O morro do Batistini

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Fundado em 1887, o Bairro Batistini, em São Bernardo do Campo (SP), foi fundado por imigrantes italianos que chegaram no século 19. Entre os primeiros que se estabeleceram ali estava familia Batistini, que além de trazer o desenvolvimento emprestou seu nome ao então amontoado de núcleos rurais. É lá também que se eleva, entre as rodovias Anchieta e Imigrantes, um simpático morro de fácil acesso, que do alto dos seus 900m é testemunha e elo entre o presente e passado, numa região atualmente defendida pela Lei de Proteção aos Mananciais. Eis minha breve e descompromissada incursão nesta bela colina urbanóide da Região do Grande ABC.

Previsão de sol a pino e curto tempo disponível naquele domingo, me veio a dica sussurrada por um colega de Diadema faz muito tempo e foi ela mesmo que abracei: o Morro do Batistini. Pesquisei rapidamente transporte público e cerca de hora e meia depois pisava no Terminal Oeste Santo André, bem do ladinho da Estação Santo André da CPTM. Havia a opção de ir pro Terminal Jabaquara via metrô e lá tomar condução pro meu destino, no caso Ferrazópolis, mas deixei essa opção pra volta. 
 
Pois bem, logo embarquei no trólebus “286 – Term. Oeste (Sto André)/Term. Ferrazópolis(SBC)”, cujos horários são bem regulares aos finais de semana e o melhor, com ar condicionado naquele dia quente pra burro. O latão imeditamente se pirulitou na direção sudoeste, deixando o centro de Santo André pelo seu corredor exclusivo e assim adentrar na região sul do ABC. Viagem rápida esta e bem interessante, antropologicamente falando, a despeito das inúmeras paradas do motora pra reencaixar as varas nos cabos superiores, que não raramente se soltavam.
Ferrazópolis significa “Cidade Ferraz”, em alusão ao seu loteador, o empreendedor paulistano Ferraz Alvim. A região antigamente era composta por sitios e chácaras, que com o tempo deram lugar a instalação de trocentas fábricas e empresas. Bem, uma vez no Terminal homônimo, as 10:30hrs, poderia ter me valido de qualquer condução que fosse pro Bairro Batistini. Mas como quem me conhece sabe que além de ter escorpião no bolso, deve ter ciência que também gosto de abreviar trechos a pé mesmo, conhecendo assim a região.
 
Tomei então a via ao lado do terminal e toquei sempre na direção sul, atentando pra boa sinalização local. Cruzei o trevo da Volks sobre a Rod. Anchieta (SP-150) e dali me mandei pro miolo do Bairro Demarchi, cujo nome da avenida principal homenageia uma tal Maria Servidei. Caminhada tranquila onde aproveitei e passei num mercado no caminho, além dos destaques da enorme obra de contenção de cheias da Volks, as dependências da Basf e a simpática capelinha Santa Maria.
 
O tempo passa e a paisagem muda na mesma medida. O cinza da urbe empresarial dá lugar a abuladas colinas de pasto e mata secundária ao redor, onde a paisagem se abre. Sempre na principal, agora ganhando altitude suavemente, a estrada agora atende pelo nome de Galvão Bueno, novamente em homenagem a um antigo fazendeiro local. Uma placa me avisa de estar adentrando numa área de proteção de mananciais, mas o que desperta mais minha atenção é de ter meu primeiro contato visual com meu destino. Numa curva aberta, enxergo um charmoso domo verde-claro elevando-se por sobre uma linha de pinheiros e eucaliptos.
 
Sempre em frente, alcanço uma bifurcação e tomo a via rente ao pé do morro, ou seja a da esquerda, que atende pelo nome de Estrada Marco Polo. É nessa quina que está Capela Sto Antônio e onde oficialmente começa o bairro Batistini. Agora o jeito é buscar a entrada da trilha no pé do morro, no momento tomada de pequenas propriedades particulares. Picadas grandes invariavelmente me levam a residências, mas no maior foco de mata do início da supracitada via é que encontro a picada de ascensão, bem escondidinha entre pilhas de lixo e entulho. Pronto.
Afundo então na espessa e verdejante no pé do morro e já logo chapinho as botas num vasto banhado repleto de lama, onde nem mesmo algumas tábuas no chão não impedem sair com calçado sujo. Lembrei que nos dias anteriores havia chovido e naquela baixada devia escoar toda umidade do morro. Mas depois desse trecho pantanoso, porém agradavelmente perfumado por lírios-do-brejo, é que a trilha realmente empina pra valer. Mas pelo mesmo motivo anterior, a subida é feita com calma, cautela e paciência uma vez que o solo se mostra liso feito sabão. Pra piorar o chão se mostra erodido, sem degraus ou apoios suficientes, daí o jeito é apelar pra mata ao redor pra se segurar e assim ganhar altura, aos ziguezagues. Altura que é vencida já com suor escorrendo queixo abaixo.
 
Passado o trecho “erodido-escorregadio” o caminho ameniza tanto em inclinação como umidade e o caminhar se torna mais agradável, em terreno seco. A mata é exuberante, embora secundária, e logo me vejo serpenteando um setor tomado de bonitas touceiras de samambaias de quase metro e meio de altura. Surge uma bifurcação mas o caminho é óbvio pro andarilho com farejo de trilha, mas o bom é que aqui existe sinalização até o alto, e oportunas placas indicam a direção a seguir.
 
Mas nosso caminho subitamente dá uma guinada brusca pra direita e passa a bordejar a encosta florestada do morro, acompanhando seu perímetro em nível. Perto dali, cercada de altos pinheiros, trombo com duas enormes clareiras de acampamento, sendo uma delas tomada por duas lonas cobrindo uma armação de madeira. “Não queimar ou destruir o material”, avisa uma placa dando a entender que o mocó improvisado é utilizado com frequência, provavelmente por religiosos. Mas logo depois daquele rancho a vereda ataca novamente a encosta diretamente, subindo forte por raízes que servem de escada, onde a claridade a minha frente sugere que logo sairemos da mata.
 
Dito e feito, num piscar de olhos a vereda abandona a floresta e percorre um capinzal varrido pelo vento, onde prossegue o restante da ascensão. E assim, quase meio-dia e meio, alcanço a ampla clareira que domina os quase 900m do morro. Incrivelmente limpa, com vestígios de fogueira e sem sinal de lixo algum, o descampado tem apenas um marco metálico da Dersa, acompanhado das minúsculas fezes dum bichinho silvestre qualquer. Sim, o alto revela uma bela panorâmica que lembra á os picos do Pedroso. O sul é tomado pelo espelho d’água dos braços da Represa Billings adentrando no meio de colinas forradas de verde; enquanto que a paisagem ao norte é mais urbana, tendo o bairro Batistini em primeiro plano, a nossos pés, as inconfundíveis Rodovia Anchieta, Imigrantes e o trecho sul do Rodoanel; nordeste, ao longe, é que se enxerga a verticalidade da urbe de Ferrazópolis e do restante de São Bernardo do Campo; e a leste, com força, é possível avistar os pontos culminantes do Pedroso.
 
A brisa sopra meu rosto, abrandando assim meu descanso sob o forte sol daquele horário onde goles de água complementam o sanduiche de lanche. Creio que fiquei ali coisa de meros dez minutos e comecei a descer. Pra não voltar pelo mesmo caminho tomei outra vereda bem batida que descia na direção nordeste, como que indo de encontro á Rod. Imigrantes. Mas aos poucos a vereda, escorregadia e lisa feito sabão, foi suavemente desviando pra esquerda (norte) até começar a ladear uma decrépita cerca.  Visivelmente reparei que esta rota daria próximo do lugar por onde entrara, e só restava saber se seria alguma das propriedades particulares que vira no pé do morro.
 
Após um tempo descendo forte em meio o capim a picada abandonou a cerca e começou a tocar pra noroeste, já com declividade mais branda. O detalhe é que aqui o mato começou a se debruçar sobre meu caminho, sinal que este trajeto é bem menos utilizado. Afastando arbustos com as mãos passei por uma clareira com sinais de fogueira e logo trombei com uma minúscula porteira de madeira, que saltei sem dificuldade. Reparei que logo abaixo de fato havia um sitio, mas a picada (agora uma escadaria de cimento tomada de mato) desviou dele, perdendo altitude no meio dum bananal até finalmente cair numa cerca de arame farpado, onde havia vestígio de ser a entrada “clandestina” ao pico. Ali tive que me espremer feito cobra e, com bastante cuidado, consegui pisar no comecinho do asfalto da tal Estrada Marco Polo. Ufaa.. ainda bem que consegui, pois se tivesse alguns quilos a mais essa rota de fuga não serviria e teria que voltar tudo pelo mesmo caminho.
 
Refiz então o trajeto da ida no sentido oposto, afinal, ainda tava com um tiquim de disposição sobrando naquele comecinho de tarde. Apesar da grande oferta de condução até Ferrazópolis e do forte mormaço cozinhando meus miolos, mantive minha palavra de voltar a pé ao terminal, onde cheguei pouco antes das 15hrs. Ali decidi retornar no primeiro trólebus que tivesse dando mole, e assim embarquei no “288 – Term. Ferrazópolis(SBC)/Term. Jabaquara (SP)”, que numa viagem demorada que cruza todo ABC  e me deixou do lado do Metrô Jabaquara. Só ali que pude bebericar minha sagrada “ampola de cevada”, antes de tocar pra casa em definitivo.
 
O Morro do Batistini é programa tranquilo e de menos de meio período, inclusive rolê pra levar até a criançada, uma vez que o desnivel é quase o mesmo do Morro Saboó (São Roque). Esqueci de perguntar aos moradores da região sobre a questão da segurança, mas particularmente não vi nenhum problema com isso. Mas claro que é sempre preciso ter bom senso, uma vez que eu evitaria ir lá á noite e sozinho. Nunca esquecer que é continua sendo um morro urbano e, consequentemente, sujeito aos riscos inerentes á cidade grande. E como é coisa rápida, pra quem estiver motorizado (em duas ou quatro rodas) fica a dica de emendar o Batistini e as elevações do Parque Pedroso, distante apenas 10kms pelo Rodoanel. Noutras, bem pertinho.
 
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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