Travessia da Serra do Ibitiraquire

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De dentro do ônibus lotado, vimos a serra ficar para trás, com seus cumes encobertos pelas nuvens. A travessia até a Graciosa tinha, pela terceira vez, morrido no Ciririca. Apesar disso, eu estava tremendamente satisfeito por ter feito algo que poucos já realizaram: ir de Bairro Alto até a Fazenda Bolinha, esticando até o Ciririca, num total de nove montanhas diferentes!


Mas a travessia Ciririca – Graciosa estava, mais do que nunca, entalada na garganta. Realizá-la estava se tornando uma questão de honra!!!

Na semana seguinte à travessia Bairro Alto – Fazenda Bolinha, encontrei-me com muita gente. Contei e recontei esta história várias vezes. Tive várias oportunidades de conversar com o Elcio, e tentamos encontrar onde foi que nós erramos, qual foi a decisão equivocada. Enfim, achar porque motivo desistimos da travessia Bairro Alto – Graciosa. E não chegamos a um ponto só, mas a várias situações que, somadas, acabaram com nossa motivação.

E, tanto ele quanto eu, sentíamos nossa honra ferida por não haver cumprido com o objetivo estabelecido. Infelizmente, o feriadão de Corpus Christi foi o último de 2008. Se quiséssemos fazer uma travessia, teria que ser mais curta, somente no sábado e domingo. Assim, fizemos um pacto: no próximo fim de semana com previsão de tempo bom voltaríamos lá para fazer a travessia fazenda Bolinha – Graciosa, a popular Ciririca – Graciosa.

A primeira vez que ouvi falar desta travessia foi por volta de 2004. Desde então sonhava em percorrer a densa mata que se estende entre o Ciririca e a estrada da Graciosa. No entanto, relatos de roubadas e outros meio exagerados criaram uma aura mítica em torno desta caminhada. Mas como todo mito, essa imagem que eu tinha na mente foi se desfazendo na medida em que eu me aprofundava no montanhismo, e ia conhecendo trechos e detalhes do caminho. A escalada do Arapongas contribuiu muito, quando conheci a trilha do marco 22, que é na verdade o final da travessia. E quando ela foi realizada em apenas um dia de caminhada caiu de vez o mito de que é uma atividade quase impossível.

O primeiro fim de semana após o feriadão foi marcado por chuva e tempo ruim, apesar das previsões de geada para a região. Passou mais uma semana, e na quinta-feira todos os sites de meteorologia mostravam a mesma previsão: tempo firme para a sexta, sábado e domingo. Combinamos de ver como se comportava o tempo durante a sexta, pois nossa intenção era iniciar a caminhada à noite. Já de manhã cedo constatamos que as previsões se confirmariam, e marcamos de nos encontrar às 19 horas. O Moisés se ofereceu para nos levar até a fazenda Bolinha, aonde chegamos pontualmente às 20 horas. Após nos despedirmos de Moisés, e de uma breve conversa com seu Bento, o dono da fazenda, começamos nossa jornada. A idéia era dormir no Tucum, apesar de o Elcio teimar em querer ir até o Luar.

A noite extremamente aprazível torna a caminhada muito agradável. Entre as copas das árvores aparece o céu estrelado. A floresta, lugar sempre assustador à noite, nesta ocasião estava mais suave. Parecia abrir seus encantos e mistérios para nós, como quem finalmente admite um iniciado em seus ritos secretos. Os rios borbulhavam diferentemente, prenunciando o sucesso de nossa aventura.

Quando saímos da floresta, a primeira visão que tivemos não nos agradou, pois todo o vale da Graciosa estava sendo tomado pelo nevoeiro. Isso costuma ser preocupante se as nuvens subirem até a altura das montanhas. Por enquanto ainda estavam lá no fundo do vale. Mas conforme vamos subindo, o nevoeiro vai ganhando força e altitude, e quando enfim alcançamos o cume do Camapuã (1.713 m), as nuvens já quase encobrem o Arapongas (1.315 m).

Fizemos uma pausa ali para comer alguma coisa, e logo seguimos para o Tucum (1.740 m). Ficamos admirados com a umidade da noite. Toda a vegetação estava encharcada pelo orvalho. No vale, aproveitamos para pegar água. Ao subir a encosta do Tucum, invento moda e chamo o Elcio para subir por fora da trilha, direto pela aderência. Já passei por esse caminho de dia, mas de noite a coisa é diferente, e sem enxergar muito longe temos sorte de reencontrar a trilha mais acima.

No cume, um breve impasse, pois o Elcio insiste em tocar durante a noite até o pico do Luar. Mas ele se convence após eu argumentar que as chances de a gente se perder no vale entre o Tucum e o Cerro Verde são muito grandes. Claro que o nevoeiro ascendente contribuiu e muito para ele se decidir. Agora vamos preparar nosso bivaque, e quando ele abre sua mochila, que surpresa: ele trouxe uma barraca, sem perceber!!! Para nossa sorte, pois uma nuvem escura escondeu todas as estrelas. Parecia até que ia chover, e já duvidávamos se o tempo ficaria bom no resto da travessia. Sem perda de tempo, a velha barraca Manaslu fica de pé no cume do Tucum e nós desaparecemos para dentro dela.

Pela manhã o tempo estava perfeito, mas a barraca estava encharcada de orvalho. Esperamos o sol se erguer um pouco para secar nossas coisas, enquanto o Elcio tentava fazer seu GPS funcionar. Infelizmente o aparelho, ainda novo, estava com algum defeito e não pudemos registrar o percurso da travessia. Com a barraca já seca, arrumamos nossa bagagem e partimos, por volta das 9 horas.

A descida foi rápida, em pouco tempo estávamos no vale entre o Tucum e o Cerro Verde. Achamos fácil o caminho, que ainda estava bem pisado desde a última vez, há apenas duas semanas. Como já estava meio tarde, seguimos direto ao Luar, sem ir no C° Verde. A trilha estava bem aberta após nossa passagem anterior, e pudemos andar rapidamente. Pouco antes do cume, pausa para algumas fotos.

No cume do Luar (1.603 m) paramos e finalmente meu celular pegou sinal, e pude dar notícias em casa. Depois de tomar um sucão, comer umas barrinhas de cereais e tirar mais fotos começamos a descida dos campos, onde sempre é lindo de caminhar. Como pra baixo sempre o santo ajuda, logo alcançamos mais um trecho de mata, e começamos a subir outro pequeno morro. Depois desse morro vem a descida rumo à Última Chance, onde fizemos outra parada para um suco.

Juntamos nossas forças para a longa e sempre cansativa subida do Ciririca, onde chegamos após as 15 horas. Como o caminho até o Agudo da Cotia é longo e complicado, não perdemos nem um minuto sequer ali, e prontamente iniciamos a descida pelo outro lado da montanha.

Tinha ouvido muitas coisas a respeito da trilha entre o Ciririca e o Agudo, que até haviam me deixado um pouco apreensivo. Mas achei essa trilha até fácil (obviamente na descida, para subir deve ser terrível). É uma trilha que me lembrou muito a descida do morro Mãe Catira para o morro do 7, na serra da Graciosa. Claro que bem mais longa e com mais obstáculos. A vista para os campos de altitude e dos Agudos da Lontra de da Cotia enche os olhos nesta parte da trilha. Um ponto branco na imensa parede do Lontra chamou minha atenção: são os restos de um avião que se chocou contra essa montanha há muitos anos.

Finda a descida, andamos cruzando os muitos vales que cortam o planalto ao pé dos Agudos. Elcio me mostrou a colina onde iríamos pernoitar, que me pareceu ainda tão distante. Mas em pouco tempo chegamos à bifurcação que leva à colina. Não faltava muito para escurecer, e ainda queríamos fazer um ataque ao Agudo da Cotia, principal montanha desta região, com 1.525 m. Após um rápido lanche, largamos as mochilas ali, seguindo apenas com as garrafas de água vazias (para coletar água na volta), as câmeras e as lanternas. Deixamos as garrafas no riozinho, e tocamos para o cume. A trilha estava bem fechada, com muito mato encobrindo o caminho. Temíamos não encontrar o caminho na volta, por isso fomos tomando muito cuidado e memorizando detalhes, que foram muito úteis no retorno. Apesar de não parecer tão alto, a subida foi longa. Quando nos aproximamos do cume e a crista ficou mais plana, já estava totalmente escuro. De repente, as lanternas iluminaram um estranho objeto branco, cilíndrico: era o tubo do caderno de cume. Enfim, às 18h10min, alcançamos a montanha mais isolada e remota de toda a serra do Mar. Sem sombra de dúvidas, uma das montanhas com mais difícil acesso em todo o país. Primeira vez para mim, décima vez para o Elcio!!!

Sabendo que o retorno no escuro da noite seria complicado, não perdemos tempo. Após assinar o cobiçado livrinho do Agudo e fotografar o momento iniciamos o retorno. Graças ao nosso cuidado na subida não enfrentamos nenhuma dificuldade. Não erramos o caminho em nenhum momento! Paramos para encher as garrafinhas no rio, e poucos minutos depois encontramos nossas mochilas. No alto da colina encontramos uma bela clareira em meio ao capinzal. Montamos a barraquinha e nos preparamos para o tão merecido descanso. Algumas nuvens que apareceram no céu nos deixaram preocupados com a possibilidade de ter que concluir a travessia debaixo de água. Aproveitei que o celular pegava com total clareza e liguei pro Fiori para pedir a previsão do tempo. Rapidamente ele consultou o site do Simepar e nos tranqüilizou, pois o tempo ficaria parcialmente nublado, sem chance de chuva. Incrível essa tecnologia: de um dos lugares mais remotos do Paraná, em poucos minutos ficamos sabendo da previsão completa para o dia seguinte!!!

Como soldados em uma guerra, dormimos cansados e alegres pela vitória na batalha de hoje, porém inquietos com a batalha que nos esperava no dia seguinte: o longo caminho entre os campos dos Agudos e a estrada da Graciosa.

Vencidos pelo cansaço, dormimos a noite inteira num sono só. Quando o dia começou a clarear, por volta das 6 da manhã, estávamos bem descansados e prontos para a longa jornada. Não podíamos perder tempo, pois o caminho é longo e a parte mais complicada é justamente o final. A região compreendida entre o Salto Mãe Catira e o alto da Graciosa é coberta por uma densa floresta, e a trilha que faz a ligação até o marco 22 da velha rodovia é muito pouco utilizada, e desaparece com facilidade na mata. Por isso, é fundamental passar por ali de dia, pois as chances de perder a trilha à noite são enormes.

Desarmamos o acampamento, e com as mochilas prontas recomeçamos a caminhar, não sem antes tirar algumas fotos. Havíamos combinado que o Elcio carregaria a barraca até o Agudo, e eu a levaria no trecho final. Com isso, minha mochila estava bem mais pesada no último dia do que no começo da travessia!

Dali pra frente acabava a trilha demarcada, e o que para mim era novidade por estar passando pela primeira vez, para o Elcio era quase uma rotina, pois era a décima quarta vez que realizava esta travessia! Cruzamos um pequeno vale até atingir outra colina, e começamos a descer tendo como rumo a Garganta entre o Tangará e o Coxotós. Com o dia aberto pudemos fazer este trecho com excelente orientação visual, dispensando o uso da bússola. Apesar de seguir no rumo da Garganta, não iríamos até ela diretamente. Descemos pelos campos, contornando alguns capões de mata. Encontramos um leito seco de um riacho, que corre diretamente sobre a laje de granito. Seguindo paralelo com ele, deixamos os campos de altitude para cima e seguimos por dentro da floresta de árvores retorcidas. O terreno ficava cada vez mais íngreme, mas a descida era fácil em meio à tantas árvores, galhos e raízes para se segurar. Por vezes descemos entre blocos de rocha. Por fim, começamos a escutar o barulho de cachoeiras, indicando que o afluente do rio Forquilha estava próximo.

Ali começava a longa caminhada dentro de rio. Algumas rampas longas, cobertas de limo liso, tiveram de ser vencidas escorregando sentado na rocha. Chegamos à uma cachoeira, onde era preciso descer um degrau de rocha lisa com uns dois metros, para alcançar um pequeno platô de pedra ainda mais escorregadia, e que ficava sobre uma parede de uns quatro metros. Foi um momento de tensão passar por ali, com aquele medo de escorregar e descer direto. Vencido este obstáculo, foram mais alguns minutos escorregando em rampas, se equilibrando em pedras lisas e descendo pequenas cachoeiras até chegar ao rio Forquilha.

Este rio tem uma orientação muito curiosa. No seu primeiro trecho ele corre encaixado numa falha com direção aproximadamente Norte – Sul. Lá pelas tantas ele encontra outra falha e passa a seguir por dentro dela, com direção Sudeste – Noroeste, formando uma curva fechada, de onde vem o seu nome. Andando em seu leito, seguimos nos equilibrando de pedra em pedra. As rochas ali são cobertas por algum tipo de limo, que as torna extremamente lisas. Apesar de se caminhar sobre granito, dá a impressão que se está pisando em basalto, de tão escorregadio que é.

O sol da manhã iluminava o fundo do vale criando uma paisagem de luz e sombra maravilhosa. Paramos algumas vezes para registrar estes momentos únicos. De fato, o Forquilha é um rio de rara beleza, com muitas piscinas naturais e cascatinhas. Infelizmente não podíamos gastar muito tempo contemplando a paisagem, e depois de um breve lanche, seguimos rumo ao cotovelo do rio. Aos poucos vamos percebendo que a direção está mudando, sinal de que estamos no lugar onde se deixa o rio. Uma árvore marcada com fitas e algumas pedras empilhadas sobre uma grande rocha não nos deixam dúvidas de que é ali o lugar.

Com alívio andamos novamente numa trilha, ou quase isso. Fitas amarelas colocadas pelos amigos do Nas Nuvens Montanhismo indicavam o caminho a seguir, até encontrar um riozinho, o qual seguimos por algum tempo. Deixamos o leito deste rio, e continuamos num caminho bem marcado, até que encontramos um taquaral. Ali, como em todo bambuzal, a trilha ficava confusa. Enquanto o Elcio seguia para cima tentando encontrar alguma marca que indicasse a continuação, eu voltei até a última marca, pra ver se não tínhamos errado a trilha. Procurei pra direita, pra esquerda, pra baixo… E nada! Só podia ser para cima mesmo. Puxei a bússola, conferi que a direção em que seguíamos batia com o azimute da Garganta. Gritei para o Elcio, que agora estava bem mais para cima. Poucos minutos depois o reencontrei. Continuamos subindo, e quando o taquaral acabou encontramos novamente marcações. Em pouco tempo o terreno foi ficando plano, subindo para a esquerda em direção ao Tangará e à direita rumo ao Arapongas. Quando a trilha começou a descer, não tivemos mais dúvidas: estávamos na Garganta, no caminho certo! Chegar ao final naquele mesmo dia era agora apenas uma questão de paciência e perseverança.

Paramos para tirar fotos e descansar um pouco. Apesar do cansaço, e de estarmos num lugar belo e exótico, não perdemos tempo, pois a vontade de completar a travessia crescia na medida em que nos aproximávamos do final. Mas ainda havia muito chão pela frente. Ou melhor, muito rio!

Já logo no começo o terreno fica bem íngreme, com algumas rampas de rocha. A umidade é grande, mas ainda não havia água corrente. Então, ao descermos por entre grandes rochas, de repente encontramos um fio d’água surgindo entre as pedras. Quem diria que aquela miséria de água era a nascente do rio Mãe Catira, que enquanto vai descendo a serra, vencendo dezenas de cachoeiras, vai ganhando volume até passar pela ponte de ferro da estrada da Graciosa, e encontra-se com o rio São João para formar o rio Nhundiaquara.

Dali em diante, nosso caminho seria o mesmo daquele filete de água. Por um bom tempo o rio desce íngreme. Neste trecho há várias rampas de pedra escorregadia, onde todo cuidado é pouco. Sem falar nas fendas e buracos profundos escavados pelo constante correr das águas. Devagar a inclinação vai diminuindo, e o rio começa a fazer uma grande curva, contornando o morro Coxotós. É um alívio poder andar sobre uma superfície plana novamente. Dali pra frente, vão se alternando lugares muito bonitos com outros ainda mais lindos. É uma região ainda selvagem, protegida da exploração pela dificuldade de acesso. Em certo momento o rio fica totalmente plano e corre assim por um bom trecho, onde dá pra ganhar terreno rapidamente. Quando fica ruim de andar dentro do rio, por causa de piscinas ou cachoeirinhas, buscamos as margens, até que o emaranhado de cipós e taquaras nos manda molhar os pés novamente.

Esse é um detalhe interessante: pretendíamos terminar a travessia com os pés secos, porém ainda no Forquilha escorreguei numa rocha e meti o pé no rio, enchendo a bota de água. Dali em diante não me importei mais com esse detalhe, e pude ganhar tempo enfiando as pernas até acima do joelho na água, ao invés de me equilibrar sobre as rochas cobertas de limo. Por sorte as pedras no leito do Mãe Catira não são tão escorregadias quanto as do Forquilha.

4E lá pelas tantas o cansaço foi batendo e eu não conseguia mais acompanhar o ritmo do Elcio, e fui ficando para trás. Após uma grande curva do rio, encontrei-o me esperando. Apesar de ele querer seguir adiante imediatamente, consegui convencê-lo a descansar um pouco. Aproveitei para comer alguma coisa e tomar um suco. Aqueles dez minutos parados valeram como um dia inteiro de descanso, e voltei a acompanhar o Elcio na caminhada. Logo começamos a notar que algumas pedras diferentes no leito do rio. Era o primeiro sinal de que o paredão do dique de diabásio estava próximo. Mas pouco antes de encontrá-lo, uma triste surpresa: na margem direita havia um acampamento de palmiteiros abandonado. Saímos do rio para ver, e só encontramos lixo abandonado pelos cantos. Saindo do acampamento, e se afastando do rio, vimos o que parecia ser uma trilha. Obviamente que não pudemos ver onde ela ia, fica para uma próxima vez.

Foi uma grande alegria reencontrar o canyon formado pelo grande dique de diabásio da Graciosa. Já havia visto ele em outras duas ocasiões, e o caminho dali em diante eu sabia quase de cor. Logo adiante passamos pelo afluente que há dois anos nos levou até o Arapongas, e chegamos ao alto do Salto Mãe Catira. Como estávamos descansados, a parada ali foi breve, apenas o tempo necessário para bater algumas fotos. Saímos pelo lado da cachoeira, escorregando pelo barranco de barro abaixo, até alcançarmos a base. Enquanto Elcio tirava fotos, fui na frente, até uma grande rocha na margem, onde parei para apreciar toda a beleza desta cachoeira quase desconhecida. De fato, além dos poucos montanhistas que se aventuram pela região, somente os palmiteiros e caçadores que andam naquela floresta já viram este salto.

Caminhando por um trecho do rio que eu já conhecia, parece que o tempo andou mais rápido, e pouco mais de meia hora depois já alcançamos o lugar onde começa a trilha que leva à Graciosa. Encontramos o totem que marcava a saída do rio semi-desmoronado, e a trilha, outrora tão bem marcada, havia desaparecido. Todas as fitas que foram colocadas há dois anos, foram retiradas, sabe lá Deus por quem! Neste momento vi no rosto do Elcio uma expressão de desespero, a mesma sensação que eu também sentia. Se não encontrássemos a trilha ali, teríamos que seguir pelo Mãe Catira até num ponto onde o caminho segue paralelo com o rio. E para chegar lá, tem que se passar por longos trechos de corredeiras e lugares traiçoeiros. Para evitar isso, começamos a procurar algum rastro de trilha. Encontramos, mas ela logo desaparecia embaixo de uma gigantesca árvore tombada. Passamos para o outro lado e nos dividimos, e nada de achar a continuação. Voltamos até o rio e recomeçamos a procurar. E o tempo ia passando e o fim da tarde se aproximando. Depois de muita procura, o Elcio achou alguns vestígios depois da árvore caída. E assim fomos, farejando a trilha. Alguns pontos foram reconhecidos, quando passamos, indicando que o caminho estava certo. Logo à frente encontramos a bifurcação que leva ao rio Bonito, e pouco mais adiante chegamos a um afluente do Mãe Catira. Do outro lado, a trilha ficava bem melhor, inclusive com algumas fitas. Tratamos de voar nestes trechos, para evitar pegar a noite naqueles grotões. Mas a última temporada das chuvas foi furiosa: por toda parte havia árvores caídas sobre nosso caminho, dificultando a marcha. Em algumas partes a vegetação havia crescido tanto, que não era possível reconhecer a continuação. Algumas folhas de samambaia quebradas pelos amigos Julio, Moisés e Paulo, que haviam passado há duas semanas ajudaram a reconhecer a trilha nestes lugares. E assim, entre perdidos e achados, fomos nos aproximando da Graciosa, junto com o final de tarde. Passamos o 1º rio, depois chegamos ao 2º, onde uma árvore gigantesca havia tombado, obstruindo totalmente a passagem. Ao alcançarmos o 3º e último, tínhamos a certeza da vitória.

Dali pra frente foi uma luta contra o relógio. Os últimos vinte minutos da travessia foram os mais desgastantes e cansativos. O corpo pedia uma trégua, mas a luz cada vez mais escassa não nos permitia parar. Começamos a ouvir o barulho de carros na rodovia, o fim da travessia estava a poucos minutos. Mas as pernas exaustas após onze horas de caminhada ininterrupta teimavam em desobedecer minhas ordens. Tropeçava em qualquer raiz, ia quase cambaleando. O silêncio que reinava entre nós dois indicava bem o estado de apreensão em que nos encontrávamos. Achei uma fita colocada por mim, quando andei por ali no começo de abril, sinal de que faltavam menos de cinco minutos. E esses minutos passaram devagar, pareciam mais cinco horas! E então, quando a última luz do crepúsculo se esvaia, avistamos a larga clareira formada pela estrada da Graciosa. E alcançamos o marco de pedra do km 22, um mero objeto plantado ali na beira da rodovia, mas com um grande valor simbólico, que só quem chega ali após dias de caminhada pela floresta sabe definir.

Enquanto a gente se ferrava dentro do rio, jurei que nunca mais tornaria a fazer essa travessia. Mas pra variar, quando estava descansando encostado no marco de pedra, já fazia meus planos para voltar em breve…

E aí, quem topa me acompanhar?

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