Conhecendo a Serra dos Cocais

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Situada entre os municípios de Itatiba, Valinhos e Vinhedo, a Serra dos Cocais está mais para um “mar de morros” q uma escarpa serrana propriamente dita. De nome q homenageia a palmeira jerivá, esta serra tem como principal característica a presença de inúmeros blocos graníticos aflorando sua superfície, os chamados “matacões”. Alterada e ameaçada pela pressão urbana, a Serra dos Cocais ainda tem setores onde a paisagem se mantém incólume e cuja beleza agreste remete muito à da caatinga nordestina. E foi num breve bate-volta pela região q alternou pernada por campinas varridas pelo vento, explorações por grutas escuras e escalaminhada em promissores “boulderes”, q ficou mais q provado q esta região tem a obrigação de se tornar uma APA, pra assim preservar tanto sua beleza cênica qto sua importância geológica.

Desde q tive ciência da Serra dos Cocais q alento desejo de conhecê-la, vontade esta desfeita na cia do amigo Pedro Hauck devido a uma dupla coincidência: primeiro, da breve passagem do cabra por Sampa, mais precisamente por Itatiba, ministrando seu concorrido curso de escalada e; segundo, pelo fato da Serra dos Cocais ter sido objeto de estudo do seu TCC, credenciando-o como pessoa ideal pra zanzar naquelas bandas. Contudo, dureza mesmo foi encontrá-lo em Itatiba, mas com uma sequência de oportunas baldeações cheguei lá gastando menos da metade do din-din habitual. Pra isso madruguei na paulicéia e, após tomar a primeira condução da Linha Amarela do dia e rodar toda Linha Rubi da CPTM, saltei em Jundiaí por volta das 8:30hrs. Lá, me dirigi em direção a rodoviária local, onde tomei o circular q vai até Itatiba pela bagatela de R$4, em contraponto dos R$25 cobrados pelo Terminal Tietê. É isso.

Após rodar coisa de 23km pelo asfalto de SP-360, finalmente saltei no centro caótico e desordenado de Itatiba, onde o Pedro foi me buscar no seu possante Jimny em torno das 9:40hrs.Apesar de má sinalizada, Itatiba não se furta em exalar um certo charme de cidade interiorana. De colonização predominantemente italiana, a cidade se notabiliza pela sua produção de frutas, emoldurada pela janela do veiculo ao passar por inúmeras culturas de uva, pêssego e caqui.

Deixamos então a muvuca do centro pra seguir em direção do setor itatibense da Serra dos Cocais. No caminho, uma breve parada pra encher os cantis na simpática fonte da bucólica Faz. Vista Linda. E assim, após rodar um pouco pela Estrada Itatiba-Valinhos tomamos a empoeirada via de chão q atende por estrada municipal Antonio Barbieri, onde já podíamos avistar um altivo serrote coroado por duas antenas, ao sul. Avançamos o possível com o veiculo, até q o deixamos na frente duma porteira pra então seguir a pé.

Dali em diante não tem erro pois o caminho é intuitivo e se resume a um estradão bem erodido. Num piscar de olhos e sem maior esforço caímos nos matacões q dominam o alto do morrote, chamado tanto de Pedra do Mirante como Mirante da Antena, pela presença de torres de telefonia celular. Pela facilidade de acesso não me estranhou constatar algumas “inscrições burrestres” nos rochedos maiores, mas a vista dali dos 920m é realmente inspiradora. Da horizontalidade q preenchia td quadrante norte avista-se perfeitamente td a geometria alva de Itatiba, assim como as elevações da Serra das Cabras e da Pedra Grande de Atibaia.

Pois bem, dali tentamos avançar mais ao sul, em direção ao Morro da Jurema, mas fomos surpreendidos não apenas por uma cerca como por placas e advertências, pra não deixar dúvidas de q estranhos ali não são bem vindos. Além dos avisos tradicionais havia outro mais direto: “Se entrar vai tomar pipoco” pra realmente diluir qq intenção de entrar no lugar. “Só faltou o cara dizer q tem mina terrestre tb..”, pensei comigo mesmo. Até o Pedro se surpreendeu com aqueles lacônicos avisos, q inexistiam em sua última visita a serra, coisa de anos atrás. “Pois é, a área da Serra dos Cocais pertence a vários proprietários e está ameaçada pelo avanço urbano e, neste caso, pela especulação imobiliária que promove nestas terras altas o loteamento de condomínios que ´privatizam´ a paisagem, restringindo-a a grupos sociais economicamente favorecidos.”, lamenta Pedro.

Como não estávamos nem um pouco afim de “tomar pipoco”, demos meia volta e tomamos a direção do setor “valinhense” dos Cocais. “O mais bonito e preservado de todos…”, na opinião do Pedro. Novamente no asfalto da Rod. Valinhos-Itatiba, desta vez tocamos sentido noroeste, emendamos outras vias vicinais menores (Alameda Carlos de Carvalho Vieira Braga e Alameda Icarapé) e em questão de minutos caímos num tal bairro Alpinas, onde há uma ou outra chácara. Ali, novamente deixamos o veiculo do lado de fora duma porteira, a qual adentramos a pé. O vasto descampado de pasto logo deu lugar a um chão de lajotas intermináveis, até q simplesmente não havia mais chão e sim um abismo vertical enorme de aproximadamente 40m de altura!
Estava na beirada do topo duma pedreira desativada, a Alpinas (ou Abismos). Menor q a do Dib (aquela famosa de Mairiporã), esta enorme pedreira tem seu charme cênico pois do alto se avista td Campinas e arredores. Há tb algumas vias de escalada nos paredões, mas com alguns grampos bem precários. Infelizmente o corte da pedreira não permite escaladas mais interessantes pois ele é bastante fragmentado.

Do alto da pedreira tomamos a direção contraria e fomos de encontro o vasto chapadão de pasto. Ali, nos pirulitamos por um rombo no cercado e adentramos na continuidade da serra, agora decerto em propriedade particular. Na surdina, começamos a suave encosta do vale sgte – ora através do pasto ralo ora pelos inúmeros trilhos de boi ali existentes – até dar no fundo do vale, onde um correguinho td descaracterizado marulhava em silêncio.

Em meio a mata chegamos numa figueira colossal cercada de enormes blocos rochosos, onde algumas aberturas sugeriam ser sua entrada. Estávamos na “Caverna da Figueira” e nela adentramos cuidadosamente, nos esgueirando através de quebra-corpos pelo exíguo espaço dos vãos entre as pedras, belamente ornados pelos cipós da figueira q lhe empresta o nome. Pedro comentou q aquela ali era apenas uma das muitas grutas ali existentes e q na região havia outras mais famosas, como a Gruta Santa Rita e a Espírito Santo, com verdadeiros salões e corredores por td sua extensão. Contudo, aquela versão minúscula de grota já dava uma boa noção pra mim da riqueza “espeleológica” dos Cocais.

Retornamos até o buraco da cerca pra acompanhá-la na direção á borda norte da serra. O calor sufocante do meio dia se fazia sentir, mas felizmente era amenizado pela brisa soprando do leste. A brisa varre suavemente as campinas, q reluzem de tons dourados ao sol daquele cálido inicio de tarde. De fato, aquele setor dos Cocais era realmente mais afastado e, conseqüentemente, mais preservado, uma vez q vestígios da presença humana inexistiam. A exceção duma antiga torre de observação, aparentemente abandonada. Pichações ou lixo? Nenhum.

Chegando na borda serrana nos deparamos com inúmeros blocos de pedra salpicando o terreno, de tds as formas e tamanhos. A beleza do lugar imediatamente me remeteu ao sertão do Cariri, na Paraíba. Cactos, rochas e mata arbustiva ressequida aqui em Sampa! “A Serra se parece bastante com paisagens do sertão nordestino, porém com algumas matas e campos que são descendentes dos cerrados, além de muitos cactos que são remanescente de vegetação da última fase seca da época da glaciação, de mais de 10 mil anos!”, explica Pedro, ao mesmo tempo em q busca agarras pra lagartixar pela rocha. “Aqui tb é perfeito pra escalada, ta repleto de boulderes aproveitados pela galera de Valinhos e Campinas, mas é preciso catalogá-los!”, completa.

Dali prosseguimos bordejando o cercado ate adentrar num foco de mata maior, onde o frescor da sombra foi bem recebido pelo corpo ardendo de calor. Após fuxicar aqui e ali encontramos uma larga vereda q se esgueirava através da mata seca e espinhenta na direção de outro setor da serra, onde qual foi nossa surpresa ao desembocar numa suave encosta literalmente coalhada de pedras! “Caralho, se a serra fosse um brigadeiro, o confete certamente seriam as pedras!”, pensei. A beleza era singular pois ali a paisagem era toda dominada por matacões, de tds formas e tamanhos.

Após perambular um pouco pelos arredores daquele “mundo de pedra”, encostamos na agradável sombra duma rara arvore de tronco retorcido, onde além de descansar do forte calor, beliscamos o lanche das mochilas. “Um tchibum agora cairia bem!”, falei pro Pedro. Ele respondeu q nos Cocais nascem diversos córregos e ribeirões formadores do Rio Atibaia, Pinheiros e Capivari, mas q por conta da forte estiagem q se debruça em td estado de Sampa boa parte deles se encontra sem um pingo d’água.

Por volta das 15:40hrs começamos o retorno pelo mesmo caminho da ida, confabulando sobre as ameaças q se abatem sobre o lugar. Este breve e despretensioso passeio havia sido mais q prolífico e esclarecedor no q se refere aos Cocais e, principalmente, no q se refere à urgência de sua preservação. Exploração de granito, fruticultura diversificada e, principalmente, expansão imobiliária são as principais fatores q colocam em risco a integridade do pouco q resta deste rico e inestimável patrimônio natural. Existe a proposta da criação duma APA q abrange este setor mais preservado da Serra dos Cocais, mas q por falta de movimentação popular e interesse das prefeituras dos municípios envolvidos sequer saiu do papel. Quem sabe assim Atibaia ainda consiga fazer jus ao próprio nome, q em tupi-guarani significa “terra de muita pedra.

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

1 comentário

  1. Que legal…moro em Valinhos e nunca havia falado dessa região. Acho que a maioria das pessoas que moram aqui pouco sabem a respeito da Serra dos Cocais também. Ah..quanto ao processo de tornar-se APA foi indeferido e arquivado em 2018.

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