A Escalada de Blocos no Brasil

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Existe um certo preconceito em relação à escalada de blocos (bouldering) por parte de muitos, mas não podemos menosprezar a importância desse tipo de escalada, que apesar de ser um segmento próprio, pode servir também como base para todas as outras formas de escalada, passando pela a esportiva, grande parede e alpina. É dessa forma que o verdadeiro escalador deve pensar, aquele que tem filosofia e respira escalada. Escalador mesmo deveria gostar de tudo e escalar qualquer coisa. Mas aqui vamos um pouco de história da escalada de bloco no Brasil.

Uma situação engraçada é que convencionou-se chamar as vias de blocos de “problemas”… Ou seja, você não escala uma via, você resolve um problema! Outra situação é observar grupos de escaladores de bloco levarem crash pads nas costas, e mais cômico ainda é quando isso ocorre em áreas urbanas. As pessoas não entendem a utilidade daqueles “colchões” e fazem piadas, do tipo… “Ô sujeito preguiçoso, onde vai, leva a cama junto!”… ”Eu acho que ele vai resolver um problema… mas o de insônia!”- Muitos pensam que escaladores de bloco tem medo de altura, por isso evitam as escaladas altas que necessitam de equipamentos. Isso pode ser verdadeiro para alguns, mas não é regra. Alguns blocos são tão altos que poderiam até ser protegidos por proteções fixas ou móveis. Mas alguns, nem tão altos, possuem bases com superfícies muito irregulares, onde cair de um metro de altura pode ser muito pior que tomar uma queda de 20m numa via de escalada. Entretanto, o contrário também ocorre. Muitos escaladores não gostam de subir vias de bloco por causa do medo da queda no chão. A solução são as vias em travessia horizontal, que são verdadeiras escaladas que podem ter dezenas de metros, mas o chão esta sempre perto. Mas existe uma outra verdade sobre a escalada de bloco: se a escalada alpina é a que mais mata, proporcionalmente a de blocos é a que mais lesiona, devido à intensidade brutal de força, muitas vezes aplicada e concentrada num único dedo, ou mão.   Lesões em dedos, mãos e ombros são comuns, algumas chegam a ser sérias o suficiente para acabar com a carreira do sujeito, sem falar nas quedas que produzem fraturas nos pés, pernas, coluna, etc.

Escalar blocos é prática antiga, mas tinha outra conotação, a de treinamento. Chamávamos isso de “campo escola”, onde as pessoas aprendiam, treinavam e evoluíam. No Rio de Janeiro tornaram-se famosos os campo escolas do Grajaú e da Pedra Rachada (Cascadura). Em 1982 íamos para a Reserva Florestal do Grajaú treinar escalada nos blocos, e em 1983, o Ronaldo Paes e eu abrimos o Campo Escola Helmuth Heske, em Itaquatiara. A primeira pessoa que vi a se dedicar quase que exclusivamente à escalada de bloco, foi o Paulo Bastos (Macaco), que aliás, faleceu neste último 1 de maio, no momento em que escrevia este texto. Na primeira metade dos anos 1980 ele passava horas nos blocos do Grajaú ensaiando os movimentos e repetindo-os, até subi-los com perfeição e leveza.
O André Ilha narra a passagem do americano Kelly Rich pelo o Rio de Janeiro, em 1982, que parece ter sido o primeiro a ter subida a famosa Oposição do Urubu (VIIa ou V3), inclusive usando magnésio, até então uma novidade por aqui. Aliás, esse mesmo americano “iluminou” alguns escaladores locais para subir as vias sem agarrar ou pisar nos grampos, prática comum nas vias difíceis (VI grau) da época, surgindo aí a máxima eliminação de pontos de apoio, mais conhecida como MEPA. Definitivamente o Kelly Rich não introduziu a prática de bouldering no país, mas a influenciou.
Lembro que o lance de escalada mais difícil em 1983/84, era o “Oitavão” (V6), no Grajaú, um bloco vertical com agarras de cristais machuquentas, aberto pelo o Rogério Oliveira “Picapau”. Em 1986 o Paulo Bastos abriu na mesma área, o legendário Olhos de Fogo, possivelmente o primeiro IXa (V9) de bloco escalado no Brasil. Obviamente isso deu um enorme salto neste tipo de escalada. A maioria dos melhores escaladores da época tentavam, poucos conseguiam. Realmente o Campo Escola do Grajaú se tornou a área mais importante de blocos, sem negar a importância do Anhangava (PR).  Passaram por lá alguns escaladores famosos, como o francês Jacky Godoffe, um dos maiores mestres neste tipo de escalada, que inclusive abriu a Aresta do Godoffe (IXa ou V9), ao lado do Olhos de Fogo. Nessa área e nessa mesma época surgiram projetos que somente foram resolvidos quase duas décadas depois, como O Bote Impossível (Xa ou V12), subido finalmente por Daniel Hans “Coçada” em 2005. Essa via era (é) tão difícil que em 2003 resolvi colocar proteções fixas para ser guiada, inclusive pela altura. Mas foi finalmente escalado como sendo bloco alto, ou highboll (contração de high boulder). Até 2005 o André Assaife conseguiu catalogar na Reserva Florestal do Grajaú mais de 200 problemas, ou vias de bloco.
E por falar em highboll, a primeira vez que vi alguém escalar assim foi nos Minerais, uma falésia na base do Pão de Açúcar, com cerca de 7 m de altura, que desenvolvemos em 1987. Eu estava entusiasmado com minhas aulas de geologia, então queria que aquela falésia recebesse apenas nomes de minerais, o que não aconteceu. Abrimos algumas linhas, mas aí apareceu o catarinense Bito Meyer, que resolveu abrir uma via em solo, que nem mais lembro o nome, mas devia ser um V4. Foi impressionante porque a base é rochosa e inclinada, e na época nem se ouvia falar em crash pad. Considerávamos o Bito “meio doido”. Aliás, meio doido éramos nós, ele era doido por inteiro. Bem, uma boa parte dos escaladores não pode ser encaixada no que convencionalmente chamamos de pessoas normais, não entramos na média, ou melhor, estamos no desvio padrão, mas o Bito nem no desvio padrão entrava!
Uma situação engraçada é que convencionou-se chamar as vias de blocos de “problemas”… Ou seja, você não escala uma via, você resolve um problema! Outra situação é observar grupos de escaladores de bloco levarem crash pads nas costas, e mais cômico ainda é quando isso ocorre em áreas urbanas. As pessoas não entendem a utilidade daqueles “colchões” e fazem piadas, do tipo… “Ô sujeito preguiçoso, onde vai, leva a cama junto!”… ”Eu acho que ele vai resolver um problema… mas o de insônia!”- Muitos pensam que escaladores de bloco tem medo de altura, por isso evitam as escaladas altas que necessitam de equipamentos. Isso pode ser verdadeiro para alguns, mas não é regra. Alguns blocos são tão altos que poderiam até ser protegidos por proteções fixas ou móveis. Mas alguns, nem tão altos, possuem bases com superfícies muito irregulares, onde cair de um metro de altura pode ser muito pior que tomar uma queda de 20m numa via de escalada. Entretanto, o contrário também ocorre. Muitos escaladores não gostam de subir vias de bloco por causa do medo da queda no chão. A solução são as vias em travessia horizontal, que são verdadeiras escaladas que podem ter dezenas de metros, mas o chão esta sempre perto. Mas existe uma outra verdade sobre a escalada de bloco: se a escalada alpina é a que mais mata, proporcionalmente a de blocos é a que mais lesiona, devido à intensidade brutal de força, muitas vezes aplicada e concentrada num único dedo, ou mão.   Lesões em dedos, mãos e ombros são comuns, algumas chegam a ser sérias o suficiente para acabar com a carreira do sujeito, sem falar nas quedas que produzem fraturas nos pés, pernas, coluna, etc.
Escalar blocos é prática antiga, mas tinha outra conotação, a de treinamento. Chamávamos isso de “campo escola”, onde as pessoas aprendiam, treinavam e evoluíam. No Rio de Janeiro tornaram-se famosos os campo escolas do Grajaú e da Pedra Rachada (Cascadura). Em 1982 íamos para a Reserva Florestal do Grajaú treinar escalada nos blocos, e em 1983, o Ronaldo Paes e eu abrimos o Campo Escola Helmuth Heske, em Itaquatiara. A primeira pessoa que vi a se dedicar quase que exclusivamente à escalada de bloco, foi o Paulo Bastos (Macaco), que aliás, faleceu neste último 1 de maio, no momento em que escrevia este texto. Na primeira metade dos anos 1980 ele passava horas nos blocos do Grajaú ensaiando os movimentos e repetindo-os, até subi-los com perfeição e leveza.
Lembro que o lance de escalada mais difícil em 1983/84, era o “Oitavão” (V6), no Grajaú, um bloco vertical com agarras de cristais machuquentas, aberto pelo o Rogério Oliveira “Picapau”. Em 1986 o Paulo Bastos abriu na mesma área, o legendário Olhos de Fogo, possivelmente o primeiro IXa (V9) de bloco escalado no Brasil. Obviamente isso deu um enorme salto neste tipo de escalada. A maioria dos melhores escaladores da época tentavam, poucos conseguiam. Realmente o Campo Escola do Grajaú se tornou a área mais importante de blocos, sem negar a importância do Anhangava (PR).  Passaram por lá alguns escaladores famosos, como o francês Jacky Godoffe, um dos maiores mestres neste tipo de escalada, que inclusive abriu a Aresta do Godoffe (IXa ou V9), ao lado do Olhos de Fogo. Nessa área e nessa mesma época surgiram projetos que somente foram resolvidos quase duas décadas depois, como O Bote Impossível (Xa ou V12), subido finalmente por Daniel Hans “Coçada” em 2005. Essa via era (é) tão difícil que em 2003 resolvi colocar proteções fixas para ser guiada, inclusive pela altura. Mas foi finalmente escalado como sendo bloco alto, ou highboll (contração de high boulder). Até 2005 o André Assaife conseguiu catalogar na Reserva Florestal do Grajaú mais de 200 problemas, ou vias de bloco.
E por falar em highboll, a primeira vez que vi alguém escalar assim foi nos Minerais, uma falésia na base do Pão de Açúcar, com cerca de 7 m de altura, que desenvolvemos em 1987. Eu estava entusiasmado com minhas aulas de geologia, então queria que aquela falésia recebesse apenas nomes de minerais, o que não aconteceu. Abrimos algumas linhas, mas aí apareceu o catarinense Bito Meyer, que resolveu abrir uma via em solo, que nem mais lembro o nome, mas devia ser um V4. Foi impressionante porque a base é rochosa e inclinada, e na época nem se ouvia falar em crash pad. Considerávamos o Bito “meio doido”. Aliás, meio doido éramos nós, ele era doido por inteiro. Bem, uma boa parte dos escaladores não pode ser encaixada no que convencionalmente chamamos de pessoas normais, não entramos na média, ou melhor, estamos no desvio padrão, mas o Bito nem no desvio padrão entrava!
Voltando para a Urca, passávamos muito tempo vagando entre os blocos procurando por alguma coisa, até que o Luis Claudio Ralf e eu vimos uma linha interessante, o Expressão Corporal (VIIIc ou V8), mas que foi subido primeiro pelo o Paulo Bastos em 1989, mas de corda de cima, por causa da base muito perigosa. Essa foi também uma via de bloco que marcou. Porém, muito antes disso a pista Claudio Coutinho já era famosa para a prática de bouldering, entre eles o famoso bloco dos 800. Certa vez, em 1988, fazíamos uma sessão ali, quando apareceu inesperadamente outro renomado escalador francês, Patrick Edlinger. Ele resolveu tentar com a gente o Arestim e suas variações (entre V5 e V6). Era engraçado porque depois que nos tentávamos o lance, um sujeito da equipe do Patrick sempre limpava as agarras antes dele entrar. Pensava que isso era coisa de estrelinha francês.
Nos anos 1980 a escalada em bloco era praticamente restrita ao Rio de Janeiro (Grajaú e Urca) e Paraná (Anhangava e Ilha do Mel), com algumas vias isoladas em outros lugares.  Somente nos anos 90 é que foram sendo descobertas outras áreas. Por exemplo, ficamos impressionados com o enorme potencial dos blocos de quartzito perto do Pico Itacolomi, em Ouro Preto (MG). Depois de dicas de alguns amigos, em 1988, o Marcelo Braga, Fernando Fajardo, Sérgio Pranzl e eu fomos lá. O Sérgio foi tentar um bloco negativo que o Marcelo e eu abrimos, mas ele caiu e um pé ficou entalado em um buraco. Foi incrível, ele ficou pendurado de cabeça para baixo, suspenso no ar. Eu não sabia se corria para pegar a câmera para fotografar ou se ia socorre-lo. A droga do bom senso me mandou ir socorre-lo. Não aconteceu absolutamente nada com ele. Em 30 anos de escalada, nunca vi nada igual. Duas décadas depois os escaladores mineiros acharam os blocos de quartzito em Conceição de Mato Dentro, que impressiona pela altíssima qualidade. Mas outras áreas foram surgindo: São Bento do Sapucaí (SP), Ubatuba (SP), Itaquatiara (RJ), Itajubá (MG), Cocalzinho (GO) e outras diversas áreas no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Estava definitivamente estabelecida a escalada de bloco no país, pessoas se preparavam exclusivamente para isso. Surgiram excelentes escaladores. Apareceram também as competições e festivais de blocos no Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo. Foi realizado um na Urca em 1995; a partir de 2003 o Eliseu Frechou organizou algumas edições do Blox, nas cercanias de São Bento do Sapucaí. O Alexandre Paranhos “Linha” passou a se dedicar a esse tipo de escalada e lutou pela a introdução  da classificação americana, do Texas, que vai de V0 a V16. Ele achava importante unificar este sistema para poder comparar os escaladores nacionais aos estrangeiros. Tal sistema foi aceito pela maioria, mas no Rio de Janeiro já era tradição os escaladores usarem sistema próprio, baseado na classificação das vias de escalada. Enfim, a escalada de bloco ganhou identidade própria, tendo muitos escaladores que se especializaram, ou que somente escalavam isso, e assim foram surgindo vias muito difíceis e extremas em vários cantos, por exemplo: na Urca, o Macumba (IXc ou V11); no Grajaú, o Bote Impossível (Xa ou V12) e em Itacoatiara, o La Ola (V12). Em Ubatuba existem quase duas centenas de problemas, alguns dos mais difíceis do país: Cracolândia (V12), Os Bacanas (V13) e Into the Wild (V14). Enfim, não dá para listar aqui todas as áreas e suas vias mais difíceis.
Hoje contamos com algumas áreas de blocos que podem ser incluídas entre as melhores do mundo, como as da Chapada Diamantina (Lençóis e Andarai), entre outros lugares. No povoado de Igatu, onde os garimpeiros construíram suas casas entre as rochas, o escalador pernambucano Rafael montou sua empresa de aventuras, mas fez algo inédito, conseguiu fazer que a escalada se tornasse parte do currículo escolar das crianças. Nada mais natural onde até as paredes das casas são feitas com rochas perfeitas para serem escaladas. Blocos em todos os lugares. Uma parte considerável das crianças desse povoado escala e joga capoeira, uma iniciativa fantástica para educar e socializar os meninos e meninas. Muitas cidadezinhas em vários estados brasileiros, cravadas entre blocos e paredes rochosas, podem seguir esta mesma ideia. Exemplo parecido tem sido feito em Brejo da Madre de Deus (PE). A prefeitura dá total apoio aos escaladores que vem de Recife para desenvolver a escalada no município. Aos poucos a população local vem tomando contato, alguns já escalam, e isso graças à secretária de agricultura, a canadense Beth, que se apaixonou pelo o sertão nordestino. Se mudou para lá nos anos 80 e ficou. Começou a escalar com o Cauí, Dagoberto e Luis. Enfim, essa mulher tem tanta energia que se fosse possível transferir isso para a rede elétrica, supriria com facilidade o consumo de Brejo da Madre de Deus.
Antonio Paulo Faria
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Sobre o autor

Antonio Paulo escala há tanto tempo que parece que já nasceu escalando... 30 anos. Até o presente, abriu mais de 200 vias no Brasil e em alguns outros países. Ele gosta de escalar de tudo: blocos, vias esportivas, vias longas em montanhas, vias alpinas... Mas não gosta de artificiais, segundo ele "me parecem mais engenharia que escalar propriamente". Além disso, ele também gosta de esquiar, principalmente esqui alpino no qual pratica desde 1996. A escalada influenciou tanto sua minha vida que resolveu estudar geografia e geologia. Antonio Paulo se tornou doutor em 1996 e ensina em universidades desde 1992. Ele escreveu sobre escalada para muitas revistas nacionais e internacionais, capítulos de livros e inclusive um livro. Ou seja, ele vive a escalada.

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