A trilha sul do Mursa

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A cerca de ano atrás conheci uma modesta elevação em Várzea Paulista (SP) que deixara não apenas uma primeira boa impressão como tb aquele gostinho de “quero mais”. Me refiro à Serra do Mursa – conhecida tb como Morro do Elefante – por sua vez parte integrante do complexo da Serra dos Cristais e cujo nome faz referência ao antigo proprietário das terras daquela região. Se aquela investida resultou numa tranquila travessia pelas campinas q preenchem td extensão de sua curta e larga crista, esta nova visita mergulhou no fundo vale do seu contraforte sul. Um bate volta q resultou num circuito sussa com direito a cume, cachoeira e exploração da nascente dum afluente do Córrego do Mursa.

Após rodar quase td Linha Rubi da CPTM, eu e a Naty (apelido pelo qual chamei a Nathachy, por ser mais fácil de lembrar) desembarcamos na simplória estação local. Era cedo, coisa das 8:20hr, e dai basicamente tocamos pela Av. do Pinheirinho até o final, sempre sentido sul. Várzea Paulista é  um município q nasceu ás margens da EF Santos-Jundiaí, e deve seu nome ao fato de sua expansão se dar justamente numa área de várzea campesina. Já o Paulista no nome serviu de mais um identificador de conquista dos bandeirantes. É uma pequena cidade com ar bem interiorano, até pq faz quase divisa com sua vizinha mais ilustre, Jundiaí. Ou seja, a pacata urbanização coexiste tranquilamente com chácaras e pesqueiros.
Não demora pro asfalto dar lugar á empoeirada via de chão q leva o nome de Estrada do Mursa, desviando um pouco pra sudeste. Os edifícios e residências a mto ficaram pra trás, cedendo espaço pruma paisagem rural salpicada de sítios. De repente a Serra do Mursa surge, elevando suas corcovas forradas de verde elegantemente no horizonte. E conforme se avança a paisagem ao redor fica mais rústica – principalmente após uma bifurcação, onde tocamos pra esquerda – tanto na ausência de residências como na presença massiva de antigas olarias, testemunhos datados da expansão do município.
Visivelmente tangenciando o pé do contraforte norte da serra e virando suavemente pra leste, eis q a já precária estrada empina e começa uma interminável subida.
Reflorestamentos de eucaliptos forram ambas margens da via e o suor já começa a escorrer farto pelo rosto, naquela manhã de promessas de tempo limpo e claro. Mas qdo alcançamos o ápice da estrada, precisamente no selado q desce pro outro lado (e termina desembocando na SP-354), é q surge a larga picada q dá acesso ao morro, bem á nossa direita. E uma vez nela não tem mais segredo.  Olho pro celular e vejo q são exatamente as 9:30hr.
E tome subida forte morro acima, inicialmente através dum bosque de eucaliptos. Aqui a vereda é bem larga, com sinais até q veículos sobem nela. Mas um tanto mais acima o reflorestamento fica pra trás e tem inicio o trecho de mata secundária, bem mais exuberante e espessa. Uma placa avisando dali ser área de proteção ambiental reforça estamos adentrando oficialmente na Serra do Mursa. Coincidentemente tb surge uma clareira (com vestígios de fogueira) q indica ser o final do trecho q veículos motorizados conseguem alcançar. Daqui em diante a subida se dá através duma picada bem mais estreita, cercada de mata fechada e galgando sulcos, cascalho e valas bastante irregulares, onde raízes brotando do chão servem de degraus. Mas nada assim q demande condicionamento excepcional.
Mas não demora pra deixar a mata pra trás e cair no aberto da encosta desnuda da serra, onde os horizontes se abrem a nossa esquerda. A brisa sopra o rosto refrescando a árdua, porém compassada, subida, onde se ganha facilmente altitude ao cortar na diagonal o contraforte norte do Mursa, sempre na direção sudeste. Durante a subida eu tentava identificar tds os picos e lugares q a fantástica panorâmica descortinava a nossa volta: o quadrante norte estendia-se desde a geometria alva de Jundiaí até a geografia verde e rural de Várzea e Campo Limpo Paulista; com algum esforço atrás da morraria surgia Botujuru, a nordeste.
Ao ganhar um ombro serrano a vereda faz um cotovelo íngreme onde finalmente se alcança a crista abaulada da serra, onde se tem uma bela vista do restante do complexo do Mursa, cuja tonalidade verde claro destoa do esmeralda escuro dos fundos vales. E agora, sempre na direção sudoeste, após cruzar o único foco de mata (onde havia até uma galera acampada!) e palmilhar o restante deste trecho suavemente abaulado da serra, chegamos nos 1040m do primeiro gde cume do Mursa. Largo, espaçoso, este é um dos 3 gde cumes de td cadeia, e é daqui q saltam os parapentes e paragliders q eventualmente dão as caras por aqui. A oeste temos bela paisagem de Jundiaí e das escarpas recortadas da Serra do Japi, bem ao lado. Pergunto pra Naty se quer descansar e ela manda prosseguir, então vamos lá.
Daqui nossa pernada pelo restante da crista toma direção leste, descendo o suave selado q nos separa do pto culminante do Mursa. A campina verde varrida pelo vento exibe aqui outras tonalidades, como muitas florzinhas coloridas além de vegetação rasteira típica de altitude. Mas num piscar de olhos pisamos os 1070m da maior elevação da cadeia. Onde temos uma panorâmica diferenciada de td visto até então, sob nova perspectiva. Era pra ter parado pra descansar ali, mas pelo fato do lugar ser demasiado exposto (e o sol rachando miolos!) decidimos fazer o pit-stop no cume sgte, isto é, no ultimo gde morro da cadeia, onde ao menos havia sombra.
Dali então prosseguimos pela vereda, q desceu de forma vertiginosa e íngreme em direção ao selado de ligação sgte. Involuntariamente tomamos outro acesso e, na base da desescalaminhada, alcançamos a supracitada vereda q em poucos minutos nos deixou no cume almejado. Com cerca de 1020m e dominado por uma antena da Embratel e outras de telefonia, desabamos na aconchegante sombra duma casinha abandonada. Era cerca de 10:30hr e ali ficamos o tempo suficiente pra descansar, bebericar o precioso liquido e mastigar um lanche. Aqui a paisagem já revela outros horizontes: a leste temos uma  horizontalidade rural apenas quebrada por Atibaia e a Serra do Itapetinga; ao sul, Cajamar, Santana do Parnaíba, a Serra do Voturuna e Cabreúva; e ao norte, o quadrante é basicamente preenchido por morros de reflorestamento ao sopé das escarpas  do Mursa.
Descansados e revigorados, retomamos nossa jornada agora pra explorar o contraforte sul da serra. Pra isso retornamos ao pto culminante local, e dali tomamos uma vereda bem óbvia q desce forte sua íngreme e exposta encosta. Eu fui na dianteira mas não demorou pra Naty ficar atrás, não apenas por se encantar com as coloridas borboletas q preenchiam aquele setor como por estar com calçado impróprio pra esse tipo de terreno. E coloca terreno pauleira; além de íngreme, valas medonhas dividiam a trilha com inúmeros pedregulhso soltos onde qq vacilo resultaria numa derrapagem bem dolorida. Ou seja, em dia de chuva, sem chance!
Mas o próprio terreno favorece a rápida perda de altitude, na mesma medida q proporciona uma outra perspectiva das elevadas encostas do Mursa deste setor. Pois bem, não tardou pra mergulhar na mata fechada e cada vez mais adentrar no interior daquele fundo vale, onde a temperatura era bem mais agradável e a vegetação bem mais exuberante. Até q pisamos no fundo do mesmo e nos deparamos com ela mesma…água em fartura! Pela carta td indicava q ali deveria ser um dos gdes afluentes q engrossam o Córrego do Mursa, o q não deixa de ser uma ótima noticia. Levar em conta q aquela região é geralmente bem seca e a presença do precioso liquido é bom sinal pra futuras visitas e explorações.
Ao lado do simpático córrego a vereda interceptou outra maior, vinda do oeste. E assim, a exatas 12:30hr, ao invés de sair do vale tocando pra direta decidimos mergulhar mais no fundo dele, tocando indefinidamente vereda adentro, pra esquerda. Mal avançamos e tropeçamos não apenas com enormes gigantes da floresta como com uma bonita e imprevisível cachuzinha! A queda tava mais pra cascata e devia ter menos de dois metros, onde a água despencava de pequenos patamares. Sim, é pequena se comparada ás da Serra do Mar, mas como já disse antes, se já foi surpresa encontrar água imagina então uma queda!? Ao lado havia uma pequena clareira com sinais de fogueira, porém td incrivelmente limpo!
A trilha prosseguiu singrando o vale, e seu rumo acompanhava o rio ora numa margem ora noutra. As vezes o caminho embicava, onde sulcos, rochas ou até mesmo as raízes do arvoredo em volta serviam de degraus no avanço. Vira e mexe surgia algum latão de lixo com as inscrições “Eco-Mursa”, sinal q a galera daqui realmente respeita a serra q visita, a diferença de outros points mais badalados. Mas conforme seguíamos em frente, costurando córreguinho, a vereda foi se estreitando cada vez mais, ficando mais confusa e menos batida, embora o sentido a seguir fosse mais q óbvio. Incrível como aquele pujante e vivido cafundó de vale contrastava com os campos desolados e ralos do alto daquela serra.
Após subir suavemente um tanto, sempre seguindo o rio, chegou um pto onde a trilha simplesmente terminou. “Vamos em frente ou não?” perguntei pra Naty, afinal ela calçava tênis e teria dificuldades de caminhar se começássemos andar fora de trilha, ou seja, em terreno irregular. Mas qual minha surpresa qdo a retada guria encarou o desafio mesmo assim. E assim começamos a subir o rio, costurando ambas margens conforme houvesse menos vegetação, desviando dos trechos mais alagados ou repletos de lama. Nisso, a presença de marcas de facão na mata já dava as dicas de onde prosseguir. Ademais, alguns trechos mais íngremes demandavam escalaminhada simples, atrasando o avanço da Naty, mas nada q fosse do outro mundo.
Chegamos, enfim, num trecho já bastante elevado onde o córrego praticamente sumia. Ao invés disso a água brotava da pedra levando seu precioso liquido serra abaixo. Estávamos na nascente daquele belo córrego. A partir dali em diante a mata apresentava-se bem mais fechada, mas ainda assim tive q conter a tentação de continuar subindo e alcançar algum pto elevado, cume ou quem sabe mirante. Mas a consciência q já era meados de tarde, não tínhamos lanterna, q varar mato demandava mais tempo e q nosso progresso era lento, resolvi encerrar a exploraçãozinha de vale. O q tínhamos conhecido tava bom demais, abrindo portas pra futuros rolês.
Retornamos então td trajeto feito até a encruzilhada e tomamos rumo vale afora, ou seja, pra noroeste. A vereda ia cada vez se afastando daquele verde vale, dando rapidamente lugar a vegetação arbustiva e, subindo suavemente, finalmente caímos no final duma estrada de chão, onde despontavam chácaras e sítios. Era o adeus a beleza semi selvagem do Mursa. Uma placa sinalizava ali ser o acesso sul do Mursa além de algumas particularidades da serra, como altitude do pto culminante e dela ser patrimônio da humanidade.
Devia ser algo de 15hr e começamos a voltar pela supracitada via de chão, onde mais tarde interceptamos a estrada oficial, a do Mursa. E mais um chão depois encostamos no primeiro boteco q encontramos, chamado de “Bar do João Gandalf”, onde mandamos ver brejas e um delicioso pastel de um real! Conversa vai e conversa bem com os demais fregueses, soubemos q alguns plantavam mudas na serra ajudando assim a preservar o lugar. E foi proseando com eles q conseguimos uma oportuna carona até a estação de Varzea Paulista, q nos economizou uma longa chinelada de quase uma hora. Uffaaa! Dali pra Sampa foram, como dizem, “dois palitos”..
Finalizando, esta visita a Serra do Mursa foi bastante proveitosa pois revelou novas possibilidades em seu setor sul, onde a presença de água em fartura é garantia de novas investidas (provavelmente perrengosas) aos demais morros espalhados por aquele quadrante. Por esta razão considero o Mursa (ou Morro do Elefante, como preferir), além de importante área natureba de Várzea Paulista,  interessantíssimo “point outdoor” pra andarilho nenhum botar defeito. Havia uma tramitação pra tornar a serra uma área de preservação ambiental, de modo a impedir o avanço dos constantes incêndios criminosos e dos loteamentos irregulares q não raramente bordejam a serra. Não sei como está essa pendenga, mas ao menos a mobilização da sociedade em prol do Mursa é bastante significativa. Uma vez q é realmente preciso garantir q esta simpática e pouco conhecida elevação serrana mantenha seus belos atrativos disponíveis pra visitantes ansiosos por novas aventuras.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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