A História do Himalaísmo Brasileiro – Parte VII

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Sétima parte do especial sobre o histórico das expedições brasileiras às maiores montanhas do mundo…

::Leia o especial sobre a História do Brasil no Himalaia desde o começo.

:: Leia a sexta parte da História do Brasil no Himalaia.

Texto: Rodrigo Granzotto Peron

Reintrodução

O himalaísmo nacional nasceu nos anos 80, a partir do intercâmbio entre o Clube Alpino Paulista (CAP) e montanhistas poloneses, com a inclusão de brasileiros nas incursões polacas ao Himalaya. Nos anos 90 o nosso montanhismo em alta altitude se consolidou, com expedições brasileiras de verdade, iniciando com a pioneira de Thomaz Brandolin no Everest, em 1991, e continuando com as múltiplas aventuras de Waldemar Niclevicz e de Paulo &, Helena Coelho. As sementes estavam lançadas e as portas da Ásia abertas.

Nos anos 2000 começamos a colher os frutos plantados pelos pioneiros, com uma diversificação enorme tanto de pessoas (muitas faces novas surgindo) quanto de destinos (o Everest continua sendo o foco das atenções e o maior objetivo de nossos montanhistas, mas vários points nunca tentados passaram a ser incluídos no cardápio).

A partir desse artigo começa a prospecção dessas peripécias mais recentes nas grandes cordilheiras asiáticas. Vamos, então, a elas.

Capítulo 20 – Everest 2001 (8.850m)

Paulo Coelho e Helena Coelho mais uma vez aportaram no Everest, para tentar a rota normal da face tibetana, sem oxigênio suplementar, com chegada ao acampamento-base no dia 13 de abril. O processo de aclimatação foi positivo, com montagem do acampamento-base avançado no dia 18 (6.400m) e do campo 1 no dia 23 (7.000m). Uma série de tempestades os impediu de prosseguir durante algumas semanas, mas no dia 21 de maio partiram parede acima.

Ao atingirem o acampamento 1 encontraram problema. A barraca tinha sido soterrada pelas nevascas das últimas semanas. Muito tempo e esforço foi consumido para desenterrá-la, desgastando-os bastante. Concluída a tarefa, foram direto até o acampamento 3 (8.300m), onde chegaram tarde da noite, o que os impediu de fazer ataque ao cume. Paulo Coelho narra: “Chegamos a 8.300m às 20h e como já era tarde e estávamos cansados, achamos que passando mais uma noite acampados nós descansaríamos mais e estaríamos mais inteiros para o ataque final, mas não é isso que acontece como o corpo da gente nessa altitude” (revista Aventura e Ação n. 94, de 2002, p. 39).

Após duas noites mal dormidas no ar rarefeito da zona da morte (a 8.300m o nível de oxigenação é muito baixo, desgastando o organismo cada vez mais), resolveram descer no dia 24 de maio sem tentar ir ao topo. O clima instável, o cansaço e a falta de tempo os haviam derrotado. Regressaram ao Brasil no dia 2 de junho, finalizando mais esta aventura.

Capítulo 21 – Everest 2001 (8.850m)

O paranaense Gil F. Piekarz – montanhista querido e bastante conhecido em nosso país, não apenas pelos cumes conquistados nos Andes, mas pelos saltos de paraglider, tendo inclusive decolado do cume do Illimani, em 1999 – conseguiu ser incluído em expedição de Cingapura ao Flanco Tibetano do Everest: a “Singapore-Latin America Everest 2001 Expedition”. O time era liderado por David Yew Lee Lim, malaio naturalizado cingalês, que já havia tentado o Everest em 1998 e culminado o Cho Oyu em 1997. Também compunham o time: Mohammad Rozani bin Maarof, Tok Beng Cheong e Wong Ting Sem. Parte da estrutura logística da expedição foi compartilhada com a equipe de Eric Simonson (International Mountain Guides), que estava empreendendo busca pelos restos mortais de Irvine e Mallory (dois pioneiros que, em 1924, sumiram no alto do Everest, gerando especulações até hoje se teriam sido ou não os primeiros a chegar no cume, um dos maiores mistérios do himalaísmo).

Os cingaleses, além de terem gostado muito da companhia do brasileiro e de destacarem suas qualidades técnicas, relataram inúmeras vezes a admiração pelo hábito cultivado pelo curitibano de tomar chimarrão para se hidratar e aquecer. No perfil de Piekarz no site da expedição está: “Gosta de tomar ´mate´, versão sulamericana do chá verde”.

Em preparação para o Everest, para forjar o espírito de equipe e aclimatar, foram aos Andes, onde subiram o Cerro Plomo (5.424m) e tentaram a subida do Ojos Del Salado (6.893m), em janeiro de 2001.

A expedição partiu de Cingapura, onde se deu a cerimônia oficial de lançamento pelo Presidente de Cingapura e pelo embaixador brasileiro. A idéia era não apenas lançar a expedição, mas sim estreitar as relações bilaterais entre o país asiático e a América Latina. A ida ao Everest foi bem precoce, em meados de março, com chegada ao acampamento-base no dia 30. O mês de abril foi gasto em aclimatação e montagem da estrutura. O ataque ao cume, que se iniciaria em 11 de maio, teve que ser adiado por conta de fortes tempestades de neve, com relatos de whiteout nos dias 14 e 15.

Superadas as adversidades do tempo, começaram a subida no dia 19, chegando no acampamento 3 (a 7.100m). Gil Piekarz e Mohammad Rozani ainda prosseguiram até o acampamento 4 (7.700m), no dia 20 de maio. Os planos eram de atacar o cume no dia 22, mas o líder cingalês apresentou esgotamento físico. Gil e Rozani, que já estavam por volta dos 7.800 metros, quota máxima alcançada pela equipe, voltaram para ajudar David Lim. No site da expedição, o brasileiro narra esse momento: “Rozani olhou para mim com olhar exausto e apreensivo, e disse – Gil, precisamos descer para o Colo Norte, David está mal, neste momento terminava a nossa ascenção à maior montanha da Terra. Tínhamos chegado ao limite da segurança – a integridade física dos membros do time estava muito acima do cume”. Embora aclimatado e com condições físicas de prosseguir, abdicou da façanha para num gesto bonito auxiliar o colega em apuros.

O único incidente vivenciado por Gil foi um tombo na zona da morte, rolando encosta abaixo por alguns metros, mas saindo ileso do susto.

Após 51 dias na montanha, quatro noites passadas no colo norte (7.100m) e tendo ido até 7.800 metros, o alpinista paranaense retornou para casa, sem o cume, mas satisfeito pela experiência vivida.

Capítulo 22 – Trango Tower 2001 (6.239m)

Consagrado pelas escaladas em gelo (cinco cumes 8.000 diferentes), Waldemar Niclevicz foi atrás da consagração também em rocha, em big wall, escolhendo como desafio o maior paredão rochoso existente, o Trango Tower.

O Trango é um complexo de montanhas e agulhas de granito bem no coração da parte norte do Paquistão, de onde despontam treze cimos principais, destacando-se o Great Trango (6.375m), o Trango II (6.331m), o Trango III (6.230m), o Cathedral (5.966m), o Castle (5.722m), o Monk (6.151m), o Pulpit (6.050m), o Trango Ri (6.545m), e ainda aquela que era o objetivo do paranaense: o Trango Tower ou Nameless Tower (6.239m).

A Trango Tower foi primeiramente subida em 1976 e até os dias de hoje foi coroada 123 vezes, por 121 escaladores (os germânicos Kurt Albert e Wolfgang Gullich fizeram cume duas vezes cada, por duas rotas distintas – em 88 e 89). Já o Great Trango foi debutado em 1977 e até hoje só foi submetido 45 vezes.

A via tradicional de conquista da Torre Sem Nome é a Rota Eslovena, na face sudeste, aberta em 1987, que inicia aos 5.100 metros e vai até o cume, num desnível de aproximadamente 1.200m. Foi esse o caminho escolhido pelo brasileiro.

Recrutou para compor seu time vários escaladores exímios em rocha, todos com conquistas no Brasil, no Yosemite e na Patagônia: os paranaenses Irivan Gustavo Burda, Marcelo Santos, o “Bonga”, e José Luis Hartmann, o “Chiquinho”, bem como os cariocas Sérgio Tartari, o “Serginho”, e Alexandre Portela, o “Alexandrinho”. Uma equipe bem forte, de especialistas em big wall. Em seu site pessoal Waldemar justificava a escolha de escaladores unicamente brasileiros dizendo: “Sei que desta maneira estarei colaborando ainda mais para o desenvolvimento do alpinismo brasileiro. Aliás, estou com uma grande expectativa de, daqui para frente, montar equipes sempre com alpinistas do meu País”.

Na fase de preparação, o time foi aos Estados Unidos, realizando várias ascensões e treinos no Parque de Yosemite, tendo por ápice a subida da rota The Nose (900m de desnível) no El Capitán (2.307m), no dia 7 de maio de 2001, após cinco dias na via.

No início de junho rumaram ao Paquistão. O acampamento-base (4.000m) foi alcançado no dia 10. Instalaram os campos 1 (4.800m) e 2 (5.100m) no corredor entre o Trango Tower e o Great Trango. No campo 1 ficaram retidos 15 dias por conta do péssimo tempo. Quando o sol voltou a brilhar, prosseguiram no gigante de pedra, montando o campo 3 (5.500m) sobre o famigerado “Ombro” e o campo 4, suspenso na parede, por volta dos 5.900 metros.

O ataque ao cume foi empreendido apenas por Bonga, Irivan e Niclevicz, já que Tartari, Chiquinho e Portela tiveram problemas sérios de aclimatação, sem condições físicas de ir ao topo. O grande “motorzinho” da cordada foi Marcelo Santos, que liderou 19 das 29 enfiadas rumo ao cume (revista Nez Adventure n. 28, de 2001, p. 53), incluindo a enfiada final, a qual deu em todos grande susto. Momentos antes de pisar no cimo, Bonga escorregou, caiu violentamente, bateu contra o glacial superior do Trango e ficou pendurado pelo equipamento de segurança. Logo se recuperou e instantes após, às 16:40h do dia 30 de junho de 2001, estava exultante no cimo da montanha. Irivan e Niclevicz a ele se juntaram alguns minutos depois.

Para Irivan, a maior dificuldade foi “o gelo dentro das fissuras. A partir dos 5.700m tinha muito gelo nas fendas e o guia era obrigado a escalar com uma piqueta e ir limpando as fissuras para poder proteger” (revista Headwall n. 4, de 2002, p. 40). Para Waldemar, “o maior perigo foram as pedras que vinham das alturas sem avisar, passando ao nosso lado como verdadeiros projéteis. Também os pedaços de gelo eram um perigo, pois na verdade eram como grandes pedras de vidro. Assim era importante manter-se na vertical quando as avalanches nos atingiam, oferecendo o capacete como um escudo para as pedras e envolvendo o corpo com os braços para diminuir a área de impacto dos projéteis” (site pessoal de Niclevicz).

No início de julho voltaram ao Brasil. Essa expedição foi enormemente importante por diversos motivos: a) primeira subida de um big wall na Ásia por brasileiros, b) primeira subida do Trango por sulamericanos (até hoje nenhum alpinista da Ámerica do Sul repetiu a façanha), c) terceiro cume de Niclevicz no Paquistão, d) início de uma das parcerias mais bem sucedidas do himalaísmo brasileiro: Niclevicz &, Burda, e) princípio da diversificação de nosso montanhismo em alta altitude, com cinco novos rostos indo aos gigantes asiáticos.

::Continua…

Texto: Rodrigo Granzotto Peron
Fotos: SummitPost.org, Niclevicz.com.br, Gil F. Piekarz

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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