Travessia Sul da Serra do Cadeado

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Araucárias rodeadas de imponentes montanhas, planícies de pasto ralo e belas cachoeiras são o cenário recorrente da Serra do Cadeado, respeitável elevação do Planalto de Guarapuava q nada mais é que um trecho erodido e desgarrado da famosa Serra Geral no norte paranaense. A apenas 90km de Londrina e 25km da localidade de Mauá da Serra, os paredões verticais q compõem esta cadeia montanhosa são bastante conhecidos por suas vias de escalada, mas tb guardam diversas possibilidades de caminhadas pra ninguém botar defeito. E num simplório fds palmilhamos uma generosa porção sul da serra descortinando as belezas naturais q compõem seus tradicionais ptos turísticos. Uma travessia semi-selvagem de nível moderado neste rincão do sul q mal ainda deu pra arranhar.


Meio de transporte comum no nordeste, a moto-taxi tb é bastante utilizado no sul, mais precisamente em Londrina. E foi ela mesmo q eu a Laure tivemos q nos valer pra chegar na rodoviária da cidade antes das 5hrs da manhã, horário onde não se vê viva alma nas ruas. A ultima vez q andara numa foi lá nos cafundós da Paraíba, anos atrás, mas a sensação é a mesma, o vento frio soprando no rosto enqto me equilibro na motoca pro peso da pesada cargueira não me lançar no asfalto! Só assim pra encontrar o Marcio Carvalho e a Claudia “Cacau” Melatti q tb integrariam esta pernadinha de fds, pra em seguida tomar o único busão da Viação Garcia q nos levaria até nosso destino, q por sua vez partia as 5:30 pontualmente. Viagem esta feita totalmente no mundo dos sonhos em virtude da noite mal dormida.

Despertamos preguiçosamente já com o sol, emoldurado pela janela, emergindo suavemente sobre a horizontalidade das planícies e campos de perder a vista, cenário q compõe a paisagem recorrente desta região. Após uma breve parada em Mauá da Serra, as 7hrs, onde o latão despejou alguns passageiros e amealhou outros mais, pra em seguida seguir ao seu destino final, a localidade de Ortigueira. Foi ai q o Marcio já começou a prestar atenção ao trajeto pra avisar o motorista onde deveríamos saltar no asfalto, já a meio-caminho da supracitada localidade. Durante o trajeto, a planícies logo deram lugar a gdes formações elevando-se majestosamente de ambos lados, se a janela da esquerda descortinava a formação em forma de Baú da imponente Pedra Branca, a da direita nos embasbacava com os paredões escarlates do Peráu Vermelho despencando vertiginosamente sobre as florestas verdejantes q compõem o miolo da Serra do Cadeado, q por sua vez se esparrama no sentido sudeste, como q acompanhando o asfalto da PR-376. Lembrando q estamos na cota dos mil metros de altitude.

Saltamos no ultimo pto do Rio Preto, na entrada q dá acesso à Fazenda Três Pousos, onde bastou tomar a estrada de chão serra adentro. Após uma casa ali e outra aqui, logo nos vemos envoltos do frescor da mata de ambos lados mas não tarda a uma linha férrea atravessar nosso caminho, onde um enorme trem da ALL estremece os arredores durante a passagem de suas pesadas e intermináveis composições. Deixamos então a estrada pra seguir pela ferrovia, sentido noroeste, ou seja, pra direita. Antes, contudo, uma rápida visita à um enorme pontilhão à esquerda, com algo de 500m de extensão e q nos apresenta os fundos e verdejantes vales do Cadeado, a 100m abaixo, alem do horizonte forrado de colinas e um mar de morros sem fim.

Retomamos nosso caminho pelo trilho de trem sentido noroeste no mesmo compasso, numa reta q parece interminável e onde as distancias tendem a enganar. Ao norte e bem próximos, apreciávamos perfeitamente o Mirante e Mirantinho, erguendo-se 300m acima nosso neste q é comecinho (ou fim?) da Serra do Cadeado, e q eram nossas metas ate o inicio da tarde. Cruzamos os 200m de um breve túnel pra dar de cara com mais uma enorme e alta ponte, onde paramos pra avaliar a situação, levando em conta q deveríamos prosseguir pra após a ponte ganhar uma encosta menos íngreme q dava acesso a uma crista ascendente ate o alto da serra. Pois bem, como pela ferrovia o transito de trens era constante e caminhar por uma ponte de quase 200m era demorado e, portanto, arriscado, resolvemos descer o fundo vale ate ganhar o outro lado da mesma.

Após um breve descanso iniciamos a travessia do vale, perdendo rapidamente altitude pelo capim através de vários trilhos de vacas em meio ao alto capinzal. Caímos então num primeiro patamar onde se encontravam as fundações das pilastras da ponte e após uma piramba íngreme atingimos o fundo propriamente dito do vale, onde um mirrado córrego serpenteava o leito pedregoso do q deve ser noutras estações um caudaloso rio e apresentava sinais de lixo lançados pelos trens.

Começamos então a acompanhar a ponte pelo fundo do vale, inicialmente seguindo pelo córrego mas q logo deixamos pra avançar encosta acima, desviando das pirambas verticais e de voçorocas de mato mais espessas. O apito do trem na seqüência corroborou sabiamente nossa decisão de evitar ter ido por cima do pontilhão. Mas logo a subida tornou-se uma verdadeira escalaminhada, onde raízes e troncos mais firmes ao redor serviam de apoio na tentativa de ganhar altitude.

Com suor salgado escorrendo pelo rosto e mto mato acumulado por tds as reentrâncias corporais imagináveis, emergimos da vegetação um tempo depois, já no outro extremo da ponte. Andando mais um pouco pelos trilhos um novo túnel se interpõe na nossa frente, emparedados por imponentes rochosos cobertos de mata de ambos os lados. Aqui eu e o Marcio buscamos alguma saída de modo a ganhar a encosta acima do túnel, o q nos custou muitos ralados de afiados capim navalha pelas pernas. Mas felizmente nossa danação não foi em vão, pois encontramos um acesso através da mata q contornava as íngremes encostas pela esquerda. Enqto isso as meninas acenavam sorridentes a mais um trem q passava, desta vez num intervalo de tempo menor q supúnhamos.

Assim fomos varando a vegetação ate cair no q pareceu ser um curral abandonado- onde havia restos de uma ave devorada -ate desembocar num largo trilho, agora no aberto.Com sol a pino martelando a cachola, bordejamos a montanha desimpedidamente ate cair na base da crista q dava acesso ao Mirantinho, ou seja, no q seria sua base, as 10:30. Antes de iniciar a árdua subida através do capinzal dourado, uma olhadela às montanhas e vales à norte permite identificar a continuidade da linha férrea, agora do outro lado do morro, como tb vestígios de outros “túneis abandonados”, segundo o Marcio.

Mas era a hora de parar de enrolar o inevitável, subir. Não q a subida da montanha fosse demasiado íngreme, mas o calor sufocante daquele horário tornava a caminhada bem vagarosa. Mas mesmo a paso-de-lesma-com-preguiça ganhamos altitude através da campina ate topar com voçorocas de samambaias ressequidas, q rasgamos no peito vigorosamente pelo q parecia ser uma picada até finalmente dar na base dos rochedos q compõe o Mirantinho, q de onde estávamos lembrava uma versão reduzida do Morro do Pai Inácio, da Chapada Diamantina.

Contornando a base dos paredões finalmente atingimos os pastos do primeiro platô serrano, e dali ao topo do Mirantinho foi um piscar de olhos. Ali, as 11hrs, no alto de uma pedra coroada de vistosas bromélias tínhamos uma bela vista do quadrante oeste com seus mares de morros intermináveis limitando o céu azul no horizonte, assim como td o trajeto percorrido ate então visto de um ângulo privilegiado. Nos esprememos feito sardinhas na precária sombra existente entre duas pedras e lá permanecemos um tempinho, retomando fôlego pra dar continuidade à pernada.

A caminhada prosseguiu logo depois através dos pastos, rumo noroeste, indo de encontro à beirada de um verdejante vale de onde ouvia-se perfeitamente o som borbulhante de água, q seria muito bem-vinda dado o forte calor daquele horário. Mas era pra Cachu do Morcego q realmente estávamos indo, e dessa forma nos embrenhamos num matagal de samambaias ate a beirada íngreme do paredão serrano, q foi desescalaminhado com ajuda tanto da vegetação ao redor como de uma corda disposta nos trechos verticais.

E após uma breve trilha em meio a mata nos levou à base da tal Cachu do Morcego, onde um convidativo pocinho abasteceu os cantis menos favorecidos. Novamente as semelhanças com a Chapada Diamantina vem a tona, pois a tal Cachu do Morcego lembrava a Cachu da Fumaça em virtude da pouca água q dela despencava devido à estiagem dos últimos meses na região. A queda d água de quase 40m então se limitava apenas a um belo chuveiro q alguns não se fizeram de rogados pra refrescar a cachola. O agradável frescor daquele vale contrastava enormemente com o calor sufocante dos campos abertos, e por essa mesma razão q nos presenteamos com um demorado pit-stop pra descansar, comer alguma coisa ou simplesmente curtir um relax naquele aprazível e bucólico recanto. Explorando um pouco os arredores, fui bordejando a mata da encosta esquerda da cachu ate dar numa gde gruta – ideal pra pernoite – e indo alem descobri as ossadas do q pareceu ser um porco-do-mato. “Esse ai foi devorado por uma jaguatirica, bastante comuns por aqui”, afirmou Marcio, com o conhecimento de quem já andou muitas vezes pela região.

Continua…
Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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