PEDRA DO FRADE – Final

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Agora nos embrenhamos definitivamente na mata através de um trilho arenoso p/ depois a mesma se tornar um mix de todos os obstáculos anteriormente citados, em maior ou menor grau. Acrescido do 5º obstáculo, q se anuncia (´bzzzzzzz´) na forma de um zunido: umas enormes, malditas e irritantes butucas q insistem em seguir vc na tentativa de sugar seu precioso sangue, dependendo da cor q se veste. Isso incomoda muito, pois qq pit stop torna-se uma briga desesperadora c/ as bichinhas, picando inclusive sobre a roupa! Felizmente este obstáculo se limita apenas a este trecho.


Fora isso, a referência visual aqui em meio a mata fechada é uma enorme raiz tombada à esquerda da trilha, formando uma espécie de ´gruta´, fora os galhos secos pendendo das arvores q aqui parecem realmente cobras. Depois caminhamos por pedras q se assemelham a um calçamento. Seria esse o trecho remanescente da Estrada da Cesárea, q transportava café de Areias ao Pto do Frade? Só Deus sabe..

Por um breve trecho, a trilha é uma afunilada vala ou canaleta de barro escorregadio, pela qual circula água vinda de algum riacho próximo e logo, as 10:30 alcançamos mais uma bifurcação em meio a mata. Tomamos a trilha da esquerda, pois a outra leva ao bairro do Perequê (Mambucaba). A pernada prossegue desta vez&nbsp, em suave e imperceptível aclive durante quase uns 15 min ate chegarmos noutra bifurcação, desta vez na forma de uma encruzilhada numa pequena clareira em meio a mata. As inscrições ´PF´(Pedra Frade) e uma seta marcadas numa grossa árvore sinalizam a direção a seguir, isto é, a trilha da direita.

A partir daqui o aclive torna-se mais acentuado, onde felizmente os taquaruçus já não estão mais presentes. A mata aqui impressiona pela diversidade e beleza em suas formas e cores. Muitas espécies de orquídeas lilazes, roxas quaresmeiras, samambaias, bromélias e arvores imponentes, altíssimas, alem do chão forrado de frutas (e muitas folhas) vermelhas do qual ninguém ousou provar. Atravessamos um riachinho e na seqüência passamos a acompanhar outro, porem não por muito tempo, a seguir percebemos q estamos andamos numa crista de morro. Após nova subida, uma descida bem íngreme, um bifurcação a direita (90º), outro riachinho num selado, etc. E nova subida e descida forte. Depois passamos por um tronco sobre um riachinho&nbsp, e inicia-se nova subida, desta vez razoavelmente suave, ignorando uma saída à esquerda da trilha principal, q provavelmente supomos venha do Hotel (Praia do frade), detalhadamente descrita pelo Beck em sua revista.

Ainda na trilha principal, passamos a acompanhar o leito de um pequeno riachinho q vem de cima, de nosso próximo destino e logo estamos numa pequena clareirinha gramada, bem na boca da Gruta dos Alemães, pontualmente 12:20. Hora de descanso e lanche, claro. A gruta não passa de uma caverna formada pelo desmoronamento de pedras enormes, cujo espaço interno (com sinais de fogueira) é meio irregular, mas quebra o galho como bivaque. É em seu interior q passa discretamente o riachinho onde temos o nosso ultimo pto d´água. Abastecemos os cantis, obvio. Bem q tentei convencer o Guto e a Márcia a me ajudarem a detonar o resto de vinho q trazia, sem sucesso. Tive q beber td sozinho a fim de usar o vasilhame.

QUASE LÁ…NO TOPO!!!
Descansados, continuamos pela trilha por apenas 20m e dali saímos pela esquerda, subindo agora bem forte por entre as árvores. A princípio tem-se a impressão não haver trilha e q o caminho é intuitivo, mas não, logo depois a trilha fica nítida e evidente, a vegetação é bem aberta e as arvores bem espaçadas, basta procurar as marcações de faca ou fitas nos troncos. Não se surpreenda se vc encontrar gaiolas ou restos das mesmas, lixo de caçadores. Finalmente o 6º obstáculo, a piramba íngreme e forte através de raízes em meio a um belo jardim de crista, composto basicamente de grossos bambus secos e bromélias rasteiras, ora beirando enormes pedras pela direita.

A subida é lenta, claro, alem de inclinada é lisa devido as folhas secas dos bambus, q forram o chão formando um tapete escorregadio. Vários pit-stops repõem o fôlego p/ ataque final. As pernas estão pesadas ate aqui, mas agora q falta tão pouco é q a empolgação nos dá a energia necessária p/ não ´morrer na praia´. Desde o inicio ate aqui andamos praticamente sentido sudeste.

13:45 chegamos no Mirante, mas infelizmente nada podemos ver a não ser o ´branco total e radiante´ da nebulosidade de inicio de tarde, e muito menos a Pedra, 500m a nossa direita. Agora estamos definitivamente na crista (sentido sul/sudoeste) e continuamos subindo e descendo em meio aos bambus e bromélias q dominam a paisagem, e 15min depois alcançamos a base da Pedra propriamente dita. Agora basta contorna-la pela direita, ora nos afastando, ora próximo dela, através do corredor de pedras menores q formam um ótimo local de bivaque ao pé da pedra-mor, com ótimos lugares planos e arenosos. Nesta subida pelas pedras é q Márcia viu, assustada, seu segundo ´felino´: a base de uma garrafa pet enfiada num buraco.

Já quase dando a volta na pedra, a trilha desce um pouco e, marcada por uma panela (!?), a trilha torna-se mais íngreme, quase uma ´escalaminhada´ vertical através de raízes, pedras, mata e alguma lama. Seria este o nosso 7º e ultimo obstáculo? Pois bem, agora fazíamos uso cauteloso de nossos dotes primatas, nos agarrando firmemente as pedras e utilizando raízes e forquilhas sobressalentes como degraus pouco confiáveis. Mas logo viria o ataque final, subindo através de uma ´escada´ podre de madeira caindo aos pedaços. Imagine subir as escadinhas metálicas do Baú, porém de madeira podre..é isso!&nbsp, Felizmente havia algumas cordas q auxiliavam a escalada dispensando degraus menos confiáveis, carcomidos pela umidade e terra ao redor.

Este trecho exigiu mais dos braços do q pernas, isto é, um sufoco pra Márcia. Ao menos a brisa vinda do litoral refresca o suor escorrendo em nossos semblantes tensos. Transposto este obstáculo foi só alegria, pois logo estávamos na face oeste do topo rochoso, após passar algumas matacões de bromélias, samambaias e uma aderência de rocha. São 15hrs, mas o tempo maldito não permitiu nenhum visu, apenas ameaçando com fina garoa.

No entanto, com ou sem visu, estávamos felizes por termos chegado ate ali! Serpenteando a mata, num piscar de olhos alcançamos a face leste do topo, marcada por uma clareira razoável em meio aos arbustos, onde armamos as 2 barracas confortavelmente. O chão, qdo não é rochoso, é formado por uma espécie de húmus, ou seja, era mole, não firmando direito os espeques da barraca. Mas o q nos chamou a atenção (e indignação) foi encontrar em meio aos arbustos, uma pilha de panelas enormes (!?) usadas e mtas formigas!

Após um breve lanche seguido de descanso, eu e o Guto fomos dar uma explorada no topo, nos enfiando nas brechas das rochas, emergindo em meio as matacões, noutros pontos menos visitados do topo. Destaque p/ uma bela flor vermelha, típica de altitude. Depois disso, ficamos enrolando na barraca, na preguiça mesmo. Ainda mais enquando lá fora a fina garoa volta c/ mais intensidade quase q definitivamente, obrigando-nos ao ócio mais justificado do mundo.

Não deu nem 18hrs e já preparei minha janta: miojão engrossado com ervilha e carne de soja temperada com shoyu. Uma delicia! Depois disso me enfurnei no saco de dormir a fim de repor as energias e dormir de vez. À noite – friazinha – acordei varias vezes devido ao forte vento q sacudia a barraca, mas me chamou a atenção o som inconfundivelmente difuso de uma batida funk (Credo! Seria o 8º obstáculo?) próxima. De madruga, ao sair pra ´toalette´, notei q o forte vento dera trégua e limpara todo o céu, e q o mesmo estava estupidamente coalhado de estrelas!! Guto contou posteriormente q ele e Márcia ficaram contando estrelas cadentes naquela noite. Lançando o olhar&nbsp, p/ sudeste, as luzes de Angra, Ilha Gde e td mais!!! Era bom demais p/ ser verdade! O domingão seria maravilhoso e isso driblava facilmente o sono e o cansaço!

DOMINGAO ENSOLARADO E A VOLTA
Dito e feito, no domingão levantamos antes da alvorada justamente p/ aprecia-la. Enfim, todo o perrengue anterior valia pelo momento q se seguiu. Lentamente, o céu azul escuro ganhava tons alaranjados q iam se esparramando pelo horizonte, tingindo de forma singular a baia de Angra , Ilha Gde, os estaleiros, a marina e todas as pequenas ilhotas da enseada abaixo!! A luz alaranjada ganhava reforço gradual estendendo-se ate a mata verde ao pé da pedra p/ logo chegar ate a gente e continuar abraçando toda a mata selvagem sem-fim da Bocaina, a oeste!! O céu esta limpo, o mar brilha e uma brisa fraca nos refresca, secando nossas roupas estendidas nos galhos dos baixos arbustos presentes aqui, exatos 1590m acima do nível do mar!

Depois disso, é hora do rápido café e de levantar acampamento. Deixamos td conforme encontramos as 7:40, já num ritmo meio apressado. Como sempre a descida é bem mais rápida, mesmo cautelosa, e todo santo ajuda. Isso não significa necessariamente q deixemos de apreciar as largas vistas q se abrem diante de nossos olhos, enaltecidas ainda mais com a forte luz dos raios do sol. Ao passar pela face oeste do topo, tem-se uma vista fabulosa de Mambucaba, aos pés das escarpas serranas forradas de verde, e mais ao longe, Joatinga e Parati.

Após a escada, o corredor de pedras e a caminhada pela crista de bambus e bromélias – c/ o vento remexendo a mata&nbsp, – alcançamos o Mirante as 8:40, onde nos impressionamos com a imponência da enorme formação rochosa de&nbsp, cor cinza na qual pernoitamos bem no topo, aparentemente inatingível! Mas pq Pedra do Frade? Dizem q vista de baixo tem a forma do rosto de padre, mas isso já é questão de imaginação e perspectiva. Q o diga a Márcia e seus ´bichos´..

Após fotos, iniciamos a descida em definitivo, desta vez com menos paradas q o dia anterior, mas sem deixar de apreciar a natureza ao redor, ganhando cores mais vivas com a incidência de luz natural em estado bruto, devidamente filtrada pela alta mata exuberante. Assim, alcançamos a bifurcação do Perequê as 10:30. O destaque deste trecho foi a presença de um enorme e imóvel calango verde-limão no meio da trilha, q nem sequer deu-se o luxo de fugir na nossa presença.

Após as clareiras, chegamos finalmente no gramadinho do Rio Bonito, pontualmente 12:40, com sol forte fritando nossas cacholas. Parada p/ descanso e lanche. E banho, ao menos pra mim. Embora gelado, o tchibum foi inevitável p/ remover o suor e cansaço daquela árdua empreitada. Duro foi aturar os mosquitinhos e pernilongos q lotavam os arredores.

Depois do lanche, retomamos a pernada sacal e tediosa por estrada de terra na direção do Restaurante Chez Bruna, distante quase 10km dali, onde chegamos pontualmente as 16hrs, preocupados em não perder o busão local q passaria ali nesse mesmo horário. Felizmente estava atrasado, mas o melhor foi conseguirmos carona na caçamba do caminhão de Seu Tonico rumo Bananal, q rapidamente lotou com outros locais q subiram junto. Descemos a serra no trepidante e poeirento veiculo já nos despedindo da Bocaina, enquanto nossos corpos – moídos e abalados – descansam e agradecem a pausa definitiva do esforço físico desde o inicio do dia.

Chegamos em Bananal as 17:40, apenas pra comer uns pasteis na movimentada praça central. Uma inconveniente dor-de-cabeça não permitiu q me esbaldasse de cerveja, e assim q partimos, quase 19hrs, me entoquei no banco traseiro p/ acordar somente na chegada em sampa e me despedir do Guto e da Márcia, exatas 23:30, felizmente a ponto de ainda encontrar metrô e bus funcionando.

E assim, do Frade temos um novo olhar da Bocaina. É uma caminhada árdua, onde o corpo reclama diante de cada obstáculo transposto, filtros de seleção natural q mantém a beleza da região apenas p/ alguns privilegiados dispostos e decididos a tal provação. E se as montanhas existem apenas p/ serem escalados, o Frade tb o é. E é somente chegando no topo é q se aprecia de fato o quão longe se foi, onde a mente agradece a grandeza do feito à alma, se visto de baixo o Frade já impressiona, contempla-lo de cima parece mais majestoso. E nós ainda menores.

Texto de Jorge Soto e

Fotos: José Augusto
http://www.brasilvertical.com.br/l_trek.html

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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