O que é uma Estrela?

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Talvez o leitor já tenha se acostumado (ou conformado) com meus relatos astronômicos. Eles seguem uma sequência natural, do menor e próximo para o mais complexo e distante. Então, chegamos agora a esses estranhos seres de luz e de mistério: as estrelas.

A formação de uma estrela é um processo estranho e violento, com um fim melancólico ou catastrófico. Vocês sabem que o universo é vazio, com gases esparsos e poucos sólidos. Uma estrela começa a partir de uma região povoada por nebulosas, ou nuvens errantes de gases. Elas são compostas pelo hidrogênio, o elemento mais leve, simples e comum do universo, compondo ¾ de sua massa total.

A densidade inicial da nuvem neste momento ainda é baixíssima: menor do que numa câmara de vácuo terrestre. Uma pequena instabilidade na nuvem, causada por exemplo por uma onda de choque, faz com que ela se adense sob a forma de glóbulos, que a seguir irão colapsar ou condensar em discos precursores das estrelas.

Imagem do Nascimento de uma Estrela numa Nuvem de Gás

Mas o que significa o colapso estelar? Acontece que a força da gravidade destes primeiros glóbulos os faz convergirem entre si. Este processo se retroalimenta: a maior densidade aumenta a pressão, fazendo a nuvem continuar a condensar e aquecer. As regiões onde isto ocorre são como berçários, gerando uma profusão de estrelas e, depois, de planetas.

Além de uma certa temperatura, de dezenas de milhões de graus, começa a ocorrer a fragmentação da nebulosa em partes menores, que começam a girar mais rápido e a aquecer, resultando na fusão (ou junção) dos núcleos de hidrogênio. Eles se aglutinam como núcleos de hélio, que tem o dobro do peso molecular. Um pouco menos de ¼ da massa universal é composta pelo hélio.

Fusões requerem muita energia, mas liberam mais ainda. É este processo que desprende energia e pressão suficientes para impedir o colapso gravitacional. Duas forças opostas: o peso convergente da gravidade vs. a energia divergente da fusão.

Então, este ser rodopiante, volumoso e brilhante é uma estrela. Quando núcleos atômicos se fundem para formar um elemento mais pesado, são liberados fótons que se propagam para o exterior da estrela como luz visível, daí o seu brilho. Enquanto isto acontece, a nuvem original ainda não colapsou totalmente, sendo, portanto, ainda leve e volumosa. O local mais próximo da Terra onde estrelas estão nascendo é a Nebulosa de Orion. Este viveiro aparece como uma mancha cósmica abaixo das Três Marias.

Uma estrela passa praticamente toda sua vida fundindo hidrogênio em hélio, quando se diz que está na (talvez monótona) sequência principal. O tempo em que nela permanece depende da quantidade de combustível que possui e da taxa em que ela o consome, vale dizer, da massa e da luminosidade.

Tempo Necessário para Consumo do Combustível Estelar

O Sol levou 30 milhões de anos desde o início do colapso até a sequência principal, mas deverá permanecer mais 100 milhões de anos ao longo desta sequência. Ficará cada vez maior e brilhante, até fazer em um bilhão de anos a temperatura da Terra chegar a 100°C e extinguir toda a vida. Na escala do universo, não são tempos tão gigantescos.

Estrelas grandes se consomem rapidamente, enquanto as pequenas têm vidas muito mais longas – no extremo, um milhão vs. centenas de bilhões de anos. Alguns cientistas acreditam que há um limite de 150 vezes a massa do Sol para que uma estrela seja viável. As estrelas primordiais, que eram mais leves, puderam existir com massas de até 300 vezes a solar, mas sua geração já está extinta.

Mas o que acontece quando todo o hidrogênio é consumido? Numa estrela muito grande, as camadas exteriores expandem e resfriam para formar uma gigante vermelha. Isto acontecerá com o nosso Sol: ele aumentará 250 vezes, avançando até a órbita de Vênus, arrasando e derretendo os planetas próximos.

Dependendo do tamanho da estrela, começará então a fusão do hélio (que é o próximo combustível) e, em camadas sucessivas à semelhança de uma cebola, cada qual fundirá um elemento mais pesado, do carbono ao oxigênio e do silício ao ferro. É por isto que todos elementos pesados na natureza, acima do hélio, foram criados pelas estrelas, através das fusões nucleares.

Tomando por referência uma estrela grande, o hidrogênio levaria 8 milhões de anos para ser consumido. O carbono, que é seis vezes mais pesado, esgotaria em mil anos e a sílica queimaria em apenas dez dias. Veja como o processo irá se tornando cada vez mais violento.

Mas, neste processo, as temperaturas dos núcleos são inacreditavelmente distintas: 30 milhões de °K no primeiro caso contra 3 bilhões de °K no último. (O símbolo usado representa graus Kelvin, sendo que 0°K equivale a – 273°C e portanto 273°K, a 0°C. A primeira medida é o chamado zero absoluto, tão frio que o movimento cessaria. Kelvin foi naturalmente um físico importante.)

O que acontece a seguir? Quando chega na fusão do ferro, ele não mais libera essa fantástica energia térmica, e sim a absorve – ao invés de evitar o colapso gravitacional, ele o acelera – uma reversão do processo. Estamos agora a bilhões de °K, a pressão torna-se estupenda e, como o ferro é o elemento químico mais estável e não pode ser fundido, toda a matéria estelar é ejetada em frações de segundo a velocidades altíssimas.

Esta é a supernova, cujo brilho fugaz pode ofuscar toda a galáxia a que pertence. Nesta explosão, a estrela pode continuar fundindo elementos cada vez mais pesados, chegando ao urânio – que tem quatro vezes a densidade do ferro, assim como o ferro possui quatro vezes a do nitrogênio e este, quase quatro vezes a do hélio. A primeira supernova foi observada pelos chineses no século XI na Constelação de Touro.

Imagem de Supernova Explodindo

As supernovas são surpreendentes fontes de metais pesados. Sua explosão expele átomos com tal violência que eles se chocam e fundem entre si. São então lançados no espaço distante elementos mais pesados do que o ferro, enriquecendo as nebulosas em formação.

Agora prótons e elétrons não ejetados desabam e se fundem, formando uma estrela de nêutrons. Ou seja, de uma densidade absurda, pois o nêutron é a mais pesada partícula atômica conhecida. Incrivelmente, ela possuirá a massa do Sol num raio de 30 km. Os astrônomos dizem que sua matéria estará num estado exótico e degenerado, com altíssima rotação e fortíssimo campo magnético.

Este ser estranho pode se transformar num pulsar – a condensação da estrela de nêutrons aumentou sua rotação e seu giro intenso passou a emitir uma radiação semelhante a um farol. Ou num buraco negro, uma singularidade (ou anomalia) física onde a densidade é infinita, de tal forma que a luz é capturada, o tempo cessa e o espaço desaparece. Corpos gigantescos como Betelgeuse e Antares terão este destino.

Imagem de um Buraco Negro

Porém nem sempre o enredo é tão violento, há finais menos dramáticos. Estrelas pequenas, chamadas de anãs vermelhas, consomem seu combustível tão lentamente que no fim de suas vidas elas se tornam pálidas, como se fossem moribundas. Elas morrem de velhice, não por acidente – sem violência, explosão ou colapso.

Porém, como seu tempo de vida é mais longo do que a atual idade do universo, de 14 bilhões de anos, nenhuma anã vermelha terá ainda chegado nesta condição. Próxima Centauri, a estrela mais perto do nosso Sol, é uma anã vermelha. Talvez 85% das estrelas do universo o sejam. Ou seja, um hospital de anãs senis, mais do que um hospício de pulsares insanos.

Estrelas: das Gigantes Azuis às Anãs Vermelhas

Já as estrelas médias colapsam só até a fusão do carbono, quando as camadas externas serão ejetadas sob a forma de nebulosas (ou nuvens de poeiras e gases) e os núcleos se adensarão como anãs brancas. São corpos mortos, extremamente densos, com o tamanho da Terra, mas a massa do Sol.

Elas radiarão enquanto sua temperatura não entrar em equilíbrio com o ambiente – a partir de então, serão escurecidas sob o nome de anãs negras. As estrelas que orbitam à volta de Sirius são as anãs mais próximas de nós.

Então, observe que as gigantes vermelhas originam supernovas, que colapsam em pulsares ou buracos negros. As anãs vermelhas sobrevivem como moribundas pálidas. As estrelas médias geram as nebulosas e as anãs brancas, que evoluem para anãs negras. Uma evolução que sempre me pareceu instável e macabra.

Resumo do Ciclo de Vida Estelar

Tenha paciência e observe agora o diagrama sobre a sequência principal das estrelas. Ele é considerado o mais representativo da astronomia. Representa a relação da temperatura (em mil °K) com a luminosidade, que é a energia radiante por unidade de tempo.

Mais importante, mostra o desenvolvimento da sequência principal, desde as estrelas frias e apagadas até as quentes e luminosas. As incríveis trajetórias das gigantes azuis às anãs brancas podem ser então identificadas.

Diagrama de Temperatura, Luminosidade e Magnitude Estelar

Mas existem destinos diferentes destes. As anãs marrons (o universo tem anãs de muitas cores) são tão pequenas que a pressão e a temperatura do núcleo não são suficientes para deflagrar sua fusão nuclear. Assim, nem chegam a ser estrelas, ocupando uma zona cinzenta entre estas e os gigantes gasosos. Exemplos dessas estrelas fracassadas seriam Sedna ou Nêmesis, a primeira sendo considerada um astro estranho e a segunda, um corpo hipotético.

Inversamente, existem as gigantes azuis, como Rigel e Regulus: enormes, densas, quentes e brilhantes, são bastante raras. Estão depois da sequência principal por queimarem hélio e devem ter um destino catastrófico. Ver ao lado uma comparação de tamanhos entre estrelas, desde o Sol até Canis Majoris, cada última estrela à direita aparecendo sucessivamente como a primeira à esquerda.

Comparação de Tamanho entre Estrelas

Os astrônomos usam diversas grandezas interligadas – como massa, luminosidade, temperatura, idade – para classificar as estrelas. Reproduzo ao lado a classificação espectral desenvolvida no Observatório de Harvard, onde uma série de letras define diferentes classes. O nome espectral parece um tanto assustador, mas vem da análise da luz das estrelas, onde aparecem raias ou espectros que revelam sua composição química.

As maiores formações pertencem à Classe O, de estrelas azuis raríssimas, muitíssimo quentes, luminosas e grandes. A mais brilhante estrela no céu noturno pertence a esta classe, é a Zeta Orionis. Como queimam rapidamente seu hidrogênio, são as primeiras a deixar a sequência principal.

As da Classe B são também grandes, quentes e azuis – à semelhança das O, não se deslocam da área onde se formaram, por não terem muito tempo de vida. Assim, formam aglomerações chamadas OB, como na constelação de Orion. Mas não me pergunte quem escolheu este alfabeto.

A Classe A inclui estrelas brancas e potentes, como Sirius e Altair; já as da Classe F são brancas, porém menos poderosas, como Canopus e Procyon. Durante sua evolução, as supergigantes evoluem brevemente das Classes O e B para a Classe G, onde o Sol está alojado.

E, depois, para as populosas Classes K e M (como Alpha Centauri e Próxima Centauri), de cor vermelha e temperatura mais fria, de brilho tão baixo que chegam a ser invisíveis, até chegarem à condição de anãs vermelhas.

Classificação Espectral das Estrelas

Claro que os astrônomos descobriram outras Classes – como as quentíssimas W, as anãs marrons L e T (que podem ser numerosíssimas, talvez mais comuns do que todas as outras Classes juntas, porém invisíveis) ou as estrelas de carbono C. Assim, as estrelas continuam parecendo seres exóticos e enigmáticos, que teimam em desafiar a nossa compreensão.

Grupo Local de Galáxias, que Inclui a Via Láctea

Você sabe quantas são as estrelas no universo observável? Considere que elas orbitam no interior de talvez 150 bilhões de galáxias e, mesmo, até fora delas. Estão tão perto como 4 anos-luz, como a vizinha Próxima Centauri, e tão longe como 13 bilhões de anos-luz, um corpo cuja luz azulada vem dos primórdios do universo. São nada menos do que 300 sextilhões ou 3 x 10²³ de estrelas, mas talvez não haja duas iguais entre si. Neste aspecto, são como você e eu.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

1 comentário

  1. Cássio Andrade em

    É certo que um colunista precisa escrever bem independente de qual assunto seja, mas, como pode alguém escrever tão bem um assunto tão complexo até mesmo para aqueles que atuam na área. Mais do que admirado com o assunto que me desperta tamanha curiosidade, estou em estase com tamanha informação e talento. Você acabou de ganhar um admirador apaixonado por suas palavras, conhecimento e história de vida. Meus enormes PARABÉNS.

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