Expedição Pé Vermelho ao Topo das Américas

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Esta longa história começou em 2006 depois de estudar e pesquisar um pouco sobre o Cerro Aconcágua, colei uma foto da montanha na porta do meu guarda roupa e escrevi em baixo: dezembro de 2008. Foi um ano iluminado pelo nascimento de Rebeca, minha primeira filha e transferi a data da expedição para 26/12/2009. Fui sozinho, sem guia e sem mulas, só Deus e eu. Experiência incrível e o que mais valeu foi a decisão de voltar na hora certa, desisti no sexto dia de subida. Deixei para trás o sonho de pisar no topo de uma das maiores montanhas do mundo a 6400 metros de altitude durante o ataque ao cume.

Mas como brasileiro nunca desiste, depois do nascimento do meu segundo filho, Renan, em 2010 e o apoio da família e dos amigos, remarquei a data da viajem para tentar novamente o topo das Américas em baixa temporada no dia 14/11/2011.

Dia 14/11- Em companhia do meu amigo Ricardo Pirola iniciamos uma experiência que pode ser chamada de faculdade da vida: aeroporto de Londrina as 7:00 em vôo para São Paulo/Buenos Aires/Mendoza e desembarcamos próximo a 1:00 da manhã.

Dia 15/11- Secretaria de turismo de Mendoza para comprar a permissão de entrada no parque provincial do Aconcágua e a seguir alugamos os equipamentos que iríamos precisar na montanha como barraca, botas duplas, saco de dormir e outros. E pegamos o ônibus para Puente del Inca a 2700 de altitude, onde conhecemos um casal canadense que dali 10 dias estariam comigo tirando foto no cume do Aconcágua. Pernoitamos num abrigo militar a 70 reais por pessoa com janta e café da manhã.

Dia 16/11- O objetivo do dia era chegar ao acampamento de Confluência. Começamos com sorte e de cara ganhamos carona de um chileno até a entrada do parque. Fizemos o checkin obrigatório com os guardas parque e pé na trilha. Estávamos bem pesados pelo fato de não contratar mula para porteio de equipamento e seguimos vagarosamente por 4 horas sentindo o desconforto da pesada mochila. Montamos a barraca e nos alimentamos enquanto ingeríamos muita água. Depois caminhamos por 3 horas em direção a Plaza Francia para melhorar a aclimatação e retornamos a  Confluência para descansar e dormir.

Dia 17/11- Levantamos junto com o sol as 6:00hrs, comemos o desjejum tomando chá quente e sentimos o primeiro frio de congelar. Desmontamos a barraca organizando as mochilas e partimos para Plaza de Mulas acompanhando o casal canadense  Walace e Tania. Pernada forte e contemplativa onde consumimos muita água num lugar fantástico e muito bonito. Percorremos o inacabável deserto de Playa Ancha  e a temível subida de Costa Brava que antecede a base principal. Chegamos bem cansados em Plaza de Mulas depois de 11 horas de pernada, resistindo bem a altitude e seus males.

Dia 18/11 – Tiramos o dia para descanso e aclimatação em Plaza de Mulas.

Dia 19/11 – Iniciamos o porteio dos equipamentos para Plaza Canadá que atingimos depois de 4 horas e retornamos a Plaza de Mulas. Dia crucial para o psicológico. Tomei consciência de que pelos próximos 15 dias não teria contato com a família. Diferente das informações que nos deram, não teríamos internet, telefone, médico, helicóptero e nem guardas parque. Preocupado com o isolamento acabei desconcentrando e não me alimentei o suficiente. A pouca hidratação me fez passar mal e passei o dia deitado quando ficou clara a importância do meu companheiro que muito me incentivou. Quase obrigatoriamente me hidratando e alimentando até o início da recuperação. Neste importante dia de reflexão fiquei até as cinco e trinta da madrugada rezando e conversando com Deus, mas acordei bem disposto e tranqüilo em relação a família, reafirmando a missão de alcançar o cume e retornar para casa.

Dia 20/11- O objetivo do dia era só comer e beber bastante e Deus nos presenteou com uma linda nevasca. Dia maravilhoso e ficou tudo branco até onde a vista alcançava.
 
Dia 21/11- Adeus ao “conforto” de Plaza de Mulas e iniciamos a mudança para Plaza Canadá. É onde falam que separa-se os homens dos meninos e dali pra cima as dificuldades aumentam e bastante. Demoramos 4 horas enfrentando ventos que poderiam nos derrubar e cheguei bem, mas o Pirola sentiu a altitude e apresentou com fortes dores de cabeça. Depois de montar a barraca e colher gelo para fazer água, só nos restou comer, beber e descansar bastante.

Dia 22/11- O percurso de Plaza Canadá a Nido Condores apresentou alguma dificuldade devido a altitude de 5500 metros e levou 3 horas para depois das obrigações só descansar e hidratar.

Dia 23/11- Subimos até 6000 metros para aclimatar e saber se no dia seguinte poderíamos pernoitar no refúgio Elena. No retorno a Nido del Condores, o Pirola apresentou fortes dores de cabeça, náuseas e também alucinações no decorrer da noite.Dá-lhe água, chá e sopa quente até que acordou forte novamente, como um guerreiro. Neste dia passei um radio para os guardas parque, que já haviam retornado a Plaza de Mulas, para saber das previsões do tempo. Notícias nada boas, 3 dias de vento e muito frio com temperaturas de menos trinta e cinco graus centígrados, mas tínhamos certeza que o único a mandar por alí era Deus, e ele estava do nosso lado.

Dia 24/11- Saímos de Nido em direção ao refúgio Elena construído em memória da montanhista italiana que morreu juntamente com seu guia argentino na temporada passada depois de alcançar o cume. Caminhada pesada de 4 horas onde enfrentamos os fortes ventos e chegamos na expectativa do ataque final. Enfrentar, superar e vencer.

Dia 25/11- Era dia de ataque ao cume e acordamos as três horas da madrugada com tudo praticamente preparado. Dançando e cantando ao som de Sara e Tobias no i-pod fizemos chá quente e tomamos mocaccino pré-preparado por minha mãe enquanto nos vestíamos corretamente. Muita ansiedade e enorme expectativa quanto as próximas horas. Faremos cume? Voltaríamos em segurança? Perguntas que não saíam da mente demonstrando medo, respeito e coragem ao mesmo tempo.

Deus é maior que tudo, escuta isso e se concentra no que estou falando; é uma simples montanha perto de Deus! E é nosso dia, afirmei. Saímos do refugio as 5:00 horas e nos abraçando em círculo, rezamos, agradecemos e pedimos proteção para nós e nossas famílias que estavam a 10 dias sem notícias.

Saída noturna com as lanternas de cabeça iluminando os passos, todos menos eu que procuro a minha até hoje. Tudo seguia muito bem até as sete horas quando descobrimos que estávamos perdidos e passamos uma hora e meia tentando reencontrar o caminho. Teríamos que chegar ao cume até o meio dia ou no máximo as 13:00 horas devido as mudanças de tempo que sempre ocorrem neste horário e até pensamos em desistir, mas como já havia desistido uma vez e conhecia o peso desta decisão acabei soltando o verbo. Deixei muito claro que estávamos fortes e o dia perfeito, então precisávamos tentar mais e assim foi.

Rapidamente e desesperadamente, para ganhar tempo, reencontramos a trilha e seguimos em direção a Independência, mas meu grande amigo, companheiro e guerreiro Pirola foi homem o suficiente para dizer que ali seria seu teto, seu cume, seu limite após o limite. Muito cansado e com início de congelamento nos dedos do pé precisou voltar, descendo para o abrigo e tomar as primeiras providencias em relação ao seu dedo congelado. Chorei ao vê-lo partir, mas feliz dele ter honrado nosso principal compromisso: voltar melhor do que começou.

Eu, Walace e Tania seguimos em frente e logo chegamos ao ponto de onde tinha voltado pra trás em 2009, descansamos um pouco e minha água estava quase acabando. Calçamos os crampons sobre as botas e fui adiante para superar meu limite anterior, uma enorme parede de puro gelo, que enfrentei com gosto para saber o que viria a seguir.  Depois de sucessivas subidas com suave inclinação, então eis que chega a temível e inacabável Canaleta. Nos primeiros passos acabou-se minha água e no Aconcágua você não é ninguém sem água. A boa notícia é que estava sobre água, muita água congelada e foi uma decisão difícil, mas que tomei com rapidez. Ao mesmo tempo que o gelo que iria ingerir durante as próximas 5 horas de subida me permitiria sobreviver e chegar ao cume, também poderia me fazer muito mal!

Na reta final de subida o ar rarefeito é algo inexplicável e muito intenso, difícil e doloroso. As dúvidas tomam a mente de assalto. Atender aos pedidos do corpo suplicando para descer?  Desmaiar de cansado ou continuar na luta? Confesso que não foi uma vitória individual. A todo momento pensava na família, um a um, nos meus patrocinadores e pessoas que me davam apoio: Londrisoft, Picwich, Poker viagens, Fisioterapia Equilibrio, Piraju Natação e meus queridos alunos e amigos. A cada passo uma luta com respirações curtas e ofegantes, caía de joelho na neve para comer gelo tentando usar o mínimo de energia.

Mas tudo tem a sua gloria e seu momento também inexplicável, mas de perfeito em prazer e em realização. Bem próximo do cume alcançamos uma pedra e trocamos apenas olhares, pois estávamos sem força para falar, percebendo que ali poderíamos comemorar. Tínhamos conseguido superar tudo e a todos. Fomos invadidos por uma alegria, satisfação e a conseqüente explosão de felicidade. Uma descarga de energia e adrenalina, endorfina e demais hormônios bons, que renovei minhas forças chegando ao cume as 15:00hrs. Pulava, gritava e tirava a roupa de tanto calor, ficando de camiseta. Na camiseta que estava escrito o que eu já sabia desde sempre: DEUS É MAIOR QUE TUDO e uma homenagem ao meu querido e guerreiro pai: PAI ESSA É PARA VOCE!!!

A vista maravilhosa que só estando lá para crer, fotos e vídeos para eternizar a visão da curvatura do planeta num dia iluminado e perfeito. Muito debilitados e sem água iniciamos a descida as 15:30 horas e despenquei uns 20 metros na geleira por pura falta de atenção. O tombo poderia ter graves conseqüências, mas escapei apenas com escoriações leves e uma torção no tornozelo. Pouca coisa para quem vinha há 12 dias mal alimentado, dormindo pouco e enfrentando rajadas de vento num frio de 35 graus negativos. Chegamos ao refugio as 19:00 horas só querendo deitar, tomar muita água e ao mesmo tempo relatar tudo ao companheiro Pirola que comportou-se como guerreiro, verdadeiro lobo da montanha.

Dia 26/11- Descemos para desmontar o acampamento em Nido de Condores e seguir até Plaza de Mulas. Fizemos tudo muito rápido, doidos para enviar a noticia por internet, que nesta hora já tinha sido restabelecida em Plaza de Mulas. Com aquela sensação de missão cumprida pedimos uma pizza para comemorar e dormimos por ali mesmo numa tenda da Inka Expedições.

Dia 27/11- Saímos cedo e descemos bem rápido com a idéia de pegar o ônibus das 16:00 horas em Puente del Inca para Mendoza. Chegamos exaustos e com os pés recheados de bolhas. Após o check-out de saída do parque ainda posamos para fotos com alguns turistas que vinham perguntar da montanha e nos olhar de perto. Entramos no ônibus e 3 horas depois estávamos chegando em Mendoza, querendo banho e um bom jantar.

Algo fabuloso e esplendido, um doutorado da vida. Onde a vida esta em jogo! A chance de viver, de valorizar tudo e todos, cresce espontaneamente, fazendo com que você brilhe ao menos uma vez, como se fosse a maior pessoa das Américas. Agradecimento especial a Deus, a meu Pai, Roberta e toda minha família e amigos, Londrisoft, Picwich, Poker Viagens, Fisioterapia Equilibrio, Piraju Natação, Luciane Monseff e André, Rodrigo e Fabiana, Alvaro e Cassiana, Glaucia e Tihiro, João Graça e Esperanza, e alunos 2009.

Por vocês e com vocês, conseguimos. Muito obrigado!

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