Descendo o Vale do Itapanhaú

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Uma das mais tradicionais e selvagens caminhadas pela Serra do Mar, a &ldquo,Trilha do Rio Itapanhaú&ldquo, (ou Mogi-Bertioga, como tb é conhecida) tb não saiu ilesa das fortes chuvas de verão q afetaram a região sudeste neste inicio de ano. Gdes e enormes deslizamentos comprometeram alguns bons trechos (outrora óbvios) desta famosa vereda q desce o litoral através de 15km íngremes de encostas e cristas em meio à verdejante Mata Atlântica, acompanhando o Rio Itapanhaú em seu sinuoso trajeto rumo Bertioga. Mas o q pode desestimular uns pode a ser desafio pra outros. Sendo assim a famosa picada agora só pode ser efetivamente vencida com alguma persistência, pouco vara-mato e bom farejo da continuidade da trilha.


Não bastasse pouca grana e tempo hábil escasso pra programar alguma trip de última hora, ainda por cima tive o feriado prolongado abreviado e limitado apenas a um simplório bate-volta de fds. Claro q não pensei duas vezes em voltar pras bandas do Rio Itapanhaú, lugar onde costumo repetir ou fazer algumas variações de pernadas conhecidas. Logicamente desta vez sem pressa alguma, inclusive com a intenção de pernoite ao sopé da imponente Cachu do Elefante. Bem, mas o q em tese era pra ser sussa mostrou-se ligeiramente pauleira, mas antes de nada vamos começar o relato do seu inicio, claro.

A previsão meteorológica acertara em cheio e lá estávamos eu e a Laure saltando na SP-98, as 10:45, com um sol radiante cozinhando nossas cacholas. Conosco desembarcou do latão “Manoel Ferreira” uma galera numerosa (e farofeira) q provavelmente tb ia acampar no Itapanhaú e da qual nos distanciamos um pouco. Sem pressa, ajeitamos as mochilas nas costas e começamos a andar pelo asfalto movimentado da rodovia Mogi-Bertioga, com gde fluxo de veículos com prancha no teto descendo pro litoral. O transito movimentado e lento estimulou ate o inconfundível Seu Geraldo a vender suas frutas e hortaliças provenientes de seu quintal à beira da estrada, e com quem conversamos rapidamente durante nosso caminho.

O calor no aberto estava insuportável, mas felizmente após uma placa indicando o km 81 deixamos o asfalto em favor de uma picada óbvia à direita, pra mergulhar no frescor da mata fechada, quase uma hora após iniciada pernada. O odor inconfundível de carbureto invade as narinas mas logo é substituído pela fragrância de vistosas damas-da-noite à beira da trilha, por sua vez permeada de pedras e raízes brotando da terra. Descendo suavemente, logo passamos pelos troncos carcomidos do q já fora uma ponte, pra então costear a serra pela direita desimpedidamente. Mas logo o som de água marulhando nalgum lugar à nossa direita nos acompanha por um tempo e se traduz finalmente num raso e cristalino riacho, o Rio das Pedras, q cruzamos com água ate as canelas logo sem maiores dificuldades.

O relógio marca meio-dia e é na margem de uma convidativa prainha fluvial q temos nosso 1º breve descanso, ao mesmo tempo em q conversamos com um jovem casal acompanhado da filhinha, q estavam acampados ali naquele bucólico lugar há dois dias. E ainda tem quem sinta receio de vir pernoitar aqui por conta de suposta “violência”. Pelas infos deles apenas algumas pessoas haviam passado ali naqueles dias e outras haviam retornado. Pq seria? Perguntamos das condições da picada mas isto eles não souberam responder com precisão. Isto cabia mesmo à gente descobrir. Mas os deixamos de sobreaviso q provavelmente o sossego deles ia terminar tendo em vista a galera numerosa q vinha atrás, cuja volumosa bagagem incluía um enorme violão. Isso se eles não fossem descer junto conosco.

Prosseguimos a pernada calmamente envoltos pela mata silenciosa, sempre em nível. Surge então uma bifurcação, mas nos mantemos na picada da esquerda, sempre acompanhando o Rio das Pedras, agora escondido algumas dezenas de metros encosta abaixo, porém perfeitamente audível. A trilha então embica e passa de fato a descer o vale através de uma íngreme encosta. É a partir daqui q começam a surgir os primeiros sinais de deslizamentos&nbsp, sob a forma de gdes arvores tombadas no caminho, inicialmente fáceis de desviar. Mas não tarda pra declividade aumentar de vez, onde ziguezagues íngremes nos fazem perder altitude num piscar de olhos. Aqui, as mãos são tão importante qto os pés, nos ajudando a firmar o corpo nos troncos das arvores à disposição – q servem de corrimão – nos trechos mais pirambeiros, assim como as raízes brotando no chão funcionam como autênticas escadas naturebas. Neste trecho encontramos outro jovem casal na trilha, q caminhava num ritmo bem mais vagaroso.

Mas o q é bom dura pouco pq não demorou a surgir o maior obstáculo da trip e q não estava nos nossos planos, um mega-deslizamento q trouxe abaixo quase metade do morro, sepultando a picada totalmente. Troncos, mato e terra se misturavam à nossa frente tal qual uma enorme muralha disforme a ser transposta! Isso já numa encosta bem íngreme! Voltar? De forma alguma! Respirei então fundo e cuidadosamente fui na dianteira, avaliando o melhor lugar pra começar o avanço, onde foi preciso agarrar-se bem forte nas raízes e galhos disponíveis e ir ganhando terreno devagar, pois o “chão” enraizado estava coberto de terra escondendo enormes buracos.

Varando mato e tateando onde pisava com cuidado, dei o sinal pra Laure e o jovem casal me seguirem, de preferência acompanhando meus pasos. E lá fomos nós, nos embrenhando naquela mistura amorfa de mato e terra, mas qdo dei por mim já estava num tronco sobre um abismo, de onde tratei de sair rapidinho. Nesse trecho a Laure teve alguma dificuldade de transpor assim como a dupla de jovens q nos seguia, pois duvido q tivessem se enfiado ali sem alguma cobaia na frente, pelo menos por livre e espontânea vontade. Foi ai q pensei: “Aquela galera do violão lá atrás não vai passar por aqui nem fudendo!”

O fato é q esse trecho nos tomou um bom tempo e após sair do mato ainda tivemos q procurar a continuidade da picada na encosta. Pela lógica, bastava traçar uma linha imaginaria da mesma através do deslizamento e ver onde daria, na diagonal. Contudo, fiz isso e não achei nada. Ai lembrei q naquela declividade a descida poderia ser aos ziguezagues, foi então q buscando logo abaixo do desbarrancado encontrei os vestígios da tão almejada picada. Desviamos de troncos e galhos espalhados à nossa frente e la fomos nós, caindo finalmente na vereda tradicional, agora já limpa. Ufaa!

Após nos limpar da terra e mato q trazíamos à tiracolo, demos continuidade à pernada convencional desimpedidamente. Após mais alguns ziguezagues pela encosta a vereda alcança um colo serrano, onde uma placa envernizada assinala a memória de alguém, pra então embicar através de uma crista onde se perde altitude num piscar de olhos! Mediante raízes q fazem de escadas e com mato caindo de ambos os lados, este trecho parece interminável e é onde a Laure já demonstra sinais de cansaço, nos forçando a vários pit-stops no caminho.

Contudo,&nbsp, estas paradas eram breves, pois famintos pernilongos não permitiam pausas mais demoradas. Nosso arfar de cansaço na mata só era acompanhado tanto pelo rugido das corredeiras no vale ao lado como pelo esporádico som de veículos da BR-98, q as vezes dava o ar da graça por entre as frestas da espessa vegetação. Enqto isso, do jovem casal nos distanciamos bastante e só tivemos noticias deles no final do dia.

Às 14:30 finalmente alcançamos a famosa bifurcação da cachu, já às margens do Rio Itapanhaú. Nas varias clareiras espalhadas rente ao leito pedregoso do rio encontramos apenas um trio de rapazes q tb desafiara o desmoronamento acima. Geralmente ali costuma estar repleto de barracas, mas o mega-obstáculo de percurso deve ter desestimulado a maioria naquele feriado prolongado. Q seja assim então. Tomando a picada da cachu fomos subindo o rio sem nenhum problema, constatando q tds os bons lugares de pernoite estavam livres e desimpedidos, e q podíamos nos dar o luxo de escolher onde ficar. Mas a gente avançou até estacionar ao sopé da Cachu do Elefante, alguns minutos depois, onde jogamos as cargueiras numa ampla clareira cercada de mato e vários plácidos remansos, habitat de elétricas pererecas saltitando à nossa presença.

Na seqüência fomos nos refrescar num dos vários poços à base da grandiosa queda d´água, q despeja com força seu precioso liquido de uma altura considerável numa muralha rochosa larga e majestosa. Foi próximo dali tb q encontrei uma cobra perdida q rendeu um vídeo divertido, além de um bom susto e precaução redobradas. O restante da tarde ficamos lagarteando seja perto da cachu ou à toa na clareira, donos absolutos daquele pequeno pedaço paradisíaco de Serra do Mar.

Mas bastou a tarde findar q os pernilongos endoideceram, nos forçando a recolher à barraca. Como havíamos esquecido de levar o repelente (fundamental!) não nos restou opção senão ficar enfurnados numa tenda quente, abafada e sem ventilação nenhuma, pra nosso sufoco desesperador. Só saímos de nossa “sauna” pra preparar nossa janta à base de miojo, legumes e suco, um rango q nunca esteve tão delicioso. Felizmente assim q o manto negro da noite cobriu o vale e tanto milhões de estrelas faiscavam no céu na mesma proporção q vagalumes à nossa volta é q deu uma boa refrescada, o q tornou a permanência na barraca mto mais agradável. Mas não demorou pro cansaço nos vencer definitivamente q o sono veio a passos ligeiros, ainda mais qdo calibrado pelo som relaxante da cachu ao nosso lado como pelo visual inspirador de uma enorme lua cheia iluminando td o vale através das frestas da copa do espesso arvoredo.

No dia sgte levantamos assim q os primeiros raios da alvorada tocaram o vale, iluminando tanto a cumeeira das montanhas próximas como o alto da cachu ao nosso lado, q por sua vez resplandecia uma beleza impar e diferente da tarde anterior. Não havia nuvem alguma no céu contrariando a previsão meteorológica, isto é, faria um calor desgraçado naquela selva. Tomamos um rápido desjejum enqto nossas mochilas engoliam td equipamento e zarpamos pontualmente às 8hrs, tomando o caminho de volta à trilha principal, onde de cara topamos com um elétrico e curioso esquilinho.

Cruzamos com a galerinha acampada – à qual acenamos cordialmente – e enfim mergulhamos novamente na famosa vereda, q agora acompanha o Rio Itapanhaú à distancia. Não tem erro, a trilha é bem batida e basta se manter na principal qdo surge alguma bifurcação, provavelmente pra levar a clareiras dos arredores. E lá vamos nós rasgando a mata, sempre tendo audíveis as corredeiras do rio ora longe ora afastadas. O caminho td é em sua maioria em nível, eventualmente com algum sobe e desce qdo surgem alguns pequenos morrotes q são transpostos através de suas suaves encostas. O destaque aqui fica por conta da exuberante e densa vegetação, principalmente as enormes arvores q fariam as do filme “Avatar” parecer bonsais de jardim.

A medida q o tempo passa o calor aumenta, mas felizmente aqui água é o q não falta pois tem sempre algum riachinho q cruza a picada e q deve ser vencido saltando de pedra em pedra, mas não sem antes molhar devidamente nossa goela. Mas após um tempão o terreno finalmente nivela em definitivo a parece q andamos sempre uma reta interminável em meio à mata, onde foi neste trecho q topamos com a segunda cobra da trip. Esta, por sua vez, era bem menor q a anterior, mas ainda assim preferimos não lhe perguntar se era ou não peçonhenta, daí esperamos ela cruzar a trilha pra prosseguir nossa jornada.

Após cruzar mais um riachinho, as 10hrs finalmente emergimos na tradicional Fazenda do Seu Nelson, cujos traços do casario principal remetem uma arquitetura colonial q lhe confere um charme incrível. Atrás o enorme morro Cabeça de Nego silhueta a paisagem emoldurada por um céu azul despido de td e qq vestígio de nuvem, traduzem o dia perfeito daquele domingo. Um rápido aceno pro gentil Seu Nelson antes de prosseguir a pernada, q nos leva finalmente às margens do agora largo e manso Rio Itapanhaú. Cruzando o mesmo com água ate o joelho, a temperatura refrescante da água é mais q um convite demorado pra ali permanecer mais um pouco, desfrutando a água. Como não há pressa alguma é exatamente isso q fazemos e assim nos presenteamos com um longo tchibum antes de prosseguir.

O restante dos quase 3km de estrada de terra ate o asfalto são tão cansativos qto entediantes,&nbsp, não fossem os enormes teiús q cruzavam a estrada nos pregando bons sustos. Outro destaque foi o fato de toparmos com bastante gente indo pras prainhas fluviais do Itapanhaú pra se banhar ou pescar, inclusive um grupo enorme de japoneses. Como o portão principal estava aberto não houve necessidade de saltá-lo como das vezes anteriores, e assim pisamos no escaldante chão da BR-98 as 11:30.

Felizmente mal chegamos q uma lotação parou pra gente, evitando assim q cozinhássemos no asfalto ao forte sol do meio-dia. Não cozinhamos mas fomos sendo torturados durante td trajeto com o estridente som sertanejo do radio ligado no talo. O consolo foi durante o caminho termos a ultima e privilegiada visão da Cachu do Elefante de outra perspectiva, assim como a Véu da Noiva, logo acima. Do interior da van a gente tentava adivinhar onde havíamos acampado ao sopé da cachu, em meio aquele vasto mar esmeralda. Chegamos em Mogi logo depois onde ainda estacionamos num boteco pra comer e principalmente bebemorar a trip antes de prosseguir a longa viagem pra casa, viagem esta feita no mundo dos sonhos, claro.
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Coincidentemente na mesma semana uma amiga esteve pela região e me notificou q outros gdes deslizamentos prejudicaram outros acessos do Itapanhaú como alguns remansos do Rio Guacá, um de seus tributários. Bem, isto é algo q ainda preciso confirmar “in loco” mas tendo em vista o perrenguinho no Itapanhaú não duvido mais de nada. Até lá resta q estas infos não intimidem os bons caminhantes pra q estes continuem palmilhando e (re) marcando novamente o caminho, sempre com a devida responsabilidade. E q o recente desmoronamento seja apenas mais um tempero à aventura q é por si percorrer a “Mogi-Bertioga”. Só desta forma pra manter viva esta famosa e incrível vereda q rasga um dos trechos mais alucinantes da Serra do Mar paulistana.

Texto e fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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