Pedra da Divisa: Em busca do vale Encantado

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Visível pra quem percorre a BR-376 sentido Joinville tal qual um sentinela rochoso despencando verticalmente sobre os limites estaduais do PR e SC, a Pedra da Divisa tem como acesso tradicional a árdua picada q percorre seus quase mil metros de desnível a partir do próprio asfalto, num quiosque de laticínios. Entretanto, é possível abreviar seu percurso num circuito mais ameno partindo do próprio planalto, palmilhando as suaves colinas douradas dos conhecidos Campos do Quiriri, próximo da fazenda do mesmo nome. Dessa forma, alem de atingir o pto geodésico do pico ganha-se mais tempo pra explorar (e desfrutar) do bucólico local de pernoite, conhecido pelo sugestivo e apropriado nome de &ldquo,Vale Encantado&ldquo,.


A Estrada de Tijucas

Nem mesmo a medonha previsão meteorológica de frente fria quebrando a rotina de dias limpos no sul fora suficiente pra nos dissuadir de plano original de feriado: atingir a Pedra da Divisa, via “Vale Encantado”. Apesar de 70% do restante da trupe amarelar com temor de se dissolver feito açúcar na chuva, a única alteração de planos fora relativa ao roteiro. Ao invés de subir pela tradicional picada da Pedra da Tartaruga, o Angelo nos convenceu q era melhor investir num circuito começando já do planalto, mais precisamente da Fazenda Quiriri, decisão esta q mostrou-se acertada tanto pelo visual como pelo tempo extra ganho na incursão.

E lá fomos nos eu, Mamute e Angelo atravessando a madruga de quinta pra sexta, pegando o habitual transito pela Regis Bittencourt q nos atrasou um pouco sem nos demover do objetivo principal. O tempo manteve-se nublado claro ate Curitiba, e depois so tendeu a melhorar com direito a sol e céu azul até a pacata Tijucas do Sul, as 11hrs. Deixamos entao o asfalto pra tomar um emaranhado de precárias estradas de terra q, repletas de bifurcações já em paisagem rural, tomou direção sul pra depois alternar sinuosamente território paranaense e catarinense, sentido sudeste.

Acompanhando sempre o Rio Preto ora de um lado ora de outro e rasgando gigantescos reflorestamentos de pinnus e araucárias, a estrada aqui apresenta trechos bons com outros nem tanto, principalmente na hora de subir a serra, onde já podíamos avistar os campos dourados do Quiriri reluzindo no alto. Destaque aqui pra um porco-espinho infelizmente atropelado e pras trocentas porteiras no caminho. Assim, após alguns trechos q demandaram a pericia do nosso motora pra evitar patinadas nas pirambas mais íngremes e “facões traiçoeiros” em legitimo off-road , vencemos os quase 600m de tortuoso desnível até dar na obvia crista de um espigão desgarrado dos planalto.

Percorrendo então abaulados e amarelados morrotes em meio a um capinzal dançando ao vento, finalmente damos na porteira (trancada) q delimita a Fazenda Quiriri, onde estacionamos um pouco antes numa espécie de acostamento no alto de um pequeno morrote, as 13hrs. Ali, na cota dos 1268m de altitude, o céu azul siluetava as montanhas douradas do planalto q apontavam pro alto imponentes. Ao longe avistávamos o casarão-sede da fazenda, q por sua vez é uma das trocentas propriedades de um rico empresário no ramo de parafusos e porcas.
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Do Bradador ao Vale Encantado

Após os últimos ajustes jogamos a mochila nos ombros e pusemos pé-na-estrada, quase meia hora após termos chegado. Apesar da placa proibindo a entrada, cruzamos a porteira e tomamos a estradinha de cascalho q deriva da principal, saindo pela esquerda e subindo forte no sentido oposto à sede da fazenda. Visivelmente objetivávamos a enorme antena q destoava do alto da montanha, espetando um firmamento estupidamente azul e imaculado de qq vestígio de nuvem. Pensando bem, parece q a previsão estava bem equivocada. Com sol forte martelando nossas cacholas, lá fomos nos subindo lenta e sinuosamente por uma estradinha pra lá de precária q alternava cascalho, terra, barro e trechos de trilha mesmo. Olhando por sobre o ombro nossa vista ampliou-se num piscar de olhos, paisagem da qual destoava o casarão-sede da fazenda como um pontinho branco em meio ao horizonte dourado e abaulado dos Campos do Quiriri.

Às 14:40 atingimos os 1518m do largo e amplo cume do Morro da Antena, tb conhecido como Monte Bradador. Passamos batido pelo casebre e a antena q marcam o topo e imediatamente no dirigimos a seu extremo leste afim de apreciar a bela paisagem q se descortinava sob nosso olhar. Já havíamos estado aqui o ano anterior (na “Travessia Tartaruga-Garuva”), mas à diferença daquela ocasião era q hj o céu estava inteiramente limpo, permitindo boa visibilidade ate onde a vista alcançava! Um tapete alvo de nuvens forrava td planície catarinense à leste, do qual emergiam os contrafortes serranos da Serra do Quiriri projetando uma seqüência de escarpadas montanhas tanto pro sul qto pro norte. Como nosso objetivo era seguir pra nordeste, estudamos qual seria a melhor rota a tomar, apesar de já estar 80% td previamente plotado no GPS do Mamute e Angelo. Ao longe e atrás de uma seqüência de montanhas, pudemos ver parte do largo topo da Pedra da Divisa coroando o enorme paredão q enfrentaríamos provavelmente no dia sgte.

Não deu nem 10min de contemplação q retomamos nossa jornada, agora descendo sem trilha a íngreme encosta norte do Bradador até o selado q o liga ao restante do Quiriri. Passamos por baixo de uma cerca e rasgamos a campina sentido nordeste, inicialmente galgando nova encosta ate ganhar nova crista e dali apenas bordejar pela direita as montanhas sgtes, das quais se destaca o imponente Morro do Quiriri. No caminho, à leste em meio às montanhas, o formato inconfundível de um “casco” formado pelo conjunto de duas gdes pedras nos indica a ilustre Pedra da Tartaruga, ao longe.
Nossa jornada prossegue no mesmo compasso, sempre através do relvado acariciado pelo vento no qual eventualmente&nbsp, pipocam rochas, bromélias ou vistosas sempre-vivas. Não há trilha, apenas algum capim deitado sem nenhuma marca de passagem recente. Rampas de grama e lajes de pedra se perdem no horizonte, no qual um imponente pilar rochoso nos chama a atenção por sua majestosa verticalidade, à leste.

Deixamos a encosta do Morro do Quiriri pra ganhar a vasta campina q forra o enorme e abaulado platô q se segue, sempre rumo nordeste, um pouco antes dos limites serranos do planalto. Um jato risca o céu azul apenas pra uma breve parada de fotos no meio daquela paisagem bucólica, ressaltada pela iluminação do meio da tarde. GPS aqui é totalmente dispensável pois a navegação é visual, sempre tendo como pto referencia a Pedra da Divisa, cada vez mais próxima, bastando apenas ter bom senso de qual melhor forma de chegar próximo dela, desviando dos (poucos) obstáculos do caminho.

Chegamos então na beirada da serra, onde pudemos ver um largo vale se afunilando suavemente a nossos pés, montanha abaixo. Era o inicio do tal “Vale Encantado”! Daqui bastou descer cautelosamente a íngreme encosta de capim ate alcançar a margem de um belo riozinho deslizando vale abaixo, q foi simplesmente acompanhamos sem gde dificuldade. Este curso d´água é apenas uma das varias nascentes do Rio Quiriri, q desce a encosta encachoeirado formando convidativas piscinas a cada curva, protegidas dentro de uma estreita faixa de mata ciliar. À sua volta rampas de grama e capim emolduram este belo panorama como tb funcionam como bons locais de acampamento, e td isto cercado de enormes montanhas e abismos com vista pro mar. À leste, emergindo num mar de nuvens, o cume da notável Pedra Branca de Araraquara surge tal qual uma ilha rochosa solitária q nos convida quem sabe pra uma outra vindoura aventura.

Uma vez na metade do vale, as 16:30, jogamos as mochilas no chão relvado de um belo descampado e prosseguimos a exploração do lugar, sempre acompanhando o plácido curso d´água. Qto mais descemos o tal “Vale Encantado”, mais impressionante a paisagem fica. A nosso lado o rio sussurra alguma coisa na forma de cachoeiras q aumentam de tamanho conforme avançamos, até se afunilar num maravilhoso cânion já na proximidade do imenso degrau atlântico, de onde se lança ao vazio de centenas de metros em duas cachus separadas por uma pequena elevação. Bem à nossa frente, o paredão da imponente Pedra da Divisa elevando-se num tapetão de nuvens não é menos impressionante, um imenso desnível vertical entrecortado por pilares salientes e profundas reentrâncias. Impossível não ficar mesmerizado com esse panorama abrindo-se diante da gente, luminoso e sereno.

Com a tarde chegando ao final retornamos ao pequeno platô de capim ralo onde deixáramos as mochilas e armamos acampamento confortavelmente as 17hrs, no exato momento em q um espesso nevoeiro começava a tomar conta do lugar. Neblina esta provavelmente subindo do mar. Após uma suculenta refeição e do papo animado, o cansaço já cobrava seu tributo. Apesar de termos caminhado menos de 7km, a noite mal dormida fazia enorme diferença e tornava o dia realmente exaustivo. O sono veio naturalmente e desfalecemos em nossos aconchegantes sacos-de-dormir antes do breu noturno tomar conta daquele fantástico lugar, a exatos 1200m de altitude.

A noite fora fria e ligeiramente úmida. Eventuais ráfagas de vento traziam fina garoa, q tamborilava intermitentemente no sobre teto da barraca. De madrugada espiei pra fora da barraca e qual minha surpresa de ver a noite estupidamente estrelada, recortada pela silhueta das montanhas ao redor! Pelo visto a previsão meteorológica mostrava-se furada, pra nossa sorte. E tornei a dormir profundamente com um sorriso estampado no rosto com essa grata promessa de ataque à Pedra da Divisa num dia perfeito. Como som ambiente ao meu inebriante sono tive o som de algum motor ao longe, vindo da planície,&nbsp, como dos murmúrios do rio ao meu lado, cantando uma canção de ninar apropriada praquele lugar q atende pelo nome de “Vale Encantado”.
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Continua….
Texto e fotos: Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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