Travessia Lapinha-Cipó: Nova Rota Através do Espinhaço

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Inserido no município de Santana do Riacho, o vilarejo da Lapinha descobriu sua vocação trilheira com o “boom“ de sua travessia mais ilustre, q o interliga ao Tabuleiro. Entretanto, são inúmeros os caminhos q circundam o pacato arraial, situado a 140km de BH. Se indo pra leste temos a notória pernada rumo ao Tabuleiro, pro norte temos duas travessias menos conhecidas q desembocam nos arraiais de Fechados e Congonhas do Norte. E pro sul? Pois bem, aí temos a Lapinha-Cipó, pernada árdua de 4 dias q totaliza em torno de 60km atravessando o miolo da imponente Serra do Bréu, morros e descampados da Bacia do Rio Parauninha e da Serra Morena, adentra no PN Cipó e finda em Cardeal Mota, via “Caminho dos Escravos“. No trajeto desta nova e interessante rota no Espinhaço, inúmeras cachoeiras de água límpida em meio à beleza de campos rupestres de perder a vista.


Chegando na Lapinha

Feriado prolongado de 4 dias é sempre bem-vindo pois dá motivo pra ir pernar mais longe q o habitual. Decidido em cima da hora de ir pro Espinhaço (MG) e não pro Marumbi (PR) por conta do mau-tempo, nossa opção já previamente engatilhada era a Lapinha-Cipó, pernada q o Antonio já comentara comigo em Carrancas e aguçara bastante minha curiosidade. Trocando infos fomos amadurecendo a idéia, e finalmente juntamos uma turma pequena, unida, ágil e coesa pra empreitada. Até pq minha experiência já constatou q grupos com mais de 8 pessoas são dor-de-cabeça na certa. Era o caso deste Corpus Christi.

Sendo assim deixamos Sampa em meio à madrugada de quarta pra quinta eu, Zé Carlos, Gibson e Danilo, rasgando a Fernão Dias rumo “Beozonte”. Passada a capital mineira, logo depois chegamos numa padoca em Lagoa Santa onde encontramos nossos colegas mineiros, Paulo e Antonio. Após saborear um delicioso café-da-manhã regado a legitimo pão-de-queijo, zarpamos pelo asfalto sentido Serra do Cipó (ou Cardeal Mota, para os mais velhos), aonde chegamos por volta das 12:20, sendo recebidos por um tempo estupendo, com direito a muito sol e céu azul. Pra facilitar a logística do resgate dos veículos no final, deixamos o carro do Zé no estacionamento do Camping Véu da Noiva (aquele da ACM). Daí nos dividimos nos veículos do Paulo e Antonio, e prosseguimos viagem rumo à Lapinha, agora através de precária, trepidante e sinuosa estrada de terra.

Chegamos no pacato arraial por volta das 13:45, onde largamos os veículos encostados num canto qq. A Lapinha continua sendo o vilarejo q conheci mtos anos atrás, esparramando-se ao sopé da imponente Serra do Bréu, q por sua vez se eleva tal qual um vigia observando a vida correndo mansamente lá embaixo. Hj esta bem movimentado,com alguns turistas ocasionais dividindo espaço nos botecos e pequenos bares (onde servem refeições fabulosas!) com o povo local, gente simpática de se prosear.
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O Dia no Alto da Serra do Bréu

Ajeita aqui, belisca alguma coisa ali e pronto. Jogando ao ombro as mochilas a exatas 14hrs, tomamos a estreita rua de terra saindo da igrejinha central através de meia dúzia de casas, e saímos para campo aberto indo em direção à serra, mais precisamente ao Pico do Falso-Bréu, cujo cume ainda se esconde numa bruma incerta. Logo de cara atravessamos uma ponte sobre o largo e manso Córrego da Lapinha, q por sua vez abastece a enorme Lagoa do mesmo nome, logo ao lado. Daqui em diante não tem erro, pois os carreiros são visíveis de longe nos paredões da serra: há os da extrema direita q contornam a cadeia de montanhas pela base, e os da esquerda, q apenas sobem a dita cuja aos poucos, q é o rumo q tomamos.

Assim, ganhamos um primeiro degrau serrano após íngreme piramba vencida em árduos ziguezagues através de um carreiro pedregoso, acompanhando um cano de captação. No caminho, um belo córrego à nossa esquerda despeja suas águas acobreadas num plácido laguinho, q deve ferver de gente no verão. Neste primeiro nível serrano tomamos rumo nordeste no plano, agora em meio à vasta campina q é varrida pelo vento forte e nos obriga a vestir anorakes.

A trilha é obvia e bem batida, deixando o Pico do Falso-Bréu (1.641m) pra trás e segue em direção ao Pico do Cruzeiro (1.686m), tb conhecido como Pico da Lapinha, q seguramente vamos contornar pela sua encosta esquerda por longa volta ate alcançar o alto platô. Ao invés disso, pra ganhar tempo deixamos a trilha e tentamos audaciosamente enfrentar a encosta esquerda do Pico do Cruzeiro, num trecho menos inclinado. Atravessamos o descampado, um curto trecho de brejo e pequenos arbustos ate começar a galgar efetivamente a dita encosta íngreme, onde felizmente encontramos um discreto trilho. E tome piramba costurando serra acima! A subida é forte e nos distanciou uns dos outros (q o diga o Zé e sua mega-mochila!), mas nela ganhamos altitude num piscar de olhos, pois&nbsp, olhávamos por sobre o ombro e tínhamos um belo vislumbre do vilarejo da Lapinha às margens da lagoa homônima, q por sua vez despeja suas águas no enorme espelho d água do reservatório Cel. Américo Teixeira.

Ao alcançar um largo colo de serra, já nos descampados q sinalizam o alto do platô, encostamos o esqueleto pra descansar numa confortável rocha, bem na base do Pico do Cruzeiro, cujo cume devia estar a apenas uns 150m de onde estávamos. Após beliscar algo e recuperar fôlego, prosseguimos nossa jornada&nbsp, – sempre capitaneados pelo Antonio&nbsp, – agora no alto da serra, dominado principalmente por abaulados descampados de capim. No caminho encontramos um trio fazendo a tradicional pernada rumo Tabuleiro, com quem trocamos algumas palavras e depois não vimos mais.

Pois bem, inicialmente indo pro norte, logo desviamos naturalmente sentido sudeste, evitando um fundo vale ao sul. Mas logo interceptamos a picada oficial, q vinha em diagonal de algum lugar entre o Pico do Cruzeiro e o Pico do Calçado (1.681m). À noroeste tb podemos ver picos menores se debruçando serra abaixo e com nomes pitorescos como Brumado, Ermoacu, Seu Mundinho e Seu Eli. Mas como nosso rumo é sudeste, nossa paisagem recorrente é dominada por campos rupestres entremeados de vasto capinzal, q agora reluz dourado ao sol do fim de tarde. À nossa frente, nosso objetivo e local de pernoite é o largo colo entre o Falso Bréu e o Pico do Bréu (1.687m), cujo cume se encontra totalmente encoberto naquele momento. Felizmente, água aqui é o q não falta, pois sempre tropeçávamos com algum corregozinho brotando da rocha pronto pra abastecer nossos cantis.

Apesar de distanciados uns dos outros, o sentido a seguir não tem erro, pois a trilha é bem batida. Por volta das 17hrs alcançamos o vasto selado ao lado dos suaves paredões lajeados do Pico do Bréu, no exato momento em q baixou um nevoeiro infernal q impediu qq possibilidade de ataque ao cume do Bréu, q deixamos pra manhã sgte. Mesmo assim, isso não impediu o Danilo de dar um tchibum numa água empoçada nos lajedos próximos. Após armar acampamento na cota dos 1.430m, nos recolhemos&nbsp, às barracas, onde não demorou pra fogareiros ronronaram isoladamente propiciando janta farta e deliciosa, com direito ate a pipoca regada a vinho por parte do Zé! Amolecidos não muito pela boa caminhada e sim pela cansativa viagem de carro, mal terminamos de comer buscamos nossos sacos, pois a temperatura despencou rapidamente e dormimos a noite inteira um sono repousante.

De madrugada acordei de sobressalto com a súbita trepidação da barraca se chocando com um forte vento, q por sua vez trazia rajadas de fina garoa tamborilando o sobre teto intermitentemente. Ouço um “Putaqueopariu!” abafado pelo vento numa das barracas, sinal q a umidade incomodava o sono de um dos meus colegas. Tentei buscar infiltrações tb na minha tenda e constatei as laterais umedecidas, nada tão grave assim. Bastava só me acomodar no centro. E tornei a dormir novamente.
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O Dia dos Descampados nas Nascentes do Parauninha

A sexta rompe fria e incerta, aparentemente trazendo mal tempo. Espio pra fora e vejo td ainda encoberto por espesso nevoeiro, q alem de varrer o platô com forte vento ainda por cima traz uma fina garoa q dilui por completo nossa esperança de apreciar do topo do Bréu uma bela alvorada. O termômetro do Zé marca 10 graus, mas a sensação térmica é menor por conta do vento. Ainda assim, nos permitimos tomar desjejum prolongado nas barracas até umas 8hrs, crentes de q o tempo abriria depois. Ledo engano, o tempo manteve-se irredutível nos concedendo apenas a gentileza de não garoar mais. O cume do Bréu fora abortado, mas a trip não, razão pela qual nos apressamos em levantar acampamento, mesmo com as mãos entorpecidas pelo frio.

Zarpamos as 9hrs tomando a direção sudeste abraçados pelo denso nevoeiro, mas conforme descíamos suavemente a serra as brumas iam ficando pra trás, mais precisamente no cume do Bréu. Ora indo por rabichos de trilha ora apenas norteados pelo bom senso em meio ao capinzal, fomos perdendo lentamente altitude até nos espremer por campos rupestres e suas típicas escarpas do Espinhaço, sempre emergindo do leste num ângulo de 40 graus, tal qual mísseis rochosos prontos pra decolar pralgum canto qq. Assim, cruzando brejos, pequenos córregos de água acobreada e desviando de pequenos morrotes, acabamos caindo numa funda e enorme garganta q nos separava da planície, q apenas o Antonio decidiu encarar corajosamente. Eu e o resto decidimos nos valer de bom senso e desviar dela, descendo pela encosta rochosa do ultimo gde morro à nossa direita, q embora tb íngreme bastou apenas descer escalaminhando com cautela seus sucessivos patamares rupestres, tal qual um bolo folhado.

Uma vez no plano, reencontramos o Antonio e prosseguimos agora a pernada desimpedidamente através do capinzal q forrava o vasta e gigantesca planície q se seguiu. O trecho inicial interceptou a famosa picada vindo de Tabuleiro, na junção com o pequeno Morro do Cruzeirinho, mas qdo esta desviou pra leste a deixamos em favor das campinas à sudeste,onde sempre-vivas dançavam ao vento. E lá fomos nós, andando indefinidamente pelo pasto ralo deixando a Serra do Bréu pra trás.

As 12:30 e com o sol ameaçando dar às caras em meio a um céu parcialmente nublado, tropeçamos numa (precária) estrada de terra q ia no sentido desejado q bastou apenas acompanhar, mas q abandonamos assim q esta desviou pra leste. Sempre buscando nos manter por onduladas cristas de pasto ralo, passamos por algumas cercas ate reencontrar a mesma estrada anterior, mas q abandonamos outra vez um tempo depois.

Após uma breve parada de lanche as 13hrs, bordejamos um pequeno trecho de mata ciliar pela direita em meio aos descampados, pra novamente rasgar a campina desimpedidamente, tendo à direita (oeste) largas vistas dos campos rupestres ao longe q nos separavam do largo vale do Rio Mata-Capim, e à esquerda (leste) alguns morrotes impediam vislumbrar a represa Vau da Lagoa, onde o Parauninha despeja suas águas. Aqui cruzamos com um motoqueiro q era apenas um “guardinha” e nos disse ser proibido transitar ali por ser propriedade da Cedro Textil. Após convencê-lo q éramos meros trekkeiros e não “sem-terra” dispostos a tomar posse de qq coisa q seja, conseguimos algumas infos da parte dele q pelo visto nos queria bem longe dali.

Prosseguimos então ate cruzar uma porteira e dar, literalmente, na beirada da serra onde qq caminho q tomássemos iria convergir nos vales à sudeste. Dando as costas à Serra do Bréu, q ainda continuava encoberta, começamos a descer a suave encosta serrana e serpenteando afloramentos rochosos, onde tb cruzamos com um córrego q reabasteceu nossos cantis já com sede faz tempo, lá pelas 15:45. Conforme perdíamos altitude por sucessivos campos rupestres, íamos divisando já nosso próximo destino logo adiante, assim como uma estrada com postes rasgando o vale q seguramente vinha de alguma usina próxima.

Enfim, qdo chegamos bem perto da estrada, já no fundo do vale, mas como a tarde logo morreria resolvemos jogar as mochilas no chão em definitivo um pouco antes dela, as 16:30, numa clareira protegida pela vegetação alta às margens de um córrego – provavelmente o Córrego do Sapé -&nbsp, q por sua vez formava um piscinão numa rústica represinha de pedras q servia aos nossos propósitos de pernoite. Montamos acampamento na cota dos 1140m ao mesmo tempo em q os mosquitos endoideceram, fazendo com q quase tds fossem dar um tchibum na represa no melhor estilo “Brobeck Mountain”, banho q dispensei, pois a temperatura caia rapidamente.

Dito e feito, assim que o sol se debruçou atrás da morraria a temperatura caiu consideravelmente nos obrigando a trajar vestes apropriadas. Na seqüência fizemos uma rodinha onde preparamos nossa janta, enqto o Danilo contava suas inúmeras e divertidas estórias, com destaque pra do seu “Vô Rafael”, da “Dna Concheta”, alem de causos de sua “infância traumática”, permeada de linchamentos e bullying.

Mas logo o longo dia de caminhada cobrava seu tributo e não demorou a tds se recolherem a seus respectivos sacos-de-dormir, mas não sem antes apreciar a bela noite q se seguiria antes de entrar na barraca. A noite nas montanhas é sempre uma experiência deslumbrante, principalmente qdo o céu está isento de nuvens. Era o caso. Nenhuma cidade ou vilarejo próximo mancha o horizonte com qq poluição luminosa. E sem brumas, o cinturão prata de incontáveis estrelas rasga o horizonte de ponta a ponta, logo acima das arvores ou da silhueta recortada das montanhas vizinhas.
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Continua…..

Texto e fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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