Travessia Lago Azul – Caminhos do Mar

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Anos atrás realizamos uma subida serrana q atingia a borda do planalto de São Bernardo do Campo (ABC) através duma oportuna picada q bordejava pela esquerda o vertiginoso Vale do Rio das Pedras, na Serra de Cubatão. A idéia agora era fazer a mesma coisa, só q através do seu contraforte direito. Se haveria ou não caminho era a incógnita. Dito e feito, desse desafio resultou um circuito de árduos 14km e desnível 700m q nasce da Rodovia Anchieta, passa pela exuberante Cachu do Lago Azul e escalaminha a íngreme encosta da serra até o topo. Dali retorna ao pto de partida pela Rod. Caminhos do Mar, tb conhecida como Estrada Velha de Santos, aliás, a primeira via asfaltada da América Latina. Um circuito perrengoso q não apenas prestigia a beleza selvagem da Serra do Mar paulistana como tb seu rico patrimônio histórico-arquitetônico.

Após sair cedo da capital chegamos as 9hr no km 53 da Rodovia Anchieta, quase ao sopé da enorme tubulação q desce a verdejante Serra de Cubatão, coroada pela casa de máquinas do complexo Henry Borden. Devido a alguma intervenção da Ecovias (recapeamento? acidente?) o trânsito nas vias estava invertido e assim tivemos q estacionar no acostamento a esquerda da passarela utilizada pelos locais da Vila Light, onde residem os descendentes dos primeiros moradores q ajudaram na construção da Usina. Ali vimos q o os antigos barracos e construções ilegais situadas daquele lado da rodovia estão sendo removidos pelo Pq Est. Serra do Mar. Ainda bem.

Do carro então retrocedemos pelo asfalto até a primeira placa indicando a quilometragem, virada no sentido contrário, e mergulhamos no frescor da mata fechada serra acima. A ascensão é suave, tranqüila e desimpedida, eventualmente obstruída por inúmeras mangueiras de captação, borrifando água aqui e ali, q sinalizam a presença da “civilidade” próxima. A pernada então se mantem sempre bordejando em nível a serra, cruza o aceiro de torres de alta tensão e adentra novamente na mata, lindamente ornada com maria-sem-vergonhas na beira da trilha.

Pois bem, ao tropeçar com o primeiro grande córrego no caminho, abandonamos a picada palmilhada (pois tocando reto damos na Cachu Paraiso) em beneficio doutra q acompanha pela margem esquerda o dito curso d’água, ribeirão acima. Uma vez nesta vereda (provavelmente coberta de uma espessa camada de folhas) tocamos pra cima, eventualmente por onde der, sem caminho algum. Basta tb acompanhar as várias mangueiras de captação presentes por td trajeto. Ou pelo menos o q sobrou delas. Mas a medida q o estreito vale transversal afunila os deslizamentos se tornam mais frequentes e, consequentemente, o sumiço da vereda. Até q chega um momento em q a perdemos de vez, sem sucesso em reencontrar sua continuidade.

Bem, daqui em diante nos vemos sem a trilha q havíamos palmilhado na última ocasião ai, o q fazer? Varar-mato, lógico! Sabíamos somente q havia q subir a encosta no sentido nordeste. E assim foi, azimutamos na direção desejada, cruzamos pro outro lado do ribeirão e começamos a ganhar altitude na inclinada piramba, nos firmando na vegetação e qq coisa q estivesse a mão. Ascenção lenta esta devido ao chão terrivelmente instável e ausência de apoios, q fazia q pensássemos duas vezes antes de dar o próximo passo. Isso sem falar no mato tombado q desviamos e nos trechos mais verticais q houve demanda de escalaminhada básica. No entanto, devagar e sempre, num piscar de olhos ganhamos altura suficiente pra ver, pelas frestas do arvoredo, a extensa planície litorânea se estendendo até onde a vista alcançava.

Suando em bicas, na cota dos 350m atingimos o alto duma primeira crista onde, pra nossa felicidade, encontramos uma das veredas principais da serra q bastou simplesmente acompanhar. A pernada então suaviza e se mantém em nível, onde progredimos rapidamente no avanço até esbarrar com uma trifurcação conhecida da nossa última incursão: a da esquerda vem do asfalto e foi a picada q perdemos; a do meio é uma antiga vereda de manutenção q sobe a serra q usamos na travessia anterior; e a da direita é a q desce e leva a cachu.

Tomando esta última e estreita picada, descemos vertiginosamente em curtos ziguezagues ao mesmo tempo em q escutávamos o som borbulhante de mta água correndo no vale abaixo. Dito e feito, as 10:15hrs pisamos na margem do enorme espelho d’água q atende pelo nome de Lago Azul, onde o Rio das Pedras despeja suas águas através duma cachuzinha de porte pequeno. Por estar relativamente nublado, o lago apresentava uma coloração turquesa-esmeralda, não fazendo jus ao nome original. No entanto, sua beleza era indiscutível. O piscinão é cercado por uma aprazível praia de pedras e, por incrível q pareça, nenhum lixo, sinal q não existe muvuca ali apesar da relativa “proximidade” com a rodovia. Pois bem, foi ali mesmo q nos presenteamos com um demorado pit-stop com direito a descanso e tchibum, na cota exata dos 320m de altitude.

Ladeando o lago pela direita, escalaminhamos os rochedos q dão acesso às lajotas e pedras q coram o alto da cachu, onde tb há uma corda disposta estrategicamente pra mergulhos mais ousados. Claro q ninguém se meteu a besta de se lançar através daquela corda q sabe-se lá suas condições. Pois bem, acompanhando cautelosamente em nível rio acima logo tropeçamos com nova e imponente cachu, onde o Rio das Pedras despenca de vários patamares sucessivos serra abaixo pra finalmente formar um enorme poço cavado no meio de um buraco. O local é digno e merecedor tds os cliques possíveis pois a água é mais do q translúcida naquele horário do dia!! Havia vestígios de um precário acampamento, onde o suíno q ali pernoitou deixou algumas embalagens além duma meia fedida maculando aquele pequeno paraíso.

Pois bem, dando continuidade a pernada avaliamos a carta e decidimos tocar pela encosta direita serra acima, por aparentemente se mostrar menos íngreme. Buscamos um acesso no meio das pedras e lá fomos nós, tocando por uma estreita cristinha q foi se alargando a medida q subíamos. Contudo, o terreno mostrou-se bem inclinado e não diferiu mto palmilhado hora atrás. Paciência, começamos a subir assim mesmo, nos firmando vigorosamente no arvoredo em volta e dando impulso pro passo sgte, o q outra vez ensopou rapidamente nossas camisas. As vezes desviávamos na diagonal pela encosta evitando trechos mais verticalizados, mas a ascensão ocorreu de forma direta e frontal, de modo geral. Como recompensa, frestas na mata permitiam avistar de forma privilegiada tanto os gasodutos da Petrobrás, a Casa de Válvulas (cada vez mais próxima) da Usina e as quedas e poços dum afunilado Vale do Rio das Pedras, láááá embaixo.

Mas por volta da cota dos 500m o terreno aparenta suavizar, nivela até certo pto e desvia pra esquerda. Uma breve parada pro descanso, recuperada de fôlego e alguns goles d’água pra compensar td aquele esforço. O dia está nublado, porém quente e abafado, nos fazendo perder água sob a forma de mto suor rapidamente. A pernada prossegue serra acima e não tarda pra ganharmos outra estreita crista ascendente, agora nos 570m, onde o mato cai de ambos lados vertiginosamente. As vezes encontramos vestígios do q outrora foi uma picada, mas essa esperança logo se dilui mais adiante. No entanto, o sentido é intuitivo e óbvio. Ou seja, pra cima, desviando do mato tombado no caminho, sejam eles cipós, arbustos ou troncos. O som do Rio das Pedras a mto ficou pra trás, mas as frestas na mata, mais comuns e amplas, revelam vistas generosas de td Baixada Santista.

Mas finalmente por volta das 12:50hrs desembocávamos no km 44 do asfalto da SP-148, um pouco depois do Pouso de Paranapiacaba, uma casona de pedra q é o primeiro monumento do trajeto, já na cota dos 650m. Mais conhecida como Estrada Velha de Santos e dentro do Parque Caminhos do Mar, a SP-148 interligava o planalto ao litoral e foi a primeira rodovia asfaltada do país. Hj está fechada ao transito de veículos e pra ser visitada precisa de agendamento prévio com a Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE) ou a Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo, administradora do Polo Ecoturístico Caminhos do Mar. Logo, sem essa permissão estávamos clandestinamente ali.

Apesar de td, respiramos então aliviados ter de sair da mata e dar início a pernada final, pois tinhamos ainda mto chão pela frente. Foi aí q caiu a ficha do mau planejamento do rolê, pois o circuito só se dava em virtude unicamente da necessidade de pegar o carro de volta. Do contrário bastava simplesmente subir o restante, sair pela portaria e tomar condução pra Sampa. "Dane-se!", pensamos, ao mesmo tempo q tínhamos uma bela vista de td Baixada Santista bem a nossa frente, assim como duma minúscula e colérica jararaca, q se pirulitava pra mata após termos interrompido abruptamente seu banho de sol.

E assim começamos a descer rapidamente pela estrada de modo a vencer os quase 8km q nos separavam da Anchieta. Foi ai q apareceu um segurança motorizado, a quem explicamos educadamente nossa situação de "apenas querer sair dali" pela portaria ao pé da serra. O cara, compreensivo, acenou com a cabeça e permitiu q prosseguíssemos serra baixo, mas adiantando q provavelmente nalgum trecho seriamos escoltados gentilmente pra fora.

Prosseguimos nossa caminhada de descida ao mesmo tempo em q uma fina garoa ameaçou despencar sobre a gente, mas q logo a seguir se dispersou como se nada tivesse ocorrido. Bicas com água cristalina abundam por td trajeto, ou seja, aqui ninguém passa sede. Passamos então pela base da Casa de Válvulas da Usina Henry Borden, pela sequência de enormes aquedutos (e pelo funicular incluso) q transportam água pra refrigerar a usina Presidente Bernardes, logo abaixo.

Serpenteando sinuosamente as curvas da via, no km 45 tropeçamos com o Belvedere Circular, uma espécie de mirante-parada dos antigos tropeiros e viajantes. Ali não pensamos duas vezes em tomar atalho e abreviar nossa jornada pela Calçada do Lorena, primeira via pavimentada (com pedras de granito) do Estado de SP q cruza a rodovia em três trechos. Mesmo escorregadia feito sabão, nossa descida progrediu bastante e num piscar de olhos nos vimos pisando a frente do Rancho da Maioridade, ja no km 47,  outro local de pouso dos antigos andarilhos e comerciantes.

Nosso avanço progrediu mais um pouco e foi ai q apareceu a tal escolta "pra fora", um veículo q descia onde nos esprememos com mais três corpulentos em sua hora de troca de guarda. Dali em diante rodamos os quase 2km sinuosos restantes, onde fomos gentilmente convidados a sair na portaria ao pé da serra. “Bem, melhor ser conduzido pra fora do q prestar esclarecimento na delegacia por invasão de propriedade…”, pensei comigo mesmo. Cruzamos então as fumegantes e mal cheirosas instalações da Petrobrás e estacionamos nos degraus do Cruzeiro Quinhentista, monumento q marca a chegada dos portugueses no litoral vicentino.

Cansados e famintos, foi ali mesmo q mandamos ver nosso lanche antes de andar o q restava até o carro. Na sequência tomamos a via paralela a Rod. Cônego Domênico Rangoni (SP-055), bordejamos o gasoduto da Merluza, cruzamos a ponte sobre o Rio Cubatão e ignoramos a entrada da Vila Fabril, onde um boteco tentador nos chamava cheio de malacos nos encarando. Mas caminhamos apenas mais uns bons kms, agora pela Anchieta, e pronto, estávamos de volta ao veículo ao mesmo tempo em q dávamos uma última olhada a muralha verdejante da Serra de Cubatão, q agora apresentava sua cumieira encoberta por espessa nebulosidade. Eram apenas 15:30hr da tarde qdo tomamos o asfalto de modo a não pegar p habitual congestionamento de final de tarde, e cerca de hora e meia depois bebemorávamos abreve travessurinha num boteco duvidoso em Heliópolis.É isso.

Resumindo, é possível realizar esta subida de serra pelos dois contrafortes do vertiginoso Vale do Rio das Pedras: pela esquerda através duma antiga picada de manutenção; e pela direita, na ralação da mais pura escalaminhada e vara-mato, q foi o q fizemos. Em ambos casos irá desembocar na “Estrada Caminhos do Mar” ou, se desviar demais pra esquerda, na “Estrada do Mirante”. Dali tem condução pro centro do ABC. A gente apenas transformou uma travessia em circuito pela necessidade em buscar o veículo no pé da serra. Mas basta tomar qq busão no Jabaquara e descer na cota 53 pra evitar esse transtorno. Travessia natureba ou circuito histórico-natureba? Bem, ai fica a seu critério. No entanto, em ambos casos a diversão e o perrengue pela Serra do Mar paulistana serão sumariamente garantidos.
 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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