Light – Sapo: A travessia “Picachu”

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Neste domingo resolvi fazer uma pernada diferente pelo sertão de Biritiba-Mirim (SP). Uma caminhada que abrangesse o melhor daquele belo setor serrano q antecede a descida até Bertioga, isto é, visu em alto de cume e tchibum no fundo de vale. Um bate-volta de responsa que seria bastante exigente não somente pela distância e desnível envolvidos, como tb pelo fato de boa parte das veredas necessárias de conexão estar em desuso. Noutras, parcialmente fechadas. Por falta de nome melhor apelidei esta despretensiosa roubada de vigorosos 20km de “Travessia Picachu”, pelo fato de contemplar “pico e cachu”. No caso, o alto da Pedra do Sapo e a Cachu da Light. Eis o relato desta perrengosa brincadeirinha dominical.

Pusemos pé no asfalto da SP-98 depois das 9hrs apenas eu, Juliana, Rafinha e Renata sob um céu coberto por opaca e fina nebulosidade. Era pra ter mais gente conosco, mas a chuvarada no dia anterior desestimulou a galera de encarar um programa q já tinha previsão de ser exigente, qto mais molhado. “Melhor assim…”, falei. “Com menos gente vamos ser mais ágeis e terminar mais cedo o rolê!”, conclui pras meninas. Caminhada de asfalto tranquila e repleta de “atrativos”, onde dói constatar q a Mogi-Bertioga é a rodovia q mais avisto animais silvestres atropelados. Já vi de td estatelado em sua margem, desde pequenos símios, aves, tatus e até uma pequena jaguatirica. As vítimas daquele domingo foram uma família de gambás e uma caninana.
 
Abandonamos o borburinho do asfalto cerca de 3,5km após descer do latão e mergulhamos no frescor silencioso da mata fechada. Lá, a caminhada transcorreu sem nenhuma intercedência, principalmente pelo fato da vereda encontrar-se em boas condições. Diferentemente da capital paulistana, a região serrana de Biritiba-Mirim é bem servida de chuva, tanto q a trilha estava majoritariamente cercada ora de água, lama ou enormes banhados. Vale destacar tb q no caminho cruzamos com dois grupos enormes interditando a vereda pela lentidão de seus integrantes, sinal q as cachus seriam bem frequentadas. Com educação, os ultrapassamos ao mesmo tempo em q apressamos o passo. “Vamos logo antes q essa farofa chegue na cachoeira!”, avisei as meninas.
 
Tocando então em frente, num piscar de olhos acompanhamos um simpático córrego q logo é atravessado, e tomando o ramo da direita nas duas bifurcações q se seguem nos vemos palmilhando a vereda oficial q leva a Cachu Furada. Descendo suavemente um vale transversal não tardou a pisar enfim no atrativo, mais precisamente às margens do belo poço situado na parte superior da queda. Contudo qual minha surpresa ao constatar o nível do Rio Sertãozinho acima do nível normal, corroborando a suspeita de chuvas constantes na região. Só q esse excedente de precipitações havia transformado as características normais da q conheço como “Cachu da Pedra Furada”; o rio estava tão cheio q a água represada transbordava do paredão no alto da queda, despencando logo a seguir. Isso ocultava a famosa fenda da cachu, o tal “furo”, por onde a água normalmente é cuspida, tornando a queda bastante convencional. Ainda assim, não deixava de ser um espetáculo muito bonito ver a agua despencando no largo poço, logo abaixo. Claro q só passamos ali rapidamente, aproveitando a ausência de visitantes. “Vamo embora logo q já já aqueles dois grupos vão congestionar o atrativo e vai ser difícil sair daqui!”, avisei as meninas.
 
Como desejávamos tranquilidade e nenhuma farofa a nossa volta, prosseguimos jornada tomando um atalho q dispensa voltar pela mesma picada. Subimos inicialmente o rio, cruzamos uma imperceptível clareira em sua margem e começamos a galgar a íngreme encosta com a ajuda das mãos, q ganharam a mesma importância dos pés. Uma vez na vereda principal bastou simplesmente tocar pela mesma, indefinidamente. Daqui em diante a trilha, menos pisada, se estreita e mostra menos sinal de uso. Ainda assim a vereda é bem óbvia pro olhar mais atento, e acompanha (a distância) o Rio Sertãozinho, q rumoreja nalgum canto a nossa direita. O caminho sobe e desce continuamente em meio a um emaranhado de raízes e muitas bromélias, mas a caminhada no geral é agradável e sussa. 
 
E após meia hora de chinelada nesse compasso q nos deparamos com uma encruzilhada, onde tocamos por aquela q fosse na direção do rio. Assim, a medida q se avança o som inconfundível do rugido duma queda foi se tornando mais alto. E ela se cristalizou por volta das 11:30hr, qdo desembocamos na clareira ao lado da muretinha de contenção da antiga Represa Light, q segura as águas calmas do Sertãozinho pra depois serem despejadas furiosamente rio abaixo pela maravilhosa Cachoeira Light. Um enorme poço ao sopé da cachu convida prum refrescante mergulho, onde depois as águas seguiam seu curso sinuoso sentido serra abaixo. Diferentemente da Cachu Furada, tínhamos aquela dali totalmente pra nós, o q deixou as meninas encantadas! A ausência total de lixo denuncia a pouca visitação. Assim como a Represa Andes, esta bela queda é freqüentada apenas por poucos aventureiros e, claro, por caçadores. Pausa pra descanso, lanche e banho, claro! Até pq São Pedro estava sendo generoso em nos brindar com boas janelas de sol em meio aquela nebulosidade alva e quente.
 
Após quase uma hora lagarteando no alto da queda retomamos a pernada, agora voltando pela mesmo caminho até a encruzilhada supracitada, onde tocamos simplesmente reto. Agora minha idéia era interceptar o tradicional “Picadão do Geraldo”, ao norte, e pra isso tive q raspar o tacho da minha memória. Tocamos então indefinidamente pro noroeste pela vereda principal, q não somente apresenta sinal zero de uso como bastante mato caindo no caminho. Ou seja, frequência nula. Sinais de antigo calçamento de pedras e vestígios de minúsculas pinguelinhas, q exibem pequenas paredes de sustentação semi-intactas, são testemunhos q aquela já fora uma via q já teve seus dias de glória e q hj caiu no esquecimento.
 
Foi naquele trecho interminável q subitamente um brumado escuro se debruçou trazendo consigo os primeiros respingos de chuva, nos forçando a trajar anorakes. Assim, nosso avanço por aquela vereda menos pisada não tardou a nos deixar relativamente ensopados. Assim, recorrendo a minha vaga lembrança da região abandonamos a picada em favor duma perpendicular q, nascia pela direita e tocava pra oeste, sentido “Picadão do Geraldo”. Aqui eu já me situei pois já conhecia a dita cuja de mto tempo atrás, onde falei pro pessoal se preparar pra travessia dum riacho. Batata, não deu nem 5min o largo córrego apareceu, e só foi vencido com água até os joelhos, sem maiores dificuldades.
 
Num piscar de olhos caímos no famoso “Picadão do Geraldo”, vereda q considero a “Avenida Paulista” do sertão de Biritiba Mirim, onde a chuva resolveu parar em definitivo. Daqui bastou seguir pela vereda principal sentido nordeste, sem maior problema de navegação. O brumado tornava opaco td firmamento acima de nossas cacholas, impedindo qq vislumbre das escarpas pontiagudas do Pico Peito de Moça. Bem mais adiante, e após passar as decrépitas pinguelas sobre o Rio das Rolas e Rio das Pedras, abandonamos a picada principal pra nos embrenhar numa discreta trilha q toca pro norte, adentrando nos domínios nas dobras serranas q formam o Vale da Água Fina, agora no frescor da mata fechada e sempre em suave desnível.
 
Foi apenas após uma breve parada pra descanso e reabastecimento dos cantis num córrego cristalino q a pernada realmente apertou. A declividade aumentou e a ascensão se deu através duma piramba íngreme, onde não raramente nos vemos andando por suaves encostas ou cristas florestadas, com mato caindo ora dum lado ora doutro. Contudo, água não é problema pois sempre cruzamos algum córrego no caminho assim como nuvens de mosquitinhos, q inviabilizou paradas mais prolongadas.
 
A pernada, agora lenta, seguiu nesse ritmo até o selado de ligação dos morros em questão, onde um “aceiro” percorria td a crista da serra perpendicularmente. Ali, na cota dos 772m, eu já conhecia doutras ocasiões e é chamada da “Encruzilhada do Yogurte”, por conta do lixo q consiste em embalagens do laticínio, mas q naquele momento se encontrava incrivelmente limpo. 
 
Ofereci então a opção derradeira pras meninas, pq dali em diante a coisa apertaria bem mais: “Se passarmos ao outro lado da serra caímos numa fazenda e terminamos rolê; mas se tocarmos morro acima alcançamos o Sapo, mas não sei qual a condição da trilha… O que vocês vão querer?” perguntei a elas, em tom desafiador. Logicamente q tds toparam subir ao Sapo, independente do q viesse pela frente.
 
Respiramos fundo, fizemos o sinal da cruz e tocamos então pra esquerda, na encruzilhada, uma vez q aquela direção nos levaria ao alto da crista dos maciços q incluem a Pedra do Sapo e da Forquilha. E tome piramba íngreme pro alto, inicialmente por trilha aberta e sombreada pra depois se tornar bastante fechada. E bastante íngreme, diga-se de passagem, onde as voçorocas de bambuzinhos, capim-navalha, capim-velcro e samambaias no caminho rasgadas no peito igualmente serviam de sustentação nos trechos onde o pé teimava em retroceder morro abaixo. Neste trecho inclinado tds nos separamos uns dos outros, cada um abrindo caminho seguindo seu próprio ritmo. O consolo desta penosa ascensão era constatar q ganhávamos altitude rapidamente e, olhando por sobre o ombro, tínhamos generosos horizontes sendo lentamente desenhados.
 
Ganhamos o alto dos 980m da crista serrana coisa de meia hora depois, vencendo assim quase 200m de desnível com suor farto escorrendo pelo rosto e muito mato a tiracolo. Após uma breve pausa de descanso retomamos nossa jornada pela cumieira serrana, agora sentido oeste, de onde já avistávamos o inconfundível maciço do Sapo, emoldurado tanto pelas brumas como pela vegetação. Daqui em diante tive dificuldade em me situar, mas uma vez encontrando rabicho da vereda bastou acompanhá-la sem perder de vista os decrépitos marcos geodésicos no caminho, q funcionam como totens onipresentes a serem seguidos. Uns trechos da crista apresentaram-se bem limpos, enqto noutros voçorocas de bambuzinho teimavam não somente em nos confundir a rota como tb em retardar o avanço, nos obrigando em diversas ocasiões a engatinhar pelo chão pra seguir adiante. Realmente, o mato havia crescido consideravelmente, sinal de q por aqui não passa ninguém a muito tempo. Foi ali q as meninas provavelmente se arrependeram da decisão tomada. “Daqui já não tem como voltar! Agora nossa melhor opção é seguir em frente!”, avisei elas.
 
Finalmente tropeçamos na beira dum fundo selado q nos separava da continuidade da crista, onde pudemos constatar q não faltava muito pra chegar ao almejado Sapo. Havia apenas q descer e subir td aquele gde desnível. E la fomos nos, desescalaminhando quase q verticalmente até o fundo do selado nos valendo de qq coisa a mão, fosse tronco, capim ou arbusto, o q atrasou ainda mais nosso ritmo e, consequentemente meu cronograma. Contudo, uma vez no selado o resto do caminho apresentou-se muito mais roçado, aberto e tranquilo. Resumidamente, faltava bem pouco pra encostar de vez o esqueleto. 
 
Não tardou e caímos num cocoruto rochoso q serve de mirante, onde já tivemos nosso primeiro contato visual com a Pedra do Sapo e a Pedra da Forquilha, assim como somos recompensados com largas vistas do quadrante norte, porém ligeiramente enevoadas! Pausa pra fotos, claro, mas o melhor ainda esta por vir! Sem perda de tempo, continuamos pela crista e logo desembocamos na base rochosa do paredão leste da Pedra do Sapo, q bastou contornar pela esquerda em meio ao arvoredo. Na sequência, após vigorosa escalaminhada onde raízes e tocos servem de degraus auxiliados por uma oportuna corda, já estávamos no primeiro estreito platô de capim ao sopé da pedra! 
 
Exaustos, sujos e mal pagos, alcançamos o topo da Pedra da Forquilha as 17hrs, onde nos estatelamos no chão granítico de cansados q tds estavam, sem exceção. Nossa parada foi breve pq eu estava preocupado em terminar a trilha no escuro, algo q não me apetece em nada. Infelizmente não deu pra subir ao topo da “cabeça do Sapo” por questões de tempo, mas a dica já ta dada pras meninas voltarem la noutra ocasião menos desgastante. O visual maravilhoso q se tem dali tb nos foi negado, pois a frente fria vinda do litoral represava suas nuvens naquele quadrante, q emparedado-as na serra, deixando apenas parcialmente visível o setor norte. Mas somente estar ali, do alto dos 1007m, e vislumbrar os espelhos reluzentes das represas de Jundiaí e Suzano e, com algum esforço, a geometria simples dos vilarejos de Taiaçupeba, Quatinga e Biritiba-Mirim, em meio a muito verde já enchiam os olhos das meninas. Ah, sim.. tds, sem exceção, tivemos q contabilizar ralados e escoriações pelo corpo, além de remover os onipresentes imigrantes ilegais q geralmente pegam carona na gente nestas bandas.. carrapatos!
 
A descida se deu com calma e sem pressa alguma, apesar do horário adiantado, pelo acesso tradicional do Sapo. Isto pq a Rafa começou a sentir fortes dores no joelho e tivemos q improvisar dois bastões com madeira do entorno. Eu fui acompanhando-a, tentando manter o alto astral da guria, a quem inclusive perguntei qtas tatuagens tinha pelo corpo. “Ah, cansei de contar faz tempo..”, respondeu ela td risonha. Mergulhamos então no frescor da mata perdendo altitude e, num piscar de olhos, já estávamos palmilhando a modorrenta Estrada da Adutora, acompanhando os enormes dutos provenientes de Casa Grande. Chegamos em Manoel Ferreira quase na penumbra, ainda a tempo de embarcar no latão sentido Mogi das Cruzes, onde foi celebrada a tradicional bebedeira por este q vos fala.
 
Finalizando, esta divertida pernada que apelidei de “Travessia Picachu” você pode chamar do que bem entender, tipo “Light-Sapo” ou qq denominação que o valha. Fica a gosto do freguês. Da mesma forma, o bate-volta aqui descrito também pode ser feito no sentido q desejar, mas o adotado aqui se deu justamente com o intuito de finalizar no bairro de Manoel Ferreira, uma vez q lá tem um boteco pra sentar (e bebemorar) o final do rolê enqto se espera o busão. Já a vendinha da Balança, as margens da SP-98, raramente se encontra aberta nos finais de semana, o que pode tornar a espera do latão um tanto enfadonha. Bem, isso fica a seu critério. Independente de nomenclatura ou sentido adotado, fica a dica desta aventurinha de responsa q contempla os altos e baixos dalguns dos maiores atrativos deste q é conhecido como “Sertãozinho do Tietê”.
 
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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