A desafiadora Travessia Bairro Alto x Marco 22: 3º Dia

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A travessia Bairro Alto x Marco 22 vai de Antonina até a estrada da Graciosa no Paraná, passando por 10 cumes, trilhas fechadas (e até locais onde ela não existe) e é uma das mais difíceis e bonitas do Brasil. Acompanhe o dia a dia desta pernada perrengosa feita por Luciana e seus amigos.

 
Acordamos assim que começou a clarear o dia. Tínhamos pressa, pois nosso objetivo era acampar na placa 2 do Ciririca, onde deveríamos encontrar o Sérgio Sampaio de SC, que estava fazendo a Travessia Fazenda do Bolinha x Graciosa. 
 
Assim que terminamos, peguei as minhas botas para calça-las e aproveitei para dar mais uma verificada no acampamento ao lado. Caí na risada com o que vi: a iglu desmontou com o vento. Fiquei imaginando os quatro socados naquela barraca capenga. ::lol4:: 
 
Mochilas arrumadas, partimos para o União e depois o Ibitirati. Estávamos com pouca água, somente o suficiente para molhar a boca.
 
Pegamos a trilha perto da caixa do cume do PP para o União. Era uma descida um pouco íngreme e chatinha, ainda mais que de manhã fico completamente descoordenada para caminhar. 
 
A subida era bem tranquila, mas com mato bem fechado com arbusto com galhos finos que rasgavam a pele. Na real, nós já estávamos com a pele bem cortada devido especialmente às taquarinhas. Mas ali no Ibitirati foi um plus. Marcamos também o cume do Ibitirati (1850 metros), e tiramos fotos.
 
Logo já estávamos de volta ao PP para assinar novamente o Livro do cume e registrar nossa ida aos outros picos do Maciço do Ibiteruçu, bem como a nossa meta de chegar ao Ciririca até o fim do dia. 
 
Começamos a descer a trilha do PP para encontram o Fábio e o Marcelo. Eles estavam acampados no A2. Ali perto deveríamos pegar a entrada da trilha até o Pico Camelos. Os nossos amigos optaram por não nos seguir e combinamos que eles iriam seguir o resto do roteiro do dia, partindo para o Itapiroca e mais adiante nos encontraríamos novamente.
 
Para “variar” o trajeto do GPS que o Tiago recebeu estava errado e foi muito difícil de encontrar a entrada da trilha. Deduzindo o local, entramos mato a dentro para achar a trilha para o Camelos. Por diversas vezes fiquei enroscada no meio da vegetação, isso que estava com a mochila menor. Imagina se fosse a grande!
 
Novamente, depois de muito sobe e desce, encontramos a trilha bem batida que ia para o Camelos (1555 metros). Novamente, chegamos ao cume, tiramos fotos e registramos no GPS. 
Não deixo de registrar a nossa decepção com o Camelos: pouca vista, ainda mais que perdemos um bom tempo tentando achar a sua trilha, além de ter conseguido mais uns ferimentos com o mato fechado da "trilha errada". ::putz:: 
 
Para voltar à trilha do PP, pegamos a trilha batida certinha. Ela saía um pouco mais para cima de onde entramos, bem próxima à Casa de Pedra.
 
Pelo visto, a entrada dessa trilha “oficial” do Camelos serve também de banheiro pela quantidade de papel higiênico que havia por ali.
 
De fato, o PP estava tapado por pedaços de papel higiênico até mesmo no cume. Isso foi algo que me deixou bastante chateada: a falta de educação das pessoas com a montanha. ::prestessao:: 
 
Quando começamos a descer no sentido do Itapiroca, eu e o Tiago combinamos de não almoçar e fazer um rápido lanche para não perder tempo e conseguir cumprir nossa meta do dia. Como os guris foram na frente, provavelmente eles iriam almoçar antes de nos encontrar.
Seguimos descendo rapidamente o PP. No último lance de via ferrata, apoiei a mão direita em um dos grampos, abri o braço esquerdo e apoiei a mão em uma outra que estava ao lado e… Lembra do ombro machucado? Pois é, senti uma forte fisgada nele. Daquele tipo de dor que reflete para o resto do braço. Soltei espontaneamente um “ai”. Em seguida a dor passou, foi só um “choque”.
 
Pegamos água no início da trilha para o Itapiroca. Que alívio! Com o clima seco e quase sem beber água desde a noite do dia seguinte, já estava sentindo muita falta deste liquido precioso. 
A subida para o Itapiroca foi um “passeio”: bem aberta e fácil. Ficamos tagarelando e combinamos de chegar ao Ciririca ainda naquele dia nem que fosse à noite! E imaginamos onde estariam os guris. Naquelas alturas eles já deveriam estar bem longe devido a nossa demora para chegar ao Camelos.
 
Chegando na área de acampamento do Itapiroca encontramos o bastão de caminhada do Fábio atirado no chão. Pronto, o Fábio abandonou o bastão para diminuir o peso. 😆 
Que nada, assim que tivemos maior amplitude de visão pudemos ver o Fábio e o Marcelo sentados apoiados numa pedra, começando a abrir as mochilas. Eles ficaram nos olhando boquiabertos e exclamaram: 
 
– Já? Mas nós recém chegamos! Achamos que vocês fossem demorar mais. 😮 
Decidimos em fazer um lanche ali mesmo para não perder mais tempo. Em seguida continuamos o nosso trajeto.
 
Dali do topo do Itapiroca (1780 metros) já era possível enxergar os cumes do Tucum e Camapuã, meus dois primeiros cumes na Serra do Ibitiraquire.
 
Não passaríamos por eles nessa travessia, mas guardo com carinho as lembranças daquela trilha, especialmente na companhia dos amigos, Daniela Faria, José Geraldo, Diele e Dalla Trekker.
 
O cume seguinte seria o do Cerro Verde. No fundo do vale, para a subida ao cume, havia uma marcação com a fita da travessia “Alpha Crucis” realizada em 2012 por Élcio Douglas e Jurandir, considerada a travessia mais difícil do Brasil. 
 
No lugar chamado de Ombro Verde que antecede o cume do Cerro Verde é possível de ver a tarde a “face” no Pico Paraná. O cume do Cerro Verde (1618 metros), possui a melhor vista do maciço do Ibiteruçu e especialmente do Ciririca.
 
O Ciririca é conhecido como o K2 paranaense e antes da travessia havia lido diversos relatos de ataques e travessias que passavam por ali. Diversas pessoas falavam das terríveis cordas e da rampa. Meu Deus! ::ahhhh:: 
 
Eu e o Fábio estávamos imaginando como seria a terrível rampa do K2 paranaense. Na nossa ideia deveria ser algo pior que a face leste do Ferraria pelos relatos. Bom, naquela altura da travessia já estávamos preparados para tudo. Mas a curiosidade sobre o K2 paranaense aguçava muito.
 
Depois do Cerro Verde, os próximos cumes seriam Meia Lua, Pico do Luar e Sirizinho.  Eu, na minha expectativa infantil, estava louca para chegar nesses cumes. Os nomes me agradavam e imaginava uma vista maravilhosa da serra dos seus cumes. Que nada! Virado em mato espinhento.
 
Quando estávamos chegamos ao Pico do Luar, o sol já estava se pondo.  Quando começamos a descer o Sirizinho, pegamos nossas lanternas de cabeça. Pois estávamos dispostos a acampar nas placas do Ciririca ainda naquela noite, ainda mais que marcamos de encontrar o Sérgio naquela data.
 
Próximo a base do Sirizinho, o mato estava bem fechado. E como já estava escuro, seguimos em ritmo mais lento, entre ataques de mosquitos e mais taquarinhas. Cuidando onde estávamos pisando para não cair em nenhuma greta. 
 
A trilha alternava entre pedras de rio e mato. O Fábio e o Marcelo que estavam com mochilas maiores, penavam para se desvencilhar das taquarinhas e dos galhos das plantas. Se de dia já era complicado, de noite era pior ainda! Então a todo momento virava para trás para ver se eles estavam vindo junto. Numa dessas “olhadas”, quando fui virar novamente o rosto para frente, um galho espinhento entrou no meu olho e um espinho ficou cravado no olho direito. Consegui tirar e em seguida passou a dor. 
 
Para evitar que alguém se perdesse, quem ia na frente esperava o de trás aparecer e iluminava em direção do colega para que ele enxergasse a localização. Esse método também adotamos nos trechos de mato mais fechado. 
 
Mas em um determinado trecho as fitas começaram a ficar escassas e íamos e voltávamos tentando encontrar a continuação da trilha. Mesmo navegando no GPS, o Tiago não encontrava o caminho já que o trajeto que tinha não era muito preciso. Andar no mato no escuro é algo bem complicado, ainda mais quando não se conhece o local. Não é uma prática muito recomendável.
 
Então chegamos em um determinado ponto e o mato se fechou novamente, o Tiago falou para voltar e pediu para que nós três tentássemos visualizar alguma trilha ou avisar uma fita. 
Fiquei iluminando para as árvores até que enxerguei uma fita vermelha.
 
– Ali tem uma marcação de fita!
Exclamei apontando para uma árvore.
– Uhu! Achamos!
 
Eu e o Fábio comemoramos o meu “achado” batendo as mãos. 
Mas o meu “achado” era na verdade uma clareira, provavelmente de um acampamento de alguém. 
 
Como estava bem difícil encontrar a trilha naquela escuridão e seria desgastante continuar procurando sem resultados. Decidimos acampar ali mesmo naquela clareira. Local limpinho e com água por perto: perfeito! O espaço acomodava tranquilamente uma barraca e outras duas bem apertadas. Então nós decidimos bivacar já que o tempo estava bom. 
 
Estendemos o footprint no chão e o sobreteto da barraca por cima dele para depois só colocamos o isolante. O Marcelo foi o único que preferiu montar a barraca, conseguindo um pequeno espaço irregular. O Fábio fez seu bivaque ao nosso lado. Fomos dormir logo depois que jantamos pelas 21:00.
 
Deitei de barriga para cima e fiquei olhando o céu estrelado entre as árvores. E assim adormeci. Foi a melhor noite de toda a travessia! ::otemo:: 
 
Dados do 3º dia da travessia:
Distância: 9,65 Km a pé.
Altimetria: 1727 metros de aclive acumulado e 2178 metros de declive acumulado.
 
 
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Sobre o autor

Luciana Gomes Moro

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