PEDRA DO FRADE – Parte 1

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Ate pouco nada conhecia do Pico do Frade senão q era um dedo rochoso apontando p/ céu no litoral de Angra, nas escarpas do PN Bocaina, o fato de nem ser o pto máximo da região lhe vale um certo anonimato. No entanto, ao tomar conhecimento q boa parte das empreitadas a este ilustre ´desconhecido´ eram verdadeiras epopéias q nem sempre terminavam c/ sucesso, os olhares ávidos por novos desafios voltaram-se p/ ele, claro. A junção de fatores tempo bom, desnível íngreme de 1000m, alta umidade, brejos, mata atlântica densa, mosquitos e atenção redobrada nas varias bifurcações fazem do Frade um ótimo programa p/ quem se dispuser decididamente a uma caminhada árdua e selvagem, porem recompensada com alto visu da bela baia de Ilha Grande, naturalmente.


CHEGANDO EM&nbsp, BANANAL
Saímos de sampa 9:30 tomando a Dutra sem maiores interferências. Éramos eu, Guto e Márcia rumando pra Bananal, o melhor acesso (logisticamente falando) ao Pico do Frade, os demais são pelo litoral de Angra (pela Rio-Santos BR-101) e pelo Perequê (Mambucaba), sendo q no primeiro estão colocando empecilhos a entrada e o outro ta fora de mão.

Chegando em Queluz – com tempo relativamente bom, ensolarado e abafado – seguimos em direção à Areias pela Estrada dos Tropeiros (BR-68) após tomar uma precária estrada provisória de terra, já q a oficial tava interditada. Assim fomos adentrando a morraria sinuosa composta de mata ciliar e dos campos verdejantes da Bocaina, cujo passado – no auge do ciclo do café – outrora conferira dias de fartura e gloria às cidades de Areias, SJ Barreiro, Arapeí e Bananal, cidadezinhas pacatas e simples q atravessamos ate chegar nesta ultima, as 13:30h.

Bananal é um ovo de tão pequena, e fomos diretamente para a pracinha central buscar alguma info de estacionamento p/ deixar o carro num lugar seguro. Nos arredores, antigos e vistosos casarões coloniais agora servem de pousadas, sendo boa parte deles tombados pelo patrimônio histórico. Destaque pra Phármacia Popular, a mais antiga farmácia em funcionamento no país, cuja fachada e interior se mantém idênticos desde sua fundação, em 1830.

Após o lanche ficamos à espera do busão local, na pracinha, observando o vai-vem típico de cidade interiorana, onde alguns festejos pareciam tirar a aparente tranqüilidade dali. Alias, na pracinha concentrava-se todo o agito, ao som das ruidosas badaladas do sino da igreja local. Estamos a uns 500m de altitude.

14:30 tomamos o bus ´Sertão da Bocaina´, q não chegou a lotar, garantindo-nos confortavelmente assentos duplos p/ descansarmos sobre as mochilas. Deixamos Bananal sentido serra acima tomando a poeirenta e precária SP-247. Ao mesmo tempo em q passamos pelos vistosos casarões também passamos por casas bem humildes e simples, vivendo em total pobreza. A decadência do ciclo cafeeiro e a construção das rodovias transformaram as cidades acima mencionadas em&nbsp, – como diria Monteiro Lobato – ´Cidades Mortas´. Quem sabe agora estas tenham uma 2ª chance de vida com o advento do turismo rural e do proveito cujo entorno natural lhes provê? Afinal, é uma serra com passado.

No trajeto, passamos a bifurcação p/ Estação Ecológica Bananal. Lentamente subimos a serra por aquela estrada de chão batido, sacolejando no trepidante busão. O sono ameaça, mas por pouco tempo já q na medida q o vale se afunila e ganhamos – aos ziguezagues – altura, o visual passa a tomar conta de nossa atenção: a cidadezinha vai ficando lá embaixo, pequenina, aos pés das enormes montanhas, desnudas de vegetação maior, forradas de mata ciliar, com uma cachoeira aqui ou acolá. Chegando no alto da serra, a paisagem muda completamente. Alem de relativamente mais frio, o verde denso e intenso da mata atlântica em estado bruto deixa pasmo qq um. Estamos a 1200m, e após serpentear túneis de vegetação chegamos no pequeno povoado Brastel, composto por um punhado de casas, exatamente as 16:20. Aqui é onde saltamos.

CAMINHADA NOTURNA
No povoado, uma placa indica a bifurcação a seguir. Tomamos a estradinha de terra e pedra da esquerda seguindo a placa ´Pousada do Mimoso´, ´Pousada Brejal´ ou ´Restaurante Chez Bruna´, tanto faz. Basta seguir essas placas, presentes durante td trajeto. Fazia frio, mas logo a pernada aqueceu nossos corpos. O tempo ta totalmente encoberto, nublado e uma garoa fina fustigava nossos rostos.

Subimos imperceptivelmente a estradinha, ladeando e contornando morros repletos de densa vegetação. Alguns pastos e casas vão se alternando aqui e acolá, mas é a espessa vegetação q se mantém onipresente. Pra matar o tempo, papeamos e colocamos a fofoca em dia.&nbsp, A chuva ameaça vir com força, tanto é q colocamos nossas capas, porem ela não vem e se mantém apenas como uma fina e leve serração, felizmente. Passamos o ´Restaurante Chez Bruna´ (a direita) e, alguns kms adiante, a Pousada Brejal (a esquerda) as 17:45. Se o tempo permitisse, daqui teríamos nosso primeiro contato visual com nosso destino. Logo, o som de água próximo indica q ladeamos um riachinho , provavelmente o Rio Mimoso, q nos acompanha há um bom tempo.

Assim q a noite caiu, somos obrigados a caminhar à luz de nossas lanternas e headlamps. Caminhamos com cautela, pois enquanto avançávamos a estradinha se torna cada mais precária, repleta de charcos e brejos, em mais de uma ocasião por pouco não pisamos em enormes sapos. Uma pequena placa logo indica o final da SP-247, isto é, agora andamos em território carioca, se é q por onde andáramos ate então pode ser considerado ´estrada´. Andávamos afinal num amplo carreiro pedregoso e lamacento.

Em seguida, a ´estrada´ continua ladeando um morro, seguindo uma plaquinha ´Pousada Mimoso 1,5km´, ao lado de uma porteira de madeira. Bem do lado, a direita, há uma cerca de arame q é de onde começa efetivamente a trilha. É por ali q seguimos agora. A ´estrada´ não passa de um amplo trilho precário onde eventualmente chafurdamos o pé na lama. O silencio da noite é quebrado pelos estridentes cães da ultima casinha, q passamos rapidamente. &nbsp,

Mais adiante, um pequeno riachinho é transposto cuidadosamente por cima de troncos podres. Estamos cansados e com fome, já estudando os gramadinhos q se apresentam no trajeto, mas é somente um pouco + a frente q pernoitaremos. Logo estamos às margens do Rio Bonito, de uns 15m de largura, nosso 1º obstáculo. A trilha continua na outra margem e temos q atravessa-lo, tarefa q fazemos com cautela no escuro, com água acima do joelho. Em seguida, chafurdando pé na lama, chega-se num gramadinho perfeito p/ encostar o esqueleto, ao pé de belas araucárias. É aqui mesmo q ficamos, as 19:30, depois de 13km percorridos desde o busão. A partir daqui estamos na área do PN Bocaina.

Armamos as barracas sob a fina garoa q ameaça cair novamente, e buscamos a água necessária no rio p/ nos abastecer. Lá, deixo gelando minha cerveja p/ comemorar início bem-sucedido de trilha. O cansaço acumulado faz com q jantemos imediatamente e logo na seqüência durmamos antes das 21hrs, afinal o dia sgte seria de pauleira total. Felizmente a noite foi bastante agradável e fresca. Dormimos feito neném no berço.

MOSQUITOS, MATO, LAMA E PIRAMBA
Levantamos ao som de um estridente gavião, as 6 da matina daquele sabadão promissor. O tempo ameaçava melhorar, com algumas janelas de céu azul, o q já era bem animador. A região do entorno do acampamento é bem aberta e permite largas vistas da morraria verdejante q nos rodeia. Aqui há uns mosquitinhos minúsculos e irritantes q insistem em sugar nosso sangue, o q nos obriga a tomar café devidamente vestidos, dentro das barracas. Destaque p/&nbsp, belo visual de algumas teias de aranha nos arbustos ao redor, pelo tamanho delas – e realçadas pelo orvalho matinal – ficamos a imaginar o tamanho das bichinhas, pois pareciam mais com redes.

Saímos dali as 8hrs, seguindo a trilha através do descampado, p/ depois ir ladeando a morraria e entrar em definitivo na mata fechada. O sol – como sempre – ameaçava sair, mas o tempo nublado-claro foi nosso companheiro pelo resto do dia, assim como o inconfundível som das arapongas, p/ quebrantar o silencio reinante. A partir daqui é q o prévio conhecimento do Guto foi bastante útil, assim como seu super-croqui da trilha, melhor q qq carta topográfica da região. Isto pq a pernada é em mata fechada e embora a trilha seja razoavelmente nítida, há inúmeras bifurcações e trilhas secundárias abertas por palmiteiros e caçadores ilegais. Isto é, atenção é fundamental.

Pois bem, nos embrenhamos na mata já chafurdando novamente em muita lama, nosso 2º obstáculo, alternando subidas e descidas suaves, visivelmente contornando um morro. A trilha alterna trechos de brejo (ancorados por algumas toras de madeira) e outros mais secos, sempre cercados de muita, muita mata densa e úmida, encharcando nossas roupas!! A mata em si é o 3º obstáculo a enfrentar, em especial as matacões de taquaruçu, aqueles bambuzinhos espinhentos q eventualmente invadem e obstruem a trilha, forçando passagem na raça!

Quem conhece a Serra Fina sabe do q falo, pois são os mesmos bambuzinhos, q aderem a qq saliência da mochila e arranham braços e pernas ao menor contato, sem falar nas outras espécies vegetais, um tipo de fino cipó c/ espinhozinhos minúsculos, igualmente irritante, aderindo (e queimando) durante a passagem forçada. Eu fui com uma bermuda e voltei com uma tanga em frangalhos!! O horror, que horror..

Meia hora depois alcançamos um riachinho (o primeiro de muitos), o Goiabeira, de 4m de largura porém bem + raso. Na seqüência, mais brejo e mata. Nosso mantinha um ritmo bom, com o Guto na pole, Márcia atrás e eu fechando a trilha, com algumas breves paradas p/ retomada de fôlego. Adiante, mais um riachinho é atravessado e chega-se numa bifurcação em ´T´, na qual se toma a direita. Pra surpresa, boa parte das bifurcações já esta com obstáculos naturais indicando q não é por ai o caminho pro Frade.

As 9:20, após outros pequenos riachinhos, emergimos num enorme e amplo descampado de capim alto, de onde teoricamente haveria a possibilidade de avistar o pico. No entanto, a nebulosidade não permitiu nada disso. Aqui tb há um riachinho q serviu de pretexto p/ uma breve parada. A Márcia, por sua vez, assustou-se c/ seu primeiro ´bicho´ avistado: um galho retorcido no meio do capim q parecia uma cobra.

Novamente entramos na mata fechada, caminhando em meio as mesmas condições citadas acima, com exceção dos brejos, porem devidamente substituído pelo 4º obstáculo, q consiste nas inúmeras e enormes arvores caídas em td trajeto às quais são transpostas por cima, por baixo ou simplesmente são contornadas, prestando atenção à continuidade da trilha. No caminho, uma variedade enorme de finos cipós pende da mata densa q nos rodeia, e em menos de meia hora emergimos noutro clareira de capim, menor q a anterior, onde uma enorme e curiosa aranha nos chamou a atenção às margens da trilha, no capinzal. Aqui teríamos a ultima visão da Pedra.

Fotos: José Augusto
Continua

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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