímos as margens da SP-98, bem do lado da famosa ponte sobre o Rio Guacá. Logicamente q foi pra la q nos dirigimos, sob a ponte, afim dum merecido tchibum no enorme lagão (desta vez, natural) conhecido como Poço das Antas, onde as águas do Guacá são represadas após despencarem por uma majestuosa sequencia de quedas. O único inconveniente deste lugar maravilhoso é a presença de algumas macumbinhas, algo corriqueiro pela proximidade da estrada.

Após um merecido e represcante banho pra comemorar o desfecho da empreitada e remover mais alguns carrapatos a tiracolo, retomamos nossa pernada rodovia acima agora bem mais dispostos, as 15:30hrs. Fim de travessia mas não de trip, já q ainda tínhamos algo em torno de 7km de asfalto (em suave subida) até o posto da Balança, trecho q seria vencido em duas hrs exatas com sol estapeando o rosto. Mas e daí? Haviamos concluído a pernada em menos tempo q o previsto principalmente devido a agilidade, rapidez e determinação do nosso pequeno e coeso grupo. Tenho minhas dúvidas se teríamos conseguido isso com mais integrantes na trupe.

E assim transcorreu nossa incursão dominical pelas bandas serranas de Biritiba-Mirim regada com muita água durante td percurso. Vale destacar q a região tem muito a render no quesito travessias e circuitos, uma vez q a abundância de picadas e veredas q se ramificam por estas bandas não esta no gibi. Resta apenas disposição em descobrir onde as mesmas vão dar e estabelecer mais um roteiro de responsa. Por estas e outras q lamento o preconceito daqueles q desdenham da Serra do Mar e perdem tempo (aguardando meses por brechas de bom tempo) na Mantiqueira, por exemplo. Pra quê? Pra se repetir exaustivamente em roteiros já desgastados e batidos pelo excursionismo convencional, mesmo havendo possibilidade de dispersão td esse contingente pra áreas menos visadas. E é ai q entra nossa vizinha, “A Muralha”, oferecendo semanalmente aventuras distintas e diferenciadas, q não devem em nada as trips batidas doutras serras mais notórias ou mais divulgadas pela mídia. E o melhor, a Serra do Mar propicia desafios q independem do bom humor de São Pedro. Aventuras, por exemplo, como a Travessia Andes-Guacá.
 
 

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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