Escalada noturna na face leste do Dedo de Deus

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– Mais adrenalina para se chegar ao cume da montanha mais importante da Serra dos Órgãos

Em julho de 2005 tive minha primeira experiência na montanha mais importante da Serra dos Órgãos e, nunca é demais dizer, do Brasil. Chegar ao cume do Dedo de Deus, cujo desbravamento foi considerado o início da prática da escalada no país, foi fantástico.

No último dia 28 de fevereiro tive outra experiência inesquecível na montanha vencida em 8 de abril de 1912: Junto com amigos, também integrantes do Centro Excursionista Teresopolitano, cheguei aos 1.675 metros de altitude de madrugada, depois de encarar minha primeira escalada noturna no Dedo de Deus. A face escolhida foi a Leste, a mais freqüentada também durante o dia.

Há anos programava essa empreitada, mas os compromissos com o clube e os fins de semana de tempo fechado ou chuvoso acabaram adiando a subida durante a noite. Como recebemos a missão (como clube) de substituir o livro de cume (caderno ou caderneta deixada no topo de montanhas para registrar a freqüência e o escalador deixar suas impressões do dia e da subida), que havia se esgotado com menos de um ano de uso, resolvemos acreditar na previsão do tempo de que não choveria e escalar durante noite. Nesses dias quentes, com certeza ficaria muito mais fácil.

Mas não foi uma noite tão amena assim. Nos cinqüenta minutos trilha acima, até a Toca da Cuíca e onde começam os lances de cabo de aço, suamos bastante. Ventava pouco e o calor característico dessa época do ano castigou.

Mas, para mim e os amigos José Henrique Gomes, Alexandre Formiga, Thamirys Siqueira, Daniel e Leonardo Magalhães, isso não foi problema. Muita água e disposição para encarar os mais de dez lances de cabos de aço, fixados em locais de rocha onde não é possível escalar e que são bem escorregadios mesmo em época de seca.

Com a caminhada e os lances de cabo, foram mais de duas horas até a base da escalada da face leste, visto também que durante a noite a pressa deve ser esquecida e atenção redobrada na hora de colocar em prática os procedimentos de segurança. “Se verificamos os itens de segurança duas vezes, à noite temos que fazer isso quatro”, lembrou bem aos mais novos o amigo Zé Henrique, que já havia feito a noturna no Dedo em outras oportunidades.

Arrasta-arrasta

Quando se fala em escalar à noite, a primeira coisa que deve se pensar é escolher uma via que você já tenha feito várias vezes, pois conhece todos os lances e sabe onde ficam as proteções. No caso do marco do montanhismo nacional, o que complica é o que tem que se levar para cima. Quando se escala durante o dia, depois dos cabos de aço só se leva uma mochila, geralmente carregada pelo participante, com água e um pequeno lanche, além de lanterna e um anorak.

Para passar a noite é necessário levar mais comida, um saco de dormir ou um cobertor térmico, além de mais agasalho. Com isso, a mochila fica mais pesada e complicada de se arrastar dentro das chaminés (fendas grandes o suficiente e onde o corpo do escalador cabe inteiro), aumentando o tempo de escalada.

Subimos pela via Black Out, a primeira aberta na face leste da montanha. Essa chaminé é conhecida por um lance bastante apertado e complicado para quem não conhece o jogo de corpo que tem que se fazer. O escalador vai até o fundo volta em diagonal para direita, subindo um pouco e fazendo o mesmo movimento para a esquerda. Se resolver passar pelo meio, a pessoa pode ficar entalada… Aí é relaxar para voltar um pouco e achar a passada certa.

Depois da Black Out (pelo nome já deu para perceber que mesmo durante o dia é necessário usar uma headlamp, a famosa lanterna de cabeça) entramos em dois lances de fendas mais largas antes do “pulo do gato”. Isso tudo já na madrugada de sábado e vendo Teresópolis iluminada, além de constatar que o movimento na estrada que liga nosso município ao Rio de Janeiro não pára nunca!

Luzes e sons

Outro diferencial de se cruzar a Mata Atlântica à noite é escutar alguns insetos, pássaros e até mamíferos que passam despercebidos durante o dia. Quando começávamos a escalar através dos cabos de aço, ouvimos um grande grupo de macacos, talvez os famosos Muriquis que ainda vivem na Serra dos Órgãos.

Chegamos ao cume por volta das 4h. Foi muita ralação, uma subida cansativa para aqueles que tiveram um longo dia de trabalho, mas valeu muito a pena. Além da experiência única, o sábado começou com cores quentíssimas.

Um nascer do sol maravilhoso nos presenteou e até fez esquecer a noite em claro… E o pessoal só foi cochilar mesmo – com exceção do Leonardo, que trocou o momento mágico da natureza por alguns minutos a mais de sono – depois que o dia havia raiado. Foram cerca de duas horas de descanso para iniciar os rapéis e a caminhada montanha abaixo, também sem pressa.

No início da tarde estávamos novamente nas proximidades da “Santinha”, na serra, e olhando para cima nem acreditávamos na (infelizmente) interminável noite que havíamos passado. Mais fotos do passeio podem ser vistas em www.ceteresopolitano.org

Curso de escalada

O Centro Excursionista Teresopolitano continua com inscrições abertas para mais um Curso Básico de Escalada e Montanhismo e Escalada, o único da cidade de Teresópolis homologado pela Federação de Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro (vide www.femerj.org).

Em 2009, o clube segue a tradição de que a última aula, o batizado, aconteça no marco do montanhismo nacional, o Dedo de Deus. O aluno tem várias aulas práticas usando praticamente todo o material do CET e ainda pode ir a montanha mais importante da Serra dos Órgãos. Só para se ter uma idéia, o preço cobrado pelo curso é quase o que um guia cobra para levar uma pessoa ao Dedo.

Para mais informações sobre o CBME 2009, acesse o site do clube (endereço acima) ou escreva para [email protected]
 

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Sobre o autor

Marcello Medeiros é Biólogo e Jornalista, escrevendo sobre montanhismo e escalada desde 2003. Praticante de montanhismo desde 1998, foi Presidente do Centro Excursionista Teresopolitano (CET) entre 2007 e 2013.

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