Você não odeia quando…

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Sábado tranqüilo no Rio de Janeiro, nada melhor que uma escapadinha para uma escalada de fim de tarde no Corte do Cantagalo (Copacabana) antes de pegar um plantão de 24h.


Tirando os tiroteios e os usuários de droga que se amontoam nas ruas da zona sul da cidade, o Rio de Janeiro continua lindo. Mas você não odeia quando mesmo depois de uma tarde perfeita ao chegar em casa alguém te pergunta: “Fez rapel aonde?”

Tudo bem, nada contra os praticantes de outras “modalidades” esportivas, mas tenha santa paciência, ninguém merece ter de dar explicações a uma pergunta idiota desta. Mesmo quando é seu melhor amigo, parente ou porteiro do seu prédio, tem hora que dá para perder a paciência e jogar a toalha.

Você não odeia quando está em uma roda de amigos incomuns que não partilham com você o amor pelo esporte de montanha e recebe uma bateria de perguntas do tipo: “Como é que você prende a corda no topo da montanha para ir subindo por ela, tem um ganchinho que prende quando você joga a corda lá em cima?” Pior que esta: “Escalar é mole, com aquele monte de ferro nos pés que gruda na rocha qualquer um consegue, bom mesmo é aquele pessoal que vai só com a corda mesmo.” Essa dá vontade de matar o caboclo!

Você não odeia quando sua mãe te apresenta para as amigas e diz que você viaja o mundo “trepando” nas pedras pelo meio do mato?

Tenho certeza que a grande maioria dos escaladores já passou por calças justas com leigos no esporte e teve de rebolar para sair sem mandar alguém pro inferno. Mas de quem é a culpa por toda essa desinformação? Será que somos mesmo um país só do futebol?

Ronaldices a parte, já está mais que na hora da mídia nacional ser um pouquinho mais detalhada quando for dar noticias e explicações sobre o esporte de montanha. Ninguém fala que o praticante de pára-quedismo saltou de um “submarino” a mais de 120 km por hora a uma altura de 1000mt de profundidade. Por que então não explicar melhor quando o assunto é o montanhismo? “Montanhista morre na descida da montanha por falta de oxigênio e o corpo do atleta não pode ser retirado da montanha devido ao mau tempo”.  Quem dá uma noticia desta em TV aberta ou fechada não tem mãe. Como explicar para um cara que mal sabe pronunciar o nome do próprio time de futebol (Framengo ou Curintcha!) que nas altas montanhas o ar é rarefeito? E que raio é isso de largar o corpo do pobre homem lá em cima? A TV e a internet mostram vídeos de muito mau gosto em que um bando de gente passa pelo corpo do acidentado e ninguém é capaz de arrastar o coitado para baixo (Tivemos um caso assim este ano!). Fica difícil de explicar, não?

Minha santa mãezinha hoje já entende melhor o que faço e até tenta se explicar com as amigas quando perguntam por meu paradeiro, isso porque ela já viu alguns filmes de escalada e leu alguns livros, eu nem precisei me explicar muito nestes últimos anos.  

Outra situação que também me deixa um pouco desconfortável é a garotada nova querendo dar uma de super-homem, inventando historias que fazem quem estar por perto achar que escalar é coisa de outro planeta, e às vezes o camarada nem escala, essa é a galerinha do “Arrota Grampo”.

Certa vez fui ao encontro do amigo Rodrigo Tato em um Pub aqui em Ipanema, ele estava comemorando com o pessoal de sua antiga classe de escola o aniversário de uma das amigas. Depois de algumas cervejas, Tato começou a contar suas histórias de escalada nos tempos que ainda entrava em vias comigo (Fiquei calado). No meio da conversa uma das meninas que lá estava disse em voz alta para todos escutarem:
– Eu também escalo, acabei de fazer o curso básico, estou indo bastante para Urca. E você, escala o que? Qual o seu grau?

Fiquei sem jeito, como assim escalo o que? Eu sei lá que tipo de pergunta é essa. Tentei não ser grosseiro, mas não deu para deixar passar:

 – Bom quando eu estou em um bom dia eu até escalo formações rochosas de pequeno, médio e grande porte, porém já escalei o telhado lá de casa para ajudar meu pai a colocar a caixa d água nova do canil, já escalei muito muro de vizinho para roubar goiaba e outras coisas que não me lembro agora. Subir em árvore conta?
 
– Quanto ao meu grau, eu tenho miopia e astigmatismo, mas nunca me incomodou muito, só mesmo quando passo muito tempo jogando vídeo game.

Tato não acreditou no que estava escutando, e ainda completou dizendo que também tinha astigmatismo e desvio de septo. Paciência tem limite.
Divulgar o esporte de montanha de forma correta, mostrar às pessoas que não é preciso usar cueca por cima das calças e colã azul para escalar uma montanha e aproximar jovens e crianças da realidade do montanhismo através de eventos educativos podem, com o tempo, diminuir as inverdades que cercam a história da escalada no Brasil. Só assim vamos atrair mais adeptos conscientes para nossas montanhas e ginásios.

Vai explicar para essa gente que passar frio, dormir mal, destruir os dedos e ainda fotografar e escrever sobre o assunto é a melhor coisa do mundo… Difícil fazer essa gente enxergar que não tem nada de novo nisso.

Antes de mandar alguém para o inferno, dizer coisas feias sobre a pobre mãe do seu amigo ou insinuar que ele usa ferraduras, pense bem, você pode perder o amigo por conta do seu amor à escalada. Agora, se esse alguém for apenas um “mala” que te parou no meio do caminho de volta em uma trilha só para te fazer perguntas cretinas aí vai uma dica: “- Eu não estava fazendo rapel, sou mergulhador e acabei de saltar de um avião, caí aqui sem querer, o pára-quedas deve estar perdido por aí, em algum lugar.”

Paciência tem limite!

Força sempre e boas escaladas!
Atila Barros
 

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Sobre o autor

Atila Barros nasceu no Rio de Janeiro, e vive em Minas Gerais, cidade que adotou como sua casa. Escalador (Montanhista) há 12 anos, é apaixonado pelo esporte outdoor. Ele mantem o portal Rocha e Gelo (www.montanha.bio.br)

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