Domingo no Vale Encantado

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Existe um lugar de verdejantes colinas gramadas onde os riachos sussurram por entre cachoeiras e cânions, cercado por altas montanhas e profundos abismos com vistas para o mar. Neste lugar paradisíaco os horizontes são infinitos e as brumas o protegem dos olhares humanos.

Passavam alguns minutos das 5:00 h da madrugada de sábado, 01/05/2010, já havia consumido meio balde de café, devorado dois sanduíches e andava pela sala escura feito onça no zoo quando apelei para o celular:
    – Onde você está Peão?
    – Calma, estou na frente do CPM embarcando o Jurandir e já chego aí.
    
De fato não levou cinco minutos e o Elcio estacionou no portão, socamos mais uma mochila no porta malas e zarpamos para Garuva na divisa do Paraná com Santa Catarina. Viagem tranqüila e com o dia ameaçando raiar entramos no pátio da Santpar, bem aos pés da Pedra da Tartaruga.
   
Mochilão nas costas e as botas rasgando a estradinha que leva até o início da trilha podíamos ver a Pedra da Divisa coroando o enorme paredão que iríamos enfrentar. Dia perfeito e nem os cachorros dos caboclos vinham nos incomodar. Passamos pela porteira e entramos no capim alto, acima dos joelhos, sem nenhuma marca de passagem recente. No meio do pasto um pé de mexirica acrescentou mais um quilo em cada mochila.
   
No Rio Trovoadinha nem paramos, mais capim e muitas teias de aranha até a cerca de arame farpado, do outro lado a floresta nos espera fechada e escura como sempre. O barro é uma constante e o primeiro estrato de vegetação esconde a trilha pouquíssima usada.
   
No trecho desbarrancado a trilha quase some por completo e tudo é úmido, lama e podridão, muito enrosco e alguma dúvida. Atingimos a crista e o cheiro da mata torna-se inebriante. O sol atravessa a alta cobertura das arvores e traz os pássaros, aparecem as bromélias e a caminhada se torna agradável até a proximidade do primeiro mirante quando depois de uma pequena depressão a trilha volta a subir pesado, fazendo um contorno a esquerda que termina abruptamente num paredão.
   
Sentados na pedra nua começamos a realocar o peso; as mexiricas e os sanduíches saídos da mochila vão descansar direto na barriga, mas o tempo canta e tudo que queremos é chegar logo nos campos altos. Adiante da Pedra do Mocó o bicho pega pra valer, é onde a criança chora e a mãe não ouve. O terreno verticaliza, os bambus agarram e as bromélias cutucam debaixo de um calor dos diabos sem ao menos uma mísera brisa para refrescar, o ar é parado, sufocante e o suor salgado escorre pelo rosto e encharca as roupas.
   
As esperanças se renovam quando a trilha escala uma pedra e o céu desponta azul, mas é só tapeação e novamente se mergulha naquele mar de taquarinha encrenqueira até que depois de uma escalaminhada no barranco se rompe a quiçaça e começa o capim. Mais alguns passos pela beirada do abismo e logo após uma colina verdejante surge um suave regato murmurando sobre o leito de pedra. É só alegria quando se descobre que além de estapear a nuca do capeta escapamos do inferno com poucos arranhões. Seis horas pra ninguém botar defeito.
   
Não mais me contive e saquei da mochila uma manga que sozinha pesava meio quilo enquanto o Elcio preparava dois litros de sucão, vou colocá-la para gelar e do alto da pedra a joguei no meio do piscinão esperando que flutuasse com o rio a devolvendo na borda da cachoeira. Mas não é que afundou feito pedra! Cacete, que M…!!!
   
Vivendo e aprendendo, manga afunda! Tira as botas, meias, camisa e calção e tichbumm na água gelada enquanto os dois manés se partiam de rir do bocó. Por castigo não deveria ter dividido o manjar com os dois sarristas, mas sempre fui um camarada por demais piedoso pra deixá-los com aquela cara de cachorro faminto de fronte a assadeira de frango. E ali estava o próprio cão chupando manga, três para falar a verdade, já encostados na Pedra da Tartaruga.
   
Nenhuma nuvem no céu azul e uma brisa suave soprando do mar, é mais do que hora de subir as montanhas e varamos a quiçaça que protegia outro córrego adentrando a encosta do morro. As rampas de grama e lajes de pedra se perdem no horizonte, mil Camapuãs enfileirados, todos com a cara do Araçatuba. Rasgamos as campinas na direção da Pedra da Divisa até que o Rio Quiriri vindo do sul se atravessou no caminho e mudou nossos planos.
   
É simplesmente impossível passar batido neste lugar, encontramos o Vale Encantado onde os riachos sussurram canções de ninar, o vento acaricia a relva e as nuvens deixam um beijo úmido nos paredões de pedra. "Lugar ideal pra se levar a família", só resta saber como. Largamos as tralhas no chão e partimos para exploração minuciosa das grotas, rios, cânions e paredões do degrau atlântico.
   
As várias nascentes do Rio Quiriri ocupam todo o vale que se forma entre as Serras da Imbira ao norte, em território paranaense, e do Quiriri em Santa Catarina ao sul. Os riachos descem das encostas deslizando encachoeirados pelos campos, formando pequenas e graciosas piscinas a cada curva, protegidas dentro de uma estreita faixa de mata ciliar e aprofundam-se em maravilhosos cânions nas proximidades do degrau atlântico quando se lançam ao vazio de centenas de metros em duas cachoeiras separadas por uma pequena elevação.
   
A vista do paredão não é menos impressionante, um imenso desnível vertical todo entrecortado por pilares salientes e profundas reentrâncias que se perdem na altura desmesurada e o balanço das nuvens encobre a densa floresta na base que se estende até a estrada, ao Rio São João e sobe pelas encostas do igualmente notável Pedra Branca do Araraquara.
   
A nossa frente a imponente Pedra da Divisa coberta de florestas até as proximidades do cume quando dá lugar ao espesso capinzal, as costas vemos as primeiras montanhas do Quiriri com suas pedras desnudas e colinas cobertas por um capim ralo que recentemente ressurgiu de um grande incêndio.
   
Incêndio tão recente que ainda guarda muito carvão nos pequenos espaços entre as touceiras, muitas com as derradeiras flores da estação e todas com graciosos penachos de sementes para espalhar a vida pelo vento. Estes campos queimam quase todos os anos e o fogo ali é realmente necessário para preservar o equilíbrio dos ecossistemas, realimentar o solo com o nitrogênio das cinzas, abrir espaço para a luz solar atingir a terra e permitir a germinação de uma nova geração de plantas. O fogo também destrói as plantas invasoras como os pinus que viraram esqueletos calcinados e que de outra forma já teriam conquistado todo o vale.
   
Com a tarde chegando ao final estabelecemos acampamento num elevado a poucos metros de uma singela cachoeira. Tanto o Elcio como o Jurandir preferiram armar suas barracas, mas eu optei por dormir ao relento e experimentar a eficiência do novo saco de dormir com plumas de ganso para -16ºC/conforto X -37ºC/extremo que o Otaviano e a Carol trouxeram para mim do Chile neste verão. Muita conversa jogada fora durante a janta, piadas e o espetáculo da dança dos laser atravessando a neblina densa que subia do mar. O papo estava muito bom, mas o dia foi intenso e o sono já cobrava a conta derrubando os bodes de tanto cansaço, cada qual em seu mocó até o dia amanhecer.
   
Acordei apenas uma vez durante a noite, incomodado com a luz da lua e a temperatura beirava os 5ºC positivos muito úmidos com certas partes do saco já encharcadas pelo orvalho. Só cobri a cabeça e voltei a dormir no quentinho até o sol romper a aurora, sleep bag aprovado!
   
O domingo despertou menos benevolente que o sábado e muitas nuvens se despedaçavam contra a Pedra da Divisa com sua comissão de frente já vencendo o degrau atlântico e deveríamos ter considerado o aviso apesar de ainda não conseguirem avançar para o interior. Nossa confiança nos recursos do GPS até então eram inabaláveis.
   
Depois do desjejum espalhamos nossas tralhas para secar ao sol, separamos o que restou de comida e coloquei minha última e gigantesca manga para gelar no rio. Deitamos o cabelo na direção do Paraná cruzando cânions e muita quiçaça. Depois do último córrego penetramos no capim alto que não fora queimado no incêndio e rasgamos o campo em direção da primeira montanha para alcançar um filo que nos conduziria aos campos de altitude da crista de acesso a Pedra da Divisa.
   
No cume pude apreciar toda a imponência das montanhas que havíamos contornado no dia anterior se erguendo dos campos com suas coroas de pedra desnudas, completamente livres das nuvens que já engoliam toda a Serra da Imbira. Avançando e retrocedendo numa brincadeira de esconde-esconde que amaciava os detalhes e encobria as arestas. Quanto mais olhava as montanhas do Quiriri, menos me interessava pela Pedra da Divisa e finalmente decidi mergulhar na roubada.
    – Pessoal – apontei o horizonte – vou escalar aquelas montanhas lá.
    – Tá louco – retrucou o Elcio – devemos permanecer juntos, prometi pra Solange que cuidaria de você.
    – vai se f… peludo!, tô muito afim daquele pedregulho e pouco me lixando "pros teus probrema"…
   
Quando é prá fazer besteira não tem força no universo que bote juízo na minha cachola. Bobeira pouca é bobagem, o negócio é fazer no meio da sala, sentar em cima e sair arrastando a bunda pelo tapete. Combinamos nos encontrar as 15:00h no Rio da Manga em baixo da Pedra da Tartaruga e arrepiei o capinzal pra baixo do Pico do CZ, com certeza batizado em minha homenagem.
   
No acampamento ensaquei as tralhas e montei a cargueira, com uma fome de leão devorei a manga geladinha que me esperava no alto da cachoeira e com a mochila nas costas parti pro ataque sem olhar para trás. Oh montanha encardida! Fui vencendo-a aos pouquinhos, primeiro as rampas de grama depois escalaminhando entre as pedreiras e já podia sentir o cume quando passei por um lugar fantástico.
   
Por detrás de um gigantesco pilar de pedra há uma floresta com árvores enormes, muito belas e retorcidas, espremidas contra o maciço do cume num espaço pouco menor que um campo de futebol. São árvores das mesmas espécies dos bonsais diminutos que povoam as frestas e as margens dos córregos, mas neste lugar, protegidas dos ventos alcançam escala inédita. Dediquei um bom tempo em apreciá-las antes de enfrentar o derradeiro obstáculo. Subi ao cume totalmente inebriado com a visão daquele micro cosmo isolado, pré histórico mesmo.  
   
Do cume se desenhou um longo filo a oeste que dá acesso a outros dois cumes sempre mais elevados intercalados por outros dois menores e me coloquei em marcha. A solidão e a estupenda paisagem que se abria a oeste me fez esquecer completamente do mundo e parei em cada cume que alcançava cada vez mais hipnotizado pelos largos horizontes que se abriam luminosos e serenos. Me demorei bastante no último e mais alto cume rochoso daquele espigão gigante com um grande vazio a frente até se erguerem outras montanhas não menos imponentes do outro lado do vale.
   
No horizonte longínquo a Pedra da Divisa estava invisível dentro do mar de nuvens, a frente o céu estava límpido e o Morro da Antena ou Bradador riscava o céu azul com sua espada de ferro e a leste, as nuvens brincavam com a Pedra da Tartaruga. Preguiçosamente comecei a descer pelas encostas contrárias a direção que percorri na vinda e na medida em que descia as outras elevações mais próximas começavam a esconder os poucos pontos de referencia que conheço naquele lugar. Na base do rochedo tomei a direção do leste para caminhar até a Pedra da Tartaruga, mas ao vencer uma primeira colina me deparei com uma parede de nuvens avançando rapidamente para o interior do planalto. Em minutos estava cercado pela espessa bruma numa região que não existem caminhos. Minha única certeza é que as montanhas que desci se situavam a minha esquerda e é pra lá que fui na esperança de enxergar por cima das nuvens alguma referencia segura. Escalei tudo de novo.
   
Enquanto subia, a neblina se adensava mais e mais até que a visão não ultrapassava os cinqüenta metros, no cume a coisa só piorou, mas dava pra acompanhar a crista que despencava abrupta nas duas laterais. Segui tateando até o primeiro cume que escalei naquela tarde, contornei aquela inconfundível fenda pré histórica na tentativa de encontrar algum rastro de nossa passagem no dia anterior e praticamente varri toda a encosta leste passando por lugares, veios d´água, banhados e quiçaças que nunca tinha visto antes. Nada de rastro, nenhum indício, só um opaco cinza escuro e a visão nem mais ultrapassava os dez metros a frente.
   
Comecei a descrever longos zig-zags pela gigantesca encosta na esperança de encontrar uma pegada, um tufo de capim deitado ou um pequeno ramo quebrado. Capim novo não deixa marcas, levanta feito elástico logo depois de amassado. Depois de uma hora andando sem destino não tinha mais a mínima idéia de onde ficava o norte, o leste ou o oeste, a névoa tornou-se palpável e poderia até pegar um pouco dela para guardar na mochila. O vento parou e o silêncio tornou-se ensurdecedor.
    – Fodeu! – falei pra mim mesmo.
   
E toda aquela solidão despencou na minha cabeça de um só golpe. Bateu o desespero, o coração apertado por uma angústia indescritível. Merda! Quanto mais ando, mais perdido fico. Ruíram todos os planos para a noite. Adeus suco de milho, queijo em trança e chouriço de porco no Santpar. Adeus banho quente e cama limpa. Adeus barriga cheia e coca-cola. Comecei a gritar feito um condenado e gritei até perder a voz. Em reposta só o eco rebatendo entre as montanhas.
    – Onde estão estes viados que não me escutam?
   
Sentada no meio do nada estava erguida uma estátua a burrice e ao desespero. Um pássaro preto assentou-se num esqueleto calcinado de pinus bem ao meu lado, me fazendo companhia com toda a sua tranqüilidade e devagar foi me transferindo sua calma e segurança. Ao longe, quase no infinito, me pareceu roncar um motor. Agucei os sentidos e consegui sentir na pele as vibrações da estrada. Vinha das costas, então girei no eixo para deixá-la na minha esquerda, pronto aquela montanha da florestinha estava em algum lugar na minha frente, era só subir, subir e subir.

Tinha meio salame italiano, 700 mililitros de água, um pacotinho de Tang e um miojo, mas nenhum butano pra cozinhar (acabou na noite anterior), então vai cru mesmo. Lá em cima deve ter sinal de celular pra ligar para casa avisando que vou passar mais uma noite agradabilíssima ao relento e com um pouco de sorte talvez consiga até falar com o Elcio antes que chame o ResgatE. Amanhã, nas primeiras horas, quando o vento mudar para terral soprando as nuvens para o mar desço rapidinho daqui. Subi as cegas enquanto me desguelava de tanto gritar e por um instante pareceu-me ouvir uma resposta, mas depois só ficou o silêncio. Continuei em frente e pra cima.
    – Deus, sei que não mereço – pensei em voz alta – mas o Senhor bem que poderia me ajudar mais esta vez.
   
Com mais dez ou vinte passos alcancei o último cocoruto antes do cume e fiquei exposto a face oposta da montanha quando ouvi os berros a menos de cem metros.
    – Juuulio… Júúúlio.
    – Aquí, aquíííííí – Caracas! Só estava me esperando jogar a tolha? Devo mais uma, estou sinceramente agradecido, Senhor!
   
Os dois apareceram feito fantasmas saindo da bruma bem na minha frente e não pudemos conter um abraço de alegria pelo reencontro dramático naquele mundo cinza. Mas nem se passaram dois minutos e já estava debaixo de uma torrente de repreensões e xingamentos de toda a sorte. Ouvi tudo com o rabo entre as pernas e muito agradecido pela dedicação e companheirismo demonstrado pelos amigos.
   
Eles haviam deixado as mochilas na entrada do mato e na pressa esqueceram as lanternas vindo apenas com o GPS refazer de trás para frente todo o trajeto que anunciei que faria e eu tinha uma lanterna e todo o equipo para o pernoite, mas não tinha a mínima idéia de como sair dalí. Então se não tivéssemos nos encontrado a coisa iria ficar mais feia para eles do que já estava para mim. Zarpamos rápido e as 18:00 horas já estávamos na boca do mato, prontos para iniciar a descida do imenso degrau atlântico.
   
Uma luminosidade fantasmagórica dominava o ambiente, algo vindo de todos os lados e de lugar nenhum. Descíamos rápido, aos tropeços pelas raízes, levando de arrasto as taquaras e os cipós. Ao atingir o mirante já não havia nenhuma luz, um breu total além do brilho distante da estrada e das casinhas no pé da serra. Finalmente paramos para respirar e sacar as lanternas das mochilas, com a escuridão acabou-se a pressa.
   
A trilha é manhosa durante o dia e cobraria um alto preço na descida, fechada, pouquíssimo usada e sem qualquer marca ou fita. O ritmo diminuiu bastante e a cada curva surgia uma dúvida, a cada raiz um tropeço, todo cipó tinha seu enrosco e um escorregão ou mais por barreiro. Trocávamos a liderança a todo o momento, apalpando o terreno, seguindo por instinto. Separávamo-nos quando sumia por completo, um ficava parado para aos berros orientar as buscas enquanto os outros seguiam direções opostas pra dentro das grotas. Com um erro de 12 a 20 metros dentro do mato de nada adiantava o GPS em meio a escuridão daquele paredão de barro repleto de grotas profundas. No primeiro vacilo se fratura um braço ou uma perna numa queda súbita.
   
Um estalido seco rompe o silêncio da noite e o Elcio desaparece na escuridão, desaba três metros no buraco empurrando o Jurandir que rola outros cinco metros mais abaixo tentando se agarrar em alguma coisa. Cipó, taquara, pedras e tocos podres descem juntos fazendo grande escarcéu. Não tarda e surge do buraco uma torrente de xingamentos e imprecações, o Elcio está bem, mas do Jurandir não se ouve nada, então adiantei um passo me firmando com os dois pés numa raiz aérea para tentar ver alguma coisa. Seguiu-se novo estalo e despenquei no vazio furando um trançado de bambus secos e podres até parar em cima do Elcio que despejou outro tsumani de xingamentos.
    – Fala Peste! Você está vivo?
   
Ouvimos um resmungo no fundo da grota, pelo menos vivo está e continuamos descendo. O cara não é normal!  Não fala quando tudo está uma maravilha, não emite um queixume sequer quando tudo está virado no capeta e nem xinga depois de despencar cinco metros numa grota escura e úmida. Saindo vivo daqui vou ter que interná-lo no primeiro manicômio que encontrar.
   
Oh trilha infernal! Para cada metro de subida apareceram cinqüenta de descida. A coisa não tinha fim até que o Elcio anunciou que estava sentindo cheiro de aço e finalmente o Jurandir destravou a língua.
    – Cheiro de aço? – perguntou com espanto.
    – Aço, ferro, ferrugem…- respondeu o Elcio já com o saco maior que a mochila.
Fiz-me de desentendido e segui em frente até meia hora mais tarde dar de peito na cerca de arame farpado. Narizinho poderoso, hem! Cheiro de aço! Caracas!!!
   
Ao cruzar o Rio Trovoadinha mergulhei de cabeça e tomei aquele banho para tirar a lama e o budum de dois dias e duas noites no mato, no pé de mexirica outro assalto e partimos felizes para a estradinha com os bolsos e as bocas cheias quando surgiram dois cães atacando furiosamente o primeiro da fila. O Elcio virou-se com a head lamp ligada, mostrou os dentes e grunhiu feito onça. Grrrrmmm! Não ficou um só cachorro pra conferir a veracidade daquele animal fedorento e voltaram a se pronunciar somente embaixo da casa, depois de sentirem-se novamente seguros.
   
No carro com roupas secas e barrigas vazias tratamos de zarpar para a estrada a procura de um retorno, mas que retorno? Pagamos o pedágio xingando a privatização do Lula. O primeiro retorno só no trevo de Garuva que passamos xingando a Dilma. Depois da privatização a única coisa que mudou foram as instalações das praças de pedágio porque os buracos continuam espalhados por ali, procriando sem serem incomodados, é barato mas não vale nada. Passamos pelo mesmo pedágio com as mesmas imprecações contra o governo do PT. No meio da serra encontramos um engarrafamento monstruoso, dois quilômetros por hora, queda de barreira a seis quilômetros. Barreira que desmoronou nas chuvas do mês anterior e duas horas depois ainda estávamos presos no meio da muvuca, famintos, xingando o iletrado Lula, a guerrilheira Dilma e o governo meia boca do PT. O Jurandir sempre quieto no seu canto.
   
Não tem acerto e o nosso negócio é mesmo serra. Serra da Imbira, Serra do Quiriri, Serra do Mar. Qualquer serra serve…montanhista é bicho do contra!

Para ver mais fotos:   
Fotos Elcio Douglas Ferreira

 

 

 

 

 

 

 

http://picasaweb.google.com.br/elciomontanhista/PEDRADADIVISA?feat=directlink

Fotos do Jurandir – Marunbinista82
http://picasaweb.google.com/marumbinista82/SERRADOQUIRIRI1E2DEMAIODE2010#

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Sobre o autor

Julio Cesar Fiori é Arquiteto e Urbanista formado pela PUC-PR em 1982 e pratica montanhismo desde 1980. Autor do livro "Caminhos Coloniais da Serra do Mar", é grande conhecedor das histórias e das montanhas do Paraná.

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