Costa dos Coqueiros – De Arembepe à Mangue Seco – 1º e 2º dia

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Após quase um mês rodar o centro do país tava resoluto a fechar aquela longa trip c/ uma prainha básica de forma bem peculiar. Sempre desejei conhecer o litoral norte bahiano, a ´Costa dos Coqueiros´, na base da pernada, ate q enfim juntaram-se as condições básicas – pouca grana e tempo de sobra – já q o ´planejamento´ limitava-se ao conhecimento prévio adquirido na ´Costa do Descobrimento´ e uma certa dose de improviso. E lá fui encarar esta travessia, saindo de Arembepe (BA) e concluindo em Mangue Seco (SE), num trecho do litoral espremido entre o verde-esmeralda do mar e o cinza do asfalto da Linha Verde, rodovia ecológica q acompanha todo o trajeto. Esta árdua caminhada de quase 180km divididos em 8 dias revelou-se um achado atrás do outro, onde povoados primitivos de pescadores convivem lado a lado com luxuosos resorts. Td isso em meio à beleza de praias enormes e desertas, faixas intermináveis de coqueirais perfilados, tartarugas marinhas, rios, manguezais, lagoas e dunas. Muitas dunas.

1º DIA – PAZ E AMOR EM AREMBEPE – Após curtir o ´aê, aê, aê´ de Salvador, me mandei p/ rodoviária sob o sol abrasante do meio-dia, onde tomei o coletivo (q sai a cada hora) rumo à Linha Verde, q partiu as 14hrs. No busão, tive q ficar esperto, pois durante o trajeto ele vai catando passageiro a torto e direito, s/ respeitar limite de lotação alguma! Em pouco tempo, já havia gente no corredor saindo pelo ladrão, o q dificultaria minha descida. ´Com licença! Com licença!´, e deixei meu cômodo assento p/ ficar o + próximo da porta, no entanto, apesar de relativamente próximo, demorou pra chegar a Arembepe e amarguei o resto da viagem espremido no corredor, equilibrado numa perna e varias sacolas de outros passageiros.

Viagem demorada é isso ai. Logo após deixar Salvador pega a BA-099, chamada de ´Estrada dos Côcos´ nos primeiros 50km, atravessa os municípios de Lauro de Freitas e Camaçari. O bus passa pelas entradas de algumas praias urbanas + democráticas, tipo Buraquinho, Abrantes e Jauá, e outras nem tanto, privadas, c/ seguranças armados, como Busca-Vida e Interlagos.
Após quase 50km rodados, saltei na rodovia, bem na entrada pra vila de Arembepe quase 15:30. Daí tive q andar os 4km pelo asfalto ate a vila propriamente dita. Estradinha bem movimentada, tanto de pedestres como de veículos, em meio a um enorme descampadão cheio de capim de restinga e uma placa indicando ´APA Rio Capivara´. Bem q tentei carona, s/ sucesso.

Chegando na vila – bem estruturada, c/ um centrinho simples – me dirigi à praia, logo atrás. A maré tava alta e o mar agitado, o q me obrigou a caminhar tropegamente pela areia fofa os 20min seguintes, rumo norte, já dando um preview da dificuldade de andar nestas condições. Neste trecho há alguns quiosques e casas simples a beira-mar, mas logo depois td some e começa um coqueiral interminável, já s/ banhistas. Meio cansado (já?), sigo pelos coqueirais (terra + firme) onde logo acho uma estrada de terra q termina numa das sedes do Projeto TAMAR, e logo após, as casinhas de palha espalhadas pela praia, sob a sombra fresca dos coqueirais já me dizem q estou na Aldeia Hippie, local do meu 1º pernoite.

A Aldeia Hippie é um local no mínimo pitoresco, em meio à restinga e coqueirais, afastado do centrinho. Me informei q em qq casinha vc pode encostar a barraca, e procurei a q estivesse melhor protegida pelas pequenas dunas do forte vento q vinha do mar. Acabei ficando no ´quintal´ do Luis (um clone do Carlinhos Brown!) q se dizia artista plástico, bem desencanado, cuja cabana era uma zona só, infestada de gatos (uns comendo o rango da panela, sobre o fogão) e muito bagunça, c/ quadros e artesanias espalhadas por todo canto. Minhas vizinhas de barraca eram umas simpáticas espanholas ripongas, devidamente ´acasaladas´ c/ legítimos bahianos. ´Namorados Nativos!´, diziam elas, orgulhosas. Me falaram q foi ali q aportaram Janis Joplin e M.Jagger, após serem expulsos de Salvador, nos anos 60, dando fama mundial à essa antiga vila de pescadores. Enfim, o ´camping´ era isso: não havia energia elétrica, nem água encanada.. Haviam algumas rústicas bombas d´água espalhadas, quase todas quebradas. E agora? Banho só num rio próximo, e água potável só de garrafas adquiridas no centro ou tendo coragem pra beber a do rio..

Instalado, fui tomar banho e dar um rolê. Atravessei os coqueirais e muitas cabanas similares espalhadas por ali, bem simpático mesmo. Me senti num filme do Robinson Crusoé ou da Lagoa Azul de tão rústico o ambiente. No meio da aldeia havia um local chamado de ´barraco comunitário´, q não passa de uma feirinha hippie, onde os moradores alternativos expunham suas artesanias p/ vender aos poucos turistas q iam ate ali por excursão (sim, ali foi tombado como patrimônio histórico!) Claro, o fumo rola solto, numa boa, s/ grilos! Ali, atrás de uma cabaninha fechada q devia ser ´restaurante alternativo´, vi q uma das bombas tava funcionando e não titubiei em abastecer minhas garrafas d´água, garantindo o precioso líquido já p/ o dia sgte. Claro q adicionei hydrosteril, embora o gosto dela fosse meio ferruginoso.

Após a Aldeia, andando pela areia em meio a capim e restinga chega-se num rio bem calmo, numa área de várzea, o Rio Capivara, onde haviam algumas pessoas já se banhando em suas águas escuras. O calor me obriga a fazer o mesmo, constatando q esse rio de água doce é boa pedida naquele horário. Ali, convenientemente instalado, um vendedor de bebidas e seu inseparável isopor me providenciam uma bem-vinda cerveja, q divido c/ uma outra riponga (capixaba, q do nada apareceu e colou junto), e me diz q ta ali faz meses, acampada sozinha, no meio dos arbustos e a restinga. Bem q tentou me convencer a conhecer a ´residência´ dela, porém seu visível interesse no meu mirrado bolso, sua aparência pra lá de esculachada me fizeram recusar sua oferta.

Voltei p/ vila onde fiquei a toa o resto da tarde, conversando ou apenas apreciando a maré alta chegar quase ate a base das dunas, onde coqueirais balançam ao sabor do forte vento soprando do mar. Na areia fofa da praia, inúmeras varetinhas brancas espalhadas indicam locais de desova de tartarugas, e de cima das dunas da aldeia temos um pôr-do-sol espetacular, a oeste! Enqto isso, aproveito p/ um lanchinho rápido dentro da barraca, apenas pra enganar o estomago.

Ao cair a noite chega mais um casal paulista ali, e quase toda galera acampada se junta na cabana do Luis, q assiste TV num pequeno aparelho movido a bateria. Tento sentar num sofá, mas quase acabo esmagando dois gatinhos recém-nascidos. Claro q ali rolou uma ´cannabis´ básica, mas o sono, cansaço e necessidade de levantar cedo o dia seguinte falam + alto. Bem q quis dar uma volta de noite pela praia, pois Luis fala q era possível ver tartarugas desovando, mas me despeço da galera p/ na seqüência desabar na minha barraca.
A madrugada – estreladíssima – foi marcada por forte ventania, mas o pior foi uma galera q resolveu fazer um ´luau´ barulhento bem próximo, o q de certa forma me irritou. Paciência. O jeito é levar na boa, no melhor estilo paz e amor, né? E, c/ enorme esforço, consegui pegar no sono novamente. Enfim, passar pela beleza e rusticidade de Arembepe é uma experiência singular, já q não foi somente descoberta pelos hippies de outrora e q ainda mantém seu estilo de vida alternativo, é também prova q as tartarugas tem tb ate bom gosto em escolher locais paradisíacos pra desova..

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2º DIA – JACUÍPE, GUARAJUBA, ITACIMIRIM – Acordei cedo na terça-feira afim de não pegar maré alta nem o sol escaldante, levantei acampamento e iniciei a pernada por volta das 6hrs. Cruzo a duna rente a orla e logo me vejo na razoável faixa de areia q a maré (semi-baixa) permite andar, o refluxo do mar deixa a mostra pequenos recifes e barreira de corais q formam pequenas piscinas em todo trajeto, invisíveis na tarde anterior. Poucos casais perambulam, ainda apreciando a bela alvorada q tinge gradualmente de um laranja singular o céu no horizonte.

A caminhada começa c/ alguma dificuldade, devido à mediana (e fofa) faixa de areia, mas logo depois a areia fica dura e firme. Logo, c/ o sol despontando à minha direita, ando por uma praia q parece não ter fim, incrivelmente deserta, na qual apenas o remexer dos coqueiros, a arrebentação do mar e alguns elétricos quero-quero quebram a monotonia e o silencio q me acompanham os quase 9km q são reconhecidos como ´Praia de Arembepe´. De praxe, inúmeras varetinhas do TAMAR em todo trajeto.

Lá pelas 8:30 a praia termina no 1º rio a transpor, a Barra do Jacuípe, um enorme, calmo e sinuoso rio q atravessa um manguezal considerável, do outro lado, a pequena vila pesqueira de Jacuípe, onde os rústicos quiosques começam a arrumar charmosamente as cadeiras e mesas dentro das partes bem rasas do rio, q noutros trechos é visivelmente fundo, s/ chance de atravessar, mas não há nenhum barqueiro a vista. Na verdade a Barra do Jacuípe é onde 2 rios se encontram, o Capivara (aquele onde me banhei) e o Jacuípe.

Pergunto p/ uns locais q pescam robalo e arraia, perto dali, q me dizem q devo adentrar o manguezal, rio acima, na parte + estreita do rio, onde de fato havia um barqueiro de prontidão. Andar rente o mangue, c/ água quase na cintura e pé na lama já é meio penoso, porem necessário. No local indicado aceno pro barqueiro e aguardo sentado, sob a sombra fresca de um coqueiro. A travessia de canoa (bem simplezinha) é marcada pela conversa q tenho com o pescador, q usa a dita cuja pra levar turistas passear rio acima, pelo mangue. Reclama da profusão de esportes náuticos q nos feriadões ali se concentram principalmente jetsky, q espanta os peixes q abastecem sua mesa, tipo charel, tainha, mero e carapeba.. Mostra ate uma enorme rachadura na canoa devido a uma colisão com um deles.

Do outro lado do rio e descalço, retomo a caminhada através da pacata e simpática vila, onde os poucos turistas já começam a chegar pra se bronzear. Após subir o rio já estou novamente na Praia de Jacuipe, muito bonita, larga e ampla, perfeita pra caminhar. Rente a orla, muitas casas q se misturam aos coqueiros, sempre presentes. No inicio há muitos banhistas, porem eles tornam-se escassos a medida q nos afastamos do rio. Logo, minha companhia são os pequenos siris e caranguejos, q saem (ou entram) em suas tocas diante minha aproximação. Meu cuidado é não pisar nas inúmeras águas-vivas de cor lilás, tb onipresentes neste trecho. O vento e a maresia conseguem, em parte, aplacar o forte sol q começa a torrar o lado direito do meu rosto. E assim a caminhada prossegue por + 1hr.

Lentamente, a presença maior de gente e casas (cada vez + tchans) anunciam q estou próximo de outro point, e um vendedor de coco montado num legitimo ´jegue-coco´ confirma isso. Estou em Guarajuba. Logo me encontro numa praia bem urbana, e opto por caminhar – já sentindo o esfolar da sola do pé – de chinelo pela ciclovia q acompanha a orla, onde os quintais são muito bem cuidados e as casas são ate luxuosas, em contraste com a vila anterior. Vendedores de boné, óculos, artesanias, picolé e acarajé perambulam pelas claras areias dali! Tatuadores de henna tem de monte tb!! De Arembepe ate aqui foram 17km!

São quase 10:30 e o sol ta de rachar! Cansado, encosto num dos zilhões de quiosques – q se misturam com guarda-sóis – q estão na praia principal, onde mando ver 2 Primus geladas (porem salgadas no preço), uma casquinha de siri c/ carne de sol, q serão meu almoço, alem de coletar informações úteis. Se quisesse ficar aqui o camping é possível diante das casas, pois há uma extensa e larga faixa de restinga, c/ muitos coqueiros separando-as do mar. Mas aqui há muita muvuca, muito turista pro meu gosto, meio farofado até…parecia ate Guarujá!
Tomo um banho num dos vários chuveiros comunitários e parto pro centro da vila, à procura de um armazém pra me abastecer. Guarajuba é bem urbana, ta td asfaltado e as casas são bem chiques. No armazém compro suprimentos e mando ver um hamburgão, pra logo em seguida descansar (e tirar ate um cochilo) na bem cuidada praça q antecede a praia.

Mas o dia ainda não terminou e resolvi sair daquela muvuca, mesmo c/ o sol fritando miolos. Não são nem 13:30 e já estou na praia novamente, desta vez de chinelo pois a areia ta fervendo! Aos poucos, vou me afastando da muvuca de Guarajuba e dos quiosques, assim como banhistas, logo começam a rarear, apenas uma casa aqui ou acolá.
Me encontro agora no inicio da extensa Praia de Itacimirim, c/ sua faixa de areia firme se estreitando cada vez +. O mar agitado é chamariz pros poucos surfistas q ali marcam presença. Na torneira de uma pousada a beira-mar abasteço meu cantil, sempre preocupação constante, e a caminhada prossegue. Itacimirim é bonita, deserta e parece não ter fim. Mas já estou bem cansado, já de olho num local pra encostar a barraca. Uma senhora me diz q estou na Praia da Espera (ainda Itacimirim), q ficou famosa por ser a praia onde Amir Klink aportou após voltar de viagem da África. No entanto, eu não via hora de achar lugar decente pra ficar, mas tava difícil, ora tava ocupado por alguma casa ou pousada fechada (c/ caseiros vigiando), td em meio a muita mata de restinga alta espinhenta, s/ chance! E a maré subindo..

As 15hrs resolvi encostar na frente de uma pousada mesmo, aparentemente desativada, s/ ninguém a vista. Ledo engano, logo o caseiro apareceu, mas expliquei minha situação e ele permitiu o pernoite no quintal da mesma, em meio a muitos coqueiros, de frente pro mar! E o melhor: havia uma caixa d´água da qual caia água fresca, q foi minha ducha vespertina!! O restante da tarde foi de merecido descanso e relax, sob a sombra das amendoeiras e coqueiros da pousada. Estava numa praia deserta, literalmente numa pousada, apreciando o mar bravio, no qual eram visíveis as tartarugas e golfinhos nadando entre as ondas!! De onde estava, tb podia apreciar meu destino no dia seguinte, o Farol da Praia do Forte, pequenino numa ponta no extremo norte! Deitei cedo, cansado. À noite, apesar de ventar razoavelmente, estava agradavelmente fresca e estreladíssima! Diferentemente da anterior, o silencio permitiu q dormisse numa boa, s/ nenhuma intercedência!!

Costa dos Coqueiros – De Arembepe à Mangue Seco – 7º e 8º dias
Costa dos Coqueiros – De Arembepe à Mangue Seco – 5º e 6º dias
Costa dos Coqueiros – De Arembepe à Mangue Seco – 3º e 4º dias
Costa dos Coqueiros – De Arembepe à Mangue Seco – 1º e 2º dias

Texto e fotos de Jorge Soto

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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