Trans… Papagaio!! Aiuruoca – Baependi – Itamonte

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Travessia organizada pela Talita, no esquema clássico de rateio de despesas com roteiro livre. Do jeito que me agrada. Entre os pontos A e B, o BO é todo teu, camarada. Dê seus pulos no planejar e trilhar, mas encontre um jeito de chegar no horário combinado, com segurança e autonomia.

Trajeto impresso e emplastificado. Foto: Rogério Alexandre

Baseado nos trackslogs de trilheiros predecessores, entre eles o Caio Banks, o Dino e o Rodrigues, após empregar alguma criatividade para intuir e arriscar trechos entre eles, costurei um lindo projetinho de “ir do ponto A ao ponto B” subindo tudo que houvesse ao redor e aproveitando os poços das cachoeiras para banho e contemplação, a depender do horário de passagem. Explico, cruzar águas gélidas às 11h de um dia ensolarado é agradável. Porém, fazê-lo às 15h é arriscar ter as roupas úmidas, ou mesmo molhadas para o pernoite. No ambiente de Cerrado e de campos de altitude da região, onde as altas temperaturas diuturnas contracenam com noites realmente gélidas, é receita certa para uma noite desconfortável, quiçá ruim, mesmo.

Saímos de SP às 23h, e após uma viagem tranquila chegamos na Pousada e Restaurante dos Garcia, com a impressionante vista para a cachoeira homônima ao nascer do dia. O friozinho matinal à uns assustava, enquanto à outros incentivava o colocar-se logo em marcha. Habitual integrante deste proceder, aproveitei ansioso as comodidades urbanas da pousada, coloquei as lentes de contato e as meias de trilha. Retornei à van para buscar costurar uma solução de compromisso entre a informação de que nosso motorista dispunha, de que a van retornaria a SP, de forma que poderia não ser o mesmo veículo a nos buscar, no domingo. Essa eventualidade inviabilizaria que deixássemos as mudas de roupa da volta no veículo, conforme informado previamente. Meio termo alcançado, iniciamos a caminhada já com o dia claro, às 6h30. Subimos sem forçar a marcha, com a Amanda testando o responder de seu corpo aos primeiros acordes da nova sinfonia a que era submetido.

Equipamentos. Foto: Rogério Alexandre

 

 

 

As panelas, equipes, grupos ou como prefira denominar, nesse tipo de pernada surgem de afinidades e de velocidades de deslocamento similares:

1ª dupla: Rafael e Emerson;

1º trio: Talita, Priscila e Ronald;

1º quinteto: Amanda, Fernanda, Michele, Marcelo e este que vos escreve, Rogério Alexandre;

1ºSepteto: Carlos Augusto, Edelson, Luciana, Silvano, Kenji, Fernando e Vanessa.

Às 7:43 passamos pelo primeiro ponto d’água, uma simpática e discreta queda, à direita. Desci uma vintena de metros, por entre os rastros de uma trilha meio que suja, ali.

Agora abastecido com 2,5 litros, procurei acompanhar o grupo que subia firme o longo ombro até a linha de cristas que caminharíamos mais tarde. A intensa subida era recompensada, de tempos em tempos com impressionantes mirantes dos quais se descortinavam os vales abaixo entre cobertos por denso nevoeiro. Desenhava-se o ambiente clássico para os famosos “tapetes de nuvens” tão apreciado pelos neófitos no montanhismo. Com a experiência, a beleza desse cenário para a ser temperada da sútil apreensão frente ao risco de perder-se a condição de navegação visual, caminhar dentro das nuvens e não acima delas. O caminhar dentro das nuvens não costuma ser muito apreciado, por privar das belas paisagens e submeter o caminhante, por vezes, à uma desconfortável condição de frio úmido e ventoso. Felizmente, não foi o caso.

Pilhados pelo frescor matinal, o Emerson e o Rafael tocaram na frente, em passo mais forte. Eu seguia fechando o alegre cortejo do “primeiro pelotão”. Em dupla com o Marcelo, escudava o trio feminino Amanda, Fernanda e Michele. Ou éramos escudados por elas? Com o que esse trio anda, navega e apronta, confesso que fica difícil dizer.

Foto: Rogério Alexandre

Às 8h25 alcançamos o cruzo do Pico Tamanduá, fizemos uma curta parada para registro fotográfico e, com meus colegas optando por seguir “de ataque”, tocamos em direção ao Pico do Papagaio, nosso mais extenso ataque do dia, totalizando 5,6 km entre ir e vir. A ida é uma sucessão de longas descidas intercaladas com curtas subidas até a base do Pico, onde após contorná-lo pela direita, apruma-se em uma subida intensa, ainda que breve.

Alcançamos o cume do Papagaio às 8h20, fizemos um rápido café da manhã, com direito à deliciosos churros patrocinados pela Amanda, alguns registros e tratamos de iniciar o retorno para as mochilas deixadas e dali, às 10h40, com o sol brilhando inclemente sobre nossas cabeças, tocar em direção a discreta sucessão de cumes rochosos que serviam de indicação do caminho a seguir. Na subida,
encontramos por vezes muros feito com pedras, possivelmente marcos de divisa de propriedades antigas. Quase no cume, um pequeno jardim de orquídeas me chamou atenção e do outro lado do cume, uma discreta nascente minava preciosas gotas do elixir da vida. Pedi à Amanda que registrasse enquanto eu sorvia alguns goles, providencialmente acumulados nas fendas e cavidade da rocha. Na imagem, pareço agradecer à montanha com o derrière contra as nuvens. Assim são as loucuras e as alegrias, quem as tem, pouco as justificam.

Foto: Rogério Alexandre

Pouco depois, tendo cruzado duas pequenas florestinhas de colo, alcançamos a “Pedra do Rei Leão”, como denominamos numa passagem anterior por ali. A pedra, com 2.180 m de altitude, é referência óbvia para quem assistiu o desenho animado. Me recordo que o desenho é de 1994 e percebo o porquê de não ser algo tão imediato para os colegas de trilha. Certamente não assistiram a “infinita” quantidade de vezes a que meus sobrinhos me obrigaram. Bom, assim são as coisas, Pequeno Simba.

 

Foto: Rogério Alexandre

Desse ponto retomamos o caminhar, atentos agora às discretas indicações do caminho que deriva à esquerda do rastro que desce em direção ao Retiro dos Pedros, mais marcado. Alcançamos um pequeno selado entre o Pico do Bandeira, nosso alvo, e a Pedra do Rei Leão, um promontório rochoso. O galgar desse gigante segue suave, ora percorrendo trechos mais marcados, ora pontos com rastros mais discretos. Passamos à direita de um grande afloramento de rochas, que talvez propicie bom abrigo para um bivaque. Marco o ponto, às 11h50, para referência futura e continuamos a subir, logo encontrando um novo muro de pedras, alinhado com a crista daquela montanha. Nosso trajeto passa à sua esquerda e noto que outra trilha chega ao mesmo ponto pela direita e que uma passagem fora aberta no muro, derrubando as pedras que o compõem. Triste com esse descuido dos trilheiros anteriores, usamos uma pequena passagem para superar um trecho de mata mais encorpada na encosta e voltar a ganhar altitude, na sucessão de falsos cumes que o Bandeira apresenta. Salvo engano, foram 3 falsos cumes antes de alcançarmos seu ápice, à 2.270 m de altitude.

Há certa confusão quanto ao correto topônimo desse e de muitos outros cumes Brasil afora. Em vários documentos aparece como “do Bandeira”, em outros “do Tamanduá-Bandeira”. Optei por seguir o topônimo mais curto.

Foto: Rogério Alexandre

 

No tracklog que eu desenhara, agora desceríamos um pouco, antes de alcançar outro falso cume, marcado arbitrariamente como “1974”, em referência à uma safra particularmente imprudente de geminiamos. Desse ponto, retornaríamos buscando o Retiro dos Pedros para nos reabastecer de água, antes de seguir para o ataque ao Pico do Canjica. Como o trajeto seria de ida e volta, convenci a Amanda a ficar na base desse falso cume, por onde passaríamos em breve, enquanto eu subiria para conferir a vista de lá. À nossa frente, já quase no alto do falso cume, o trio Marcelo, Fernanda e Michele conversava com o pessoal que parecia preferir aquele ponto em deferência ao Bandeira. Subi os poucos metros em passo célere e ao alcançar o pessoal que já descia pela outra face do 1974, descobri que haviam sido informados que poderíamos fazer uma ligação 1974 x Canjica, cortando o Retiro dos Pedros. Como eu dispunha de pouca água, já que abasteceria ao passar pelo RP, verifiquei se eles tinham água em abundância e, frente a resposta positiva, pedi que aguardassem enquanto eu voltava para avisar a Amanda. O Marcelo gentilmente se prontificou a me acompanhar e assim fizemos. Apesar de resistir, a Amanda aceitou a gentileza, deixando o Marcelo subir com sua cargueira aquela vintena de metros. Na 3° passagem consecutiva pelo cume do 1974, uma linda poça de água me convenceu a prová-la e, como estava fresca e em área pouco frequentada, tomei uns bons goles.

Foto: Rogério Alexandre

Reunidos, fizemos um refrescante suco de tangerina, cortesia da Amanda, antes de descer cautelosamente até a borda da mata, onde não havia nenhuma passagem óbvia. Testamos alguns pontos até que achei uma passagem (ruim) entre os espinhos e fui costurando o vara-mato descendente em direção à trilha que percorre o colo entre as duas montanhas. Em um ou outro ponto, a mata parecia ainda guardar vestígios de passagens anteriores e fui unindo os trechos de menor dificuldade ao avanço, em direção à trilha. Com alguns encontros doloridos com a vegetação espinescente e com as taquaras, alcançamos o rastro limpo da trilha, encontrando o Emerson que, retornando um pouco desnorteado do ataque ao Canjica, pretendia seguir na direção do Retiro dos Pedros, quando seu “Norte” ali já era buscar a longa descida até o totem do Santo Daime. Esclarecida a pequena confusão, o pessoal deixou as cargueiras na bifurcação para o Canjica, poucos metros de onde encontramos o Emerson e iniciamos a subida para o Canjica. Em alguns trechos, a trilha encontra-se meio que “suja” com a vegetação tornando mais fechadas algumas das passagens. Nada que trabalho em equipe na busca dos rastros não permita ligar os trechos de lajes através de curtas áreas de florestinhas e campos de forma bem eficaz.

Foto: Rogério Alexandre

Acumeamos o Canjica às 13h20h e fizemos uma curta pausa para contemplação, descanso e registros fotográficos, enquanto lanchávamos. A Michele aproveitou para fazer alguns registros com o drone que levara. Logo iniciamos a descida em direção às cargueiras, tomando cuidado adicional agora pois as perdidas de outros grupos poderiam facilmente nos desencaminhar, resultando em perda de preciosos minutos. Considerando que o Emerson seguira para a Cachoeira do Charco no mesmo momento em que nós iniciamos o ataque ao Canjica, o pelotão da frente (Rafael e Emerson) tinha cerca de 50 minutos à nossa frente. Vantagem expressiva, quando se constata que andamos por 12h21 no primeiro dia, perfazendo 27,5 km.

Recuperadas as cargueiras dos meus companheiros, às 14h tratamos de seguir na direção do Santo Daime. Com o avançar dos quilômetros, o trio de velocistas tomou alguma vantagem, enquanto eu e a Amanda seguíamos à passo mais leve, poupando forças para o muito que havia por andar antes de acamparmos. Na passagem por um pequeno trecho de campo entre as florestinhas, já bem próximos do SD, encontramos dois cavaleiros que conferiam a adimplência da taxa pela travessia pela reserva Matutu (35 reais). Conferiram nossos nomes e nos informaram que parte do nosso pessoal estava à frente: Rafael, Emerson, Talita, Priscila, Ronald, Marcelo, Fernanda e Michele. Os alertamos que outra parte do nosso grupo estava mais lenta, mas que os alcançaria ainda a tempo da passagem autorizada. Continuamos à passo e logo (15h20) encontramos nosso trio-batedor almoçando. Paramos uns minutos e aproveitamos para descansar, comer algo e retirar alguns dos espinhos com que o vara-mato 1974 x Canjica nos brindara.

Providencialmente, a Amanda trazia agulha para esse emprego (e para eventuais bolhas). Com alguma habilidade e paciência retirou-se o primeiro espinho. O segundo, porém, estava encravado em uma camada mais profunda da pele, e resistia brava e dolorosamente aos esforços, quando a chegada do Carlos Augusto, que guiava o derradeiro pelotão, trouxe nova energia ao processo de cavoucar com agulha o sofrido dedo e logo, o espinho estava fora, para grande alívio da Fernanda.

Soubemos que, no grupo do Carlos, houvera muitos contratempos com uma cargueira que insistia em se desfazer durante a trilha e alguns pés que sofriam com bolhas. Como estávamos com pouca água, devido ao “salto” do Retiro, aceitei cerca de um litro do Marcelo antes de seguirmos, agora uma centena de metros à frente, em direção ao nosso ponto de acampamento, previsto inicialmente para a Cachoeira do Charco. Sinalizei ao Carlos que não me parecia factível para o grupo dele alcançar o mesmo ponto, haja vista o horário avançado (15h30) e a quilometragem (9 km) restante. Nas horas seguintes, enquanto caminhávamos, observávamos os pontos em que nos parecia factível montar acampamento, muitas vezes na própria trilha, nesse trecho uma verdadeira estrada carroçável para veículos 4×4, outras vezes na lateral, à sua margem.

Caminhando sem pressa pelo sobe e desce da trilha, na constância que nossas pernas permitiam, fomos ganhando altitude até encontrarmos uma boa área de camping, plana e afastada dos rios. Estávamos distantes 1.700 m do ponto de acampamento previsto inicialmente, nas margens da Cachoeira do Charco. No dia seguinte, sob o sol, percorreríamos o trecho faltante em pouco menos de uma hora. A intensa subida que precedera esse ponto não fora por demais extensa ou íngreme, mas pegara meus companheiros de trilha alquebrados e não sem motivo. Havíamos percorrido 27 km de pernada, com 1.700 m de altimetria.

Foto: Rogério Alexandre

Para comparação, uma Pedra da Mina, via Paiolinho apresenta 1.300 m em pouco mais de 8 km. É somar, à uma subida da PM, via Paiolinho, algo por si já bastante exigente, meia subida do Marins. Rapidamente montamos acampamento e preparamos o jantar, conforme a temperatura baixava pouco a pouco. No dia seguinte, os colegas que acamparam no camping do Charco, reportariam que o frio havia sido intenso. Mesmo ali, longe d’água, ao amanhecer veríamos alguns indícios de geada na vegetação próxima.

Dia 2

Deixei à barraca às 5h50 para apreciar o sol que nascia modorrento, fiz alguns registros do acampamento com o clarear do dia. Preparei um bom e demorado café da manhã, enquanto aguardávamos que as barracas secassem sob a fraca brisa matinal. Às 8h10 deixamos o ponto de camping para trás, iniciando o segundo dia de caminhada, com a (vã) previsão de pernoitarmos no Pico Agostinho.

Revigorado, pela noite bem dormida, seguia tranquilo, sem forçar o passo. Soubera que a Amanda passara um pouco de frio, pois o arranjo escolhido, jaqueta, calça e meias de pluma com um fino liner não fora suficiente para a friagem noturna. O Marcelo passara parte da noite cuidando, colocando sobre ela as roupas em excesso de que dispunha. Ofertei para que dormisse as noites seguintes na minha barraca, pois trouxera um saco de dormir que podia ser aberto em forma de colcha e com um pouco de criatividade, faria às vezes de um kilt para nós. Com o cobertor de emergência e garrafas de água aquecida, acreditava que daríamos conta das noites gélidas do cerrado mineiro.

À passo vivo, alcançamos o cruzo da Cachoeira do Charco às 8h40e, procurando minimizar o contato com as gélidas águas, buscamos cruzar o rio acima da cabeceira. As águas ali esculpiram um trecho em que três correntes de águas rápidas, de diferentes profundidades, formando duas pequenas “ilhotas”, uma primeira bem pequena, e uma segunda mais larga, cobrindo pouco mais de metade da largura total do rio. Na margem que estávamos, a água estava próxima da altura dos joelhos e, do outro lado, pouco acima do tornozelo, porém bem mais célere. Guardei meu celular no bolso da peitoral e o da Amanda no bolso da tampa superior da mochila da Michele, e atravessei com cuidado, testando a aderência das pedras, deixei a cargueira do outro lado e retornei para auxiliar a Amanda na passagem. Consegui que me cedesse a mochila, para facilitar o equilíbrio. Sem maiores dificuldades, cruzamos o rio com bastante cuidado buscando o mínimo risco que se molhasse pelo risco de incorrer em uma perigosa hipotermia. Com ela ainda se recuperando de uma dengue hemorrágica bem agressiva que a levara ao hospital por algumas vezes entre a primeira internação e as recidivas, comuns nesse tipo de dengue.

Foto: Rogério Alexandre

Voltei para auxiliar o Marcelo na passagem. Entre o lance de rochas em que estava e a ilhota do meio do rio, ao dar impulso para cruzar, a faixa peitoral da cargueira dele teve a tensão afrouxada e o celular imprensado ali, escorregou e mergulhou na água. Não mais preocupado em não se molhar, ele largou a mochila na ilhazinha central e buscou encontrar o aparelho, antes que os danos fossem maiores. Eu percebi que onde ele buscava era mais fundo e contornei a rocha, me posicionando para pegar o aparelho caso passasse mais à frente, no ponto mais raso. Foi o tempo justo de resgatar o bastão de caminhada dele, que flutuava rio abaixo. Ele conseguiu encontrar o aparelho, o retirou da capinha e o deixou desligado para tratarmos melhor após cruzarmos o rio.

A Fernanda cruzou na sequência, fazendo o par de botas de colar. Apesar de mantê-las secas atrapalha um pouco para ver com clareza onde pisar. Adicionalmente, em caso de queda e ser arrastada pelas águas é um fator adicional de complicação para se desvencilhar. Felizmente não ocorreu nenhum imprevisto e atravessamos tranquilamente. Fechando o trio feminino, apoiei a Michele no mesmo trecho, estando informado de que ela não sabia nadar, procurei mantê-la tranquila e fazer a passagem bem lentamente. Logo estávamos com o quinteto completo, agora na margem oposta do rio. Para ajudar na recuperação do celular-submarino, retirei as coisas da minha mochila até encontrar o cuscuz e o pacotes de sal. Com o saco “ziploc” que havia trazido para o livro de cume extra (novela à parte) e mais algumas toalhas desidratadas fizemos um pequeno dessecador para o aparelho.  Retornei as tralhas para a mochila e tocamos encosta acima, em direção à Cachoeira do Juju, nosso último ponto de água farta por algumas horas. Toda a travessia do rio nos tomara cerca de 30 minutos.

Ao passarmos pela área de camping da cachoeira, notamos que era uma área em certa medida pouco ampla, e o pequeno abrigo que permitia um bom bivaque com tempo seco, certamente disputado vivamente pelos que, adeptos do mínimo peso, levam a filosofia UL à limites perigosos. Com tempo chuvoso, parecia insuficiente para proteger o trilheiro dos pingos e respingos. Definitivamente, bivaque é uma arte.

Foto: Rogério Alexandre

Na saída do camping do Charco, pegamos a trilha mais à esquerda e após caminhar alguns minutos notamos que ela não convergia para nosso tracklog de referência. Enquanto avaliávamos o que fazer, a Fernanda notou a sinalização de uma cachoeira no vale, a Cachoeira do Poço Fundo. Avaliando o mapa e as encostas ao longe, me pareceu haver um rastro bem à frente que nos retornaria ao traçado original. Apostando nessa interpretação dos fatos e dados, tocamos em frente, perdendo altitude de forma suave até adentrarmos num pinheiral, à margem do rio. Enquanto uns admiravam as águas, eu busquei aproveitar a oportunidade para reforçar o jantar, caçando pinhões frescos.

Infelizmente para nós e felizmente para o meio ambiente, quase todos estavam roídos pela fauna e só consegui juntar 5 pinhões. Enquanto as meninas avaliavam o tal “poço fundo”, eu e o Marcelo tocamos em frente até o ponto em que, acreditávamos, a trilha deixaria o bosque e subiria buscando a crista da serra. Confirmada nossa leitura do terreno, voltei para chamar as meninas e, envidando nosso suor adicional ao já empenhado até ali, tratamos de subir pelo rastro batido que seguia em direção concorrente com o projetado pelo nosso tracklog.

Conforme ganhávamos altura, o perfil das encostas trazia alento adicional, com a trilha derivando um pouco à direita, cada vez mais próxima do nosso traçado de referência.

Foto: Rogério Alexandre

Após retornarmos ao traçado de referência, passamos a encontrar crescente fluxo de montanhistas, vários antigos conhecidos: Kainã, Vinicius, Felipe Lacerda, Stefany, boa parte da turma que a Fernanda conhecera numa ida ao Caparaó… o universo do montanhismo é realmente muito familiar. Paramos para conversar um pouco com a Vanessa, literalmente vestindo a camiseta da Abertura da Temporada de Montanha do RJ, ocorrida há poucos dias. Saberíamos na sequência que fazia parte da FEMERJ e que estivera ativamente empenhada na organização do evento. Conversamos um pouco sobre a desclassificação da SFF no prêmio Mosquetão de Ouro 2024 e as dificuldades para projetos maiores e de maior nível técnico no momento atual que o Montanhismo passa, cooptado pelo turismo de montanhas e a privatização dos espaços de acesso tradicional. Privatização não seria bem a palavra, pois são terras usualmente com proprietários que não se opunham ao caminhar de baixo impacto por suas terras. Com a multiplicação desenfreada dos trilheiros de redes sociais, o sistema capitalista percebeu uma oportunidade de ganhos, e a julgar pelos valores que tem sido praticados, uma oportunidade vem vantajosa. Bem legal essa troca de experiências que ocorre de forma tão natural nas montanhas e trilhas. Nessa conversa, novamente eu e a Amanda acabamos por deixar abrir uma maior distância entre nós e o trio de batedores do nosso alegre quinteto. Nos despedimos rapidamente e apertamos o passo, buscando diminuir a distância e ao alcançarmos a região do mirante da Cachoeira do Juju, os reencontramos, voltando de uma discreta errada de navegação.

Passamos a descer, com excelente visual para a cachoeira do Escorrega à esquerda e a cabeceira da Cachoeira do Juju em nosso azimute. Passamos por um pequeno arbusto, no qual algum trilheiro anterior, pagando promessa ou sofrendo e suando para vencer a íngreme encosta, deixara um terço pendurado. Acredite, amigo, lhe entendo: por vezes, apenas o apego à Fé me permite resistir aos incessantes chamados do final de semana no sofá. Chegamos na Cachoeira do Juju às 11h45, fizemos uma parada mais longa para banho, almoço e contemplação. Acabamos por encontrar o Davi, do grupo de montanhismo ultra light que faria o trajeto conosco, mas que mudara os planos de última hora e trilhava com um pessoal do RJ, em um trekking que somava à pernada por trajeto mais consolidado com o teste, em campo, de algumas soluções pensadas.

Às 12h20, eu e a Amanda partimos em direção ao Pico do Chorão, subindo e apreciando as impressionantes paisagens que a região preserva, para quem, com ajuda divina ou não, deixa o sofá. A Amanda já matutava a próxima expedição, onde trilharia pela parte à nossa direita, fazendo a ligação Baependi x Honorato Garcia. Às 13h35 alcançamos o cume do Chorão e após uma curta pausa para recuperarmos o folego, tratamos de seguir em frente, por um tênue rastro de passagem, percorrendo a “ligação alta” que eu rascunhara no nosso tracklog de referência. Essa solução elegante poupava algumas dezenas de metros de subida adicional e, mais que ser eficaz, me agradava por evitar o subir e descer desnecessário, uma vez que, nesse momento, nosso azimute estava à frente, seguindo pela crista do Chorão, no sentido sudoeste.

Após uma curta e elegante descida, às 13h55 encontramos a trilha batida da travessia Baependi – Aiuruoca, com o Rancho Salvador às nossas costas e o pico da Serra da Careta, com os Picos da Careta, do Cruzeiro e do Chapéu. Deixamos a cargueira da Amanda atrás de algumas arvoretas, e seguimos em passo mais célere em direção aos cumes. Flagramos o Emerson, literalmente correndo trilha abaixo, nesse ponto, o lapso temporal entre nós era de 3h30, correspondendo ao que nos custaria percorrer os 9,4 km desse ataque com 660 m de altimetria. Apesar de não conseguirmos distingui-los ao longe, nosso trio batedor nos seguia “de próximo”, cerca de 17 minutos atrás.

Foto: Rogério Alexandre

Sem a cargueira para lastreá-la, a Amanda apertou o passo, mais que dobrando a velocidade média e me obrigando a quase correr para acompanhá-la nas descidas. Fomos alcançados pelo Marcelo, já na subida final ao da Serra do Careta, quase no Pico do Cruzeiro. Ele subira grande parte de cargueira, por não atentar que seria uma ida e volta pelo mesmo caminho. Dispúnhamos para nosso ataque de cerca de 2 litros d’água, e planejamos consumir conforme necessário na subida e ao sol. Era água bastante para duas pessoas e suficiente para três. De qualquer modo, continuei a buscar pontos não convencionais para repor nosso inventário, e tive a grata surpresa de encontrar uma nascente na trilha, em um dos buracos que o escoamento superficial criara. Uma espécie de sorvedouro, com pouco mais de 1 m de profundidade. Na volta, apesar de termos água em abundância ainda, coletei mais um litro do precioso líquido.

Nesse passo mais intenso, alcançamos o cume da Serra às 15h20 e o Cume do Cruzeiro às 15h30. Por cautela, optamos por não subir o Pico do Chapéu e ficamos aguardando o pessoal fazer o ataque por 20 minutos, antes da gélida brisa vespertina nos escorraçar de volta para o vale. Fizemos bem em não aguardar, mesmo em passo apertado, o ataque do nosso trio batedor consumiu 1h20.

Saberíamos depois que o cume estava sem livro de registro, mas apesar de portar um litro a travessia toda, não me ocorreu passá-lo para o trio batedor. Como resultado, levei as inúteis 90 gramas pelos infindáveis quilômetros, à toa. Tocamos serra abaixo, com a Amanda triplicando sua velocidade média até ali. E isso que estava convalescente. Recuperamos a cargueira dela às 17h20 e uma vintena de minutos depois chegamos ao Camping Salvador. Tivemos a grata surpresa de encontrarmos, já abrigados o grupo que o Carlos Augusto guiava e que, com pequena variação seguiria o mesmo caminho que nós, já que os ataques restantes, à cachoeira de São Pedro, ao cume do Agostinho e ao Pico Rachado não somavam grande quilometragem. Analisamos atentamente os mapas e o tracklog de referência, avaliando se compensaria avançarmos mais nesse dia, em direção ao Agostinho, arriscando não dispormos de ponto tão bom para o pernoite ou ajustarmos o planejado, com a segunda noite ali mesmo. Espaço plano, não muito exposto à ventos ou à umidade do rio, com água disponível. Concluímos que haveria poucos lugares tão propícios e decidimos pernoitar onde estávamos. O tempo que tínhamos de adiantado em relação ao trio foi empregado para montar as barracas minha e da Amanda em pontos privilegiados, bem planos e parcialmente abrigados do frio mais intenso, trazido pela evaporação das águas do rio Piracicaba.

Foto: Rogério Alexandre

Preparei polenta cremosa com queijo e molho de tomate e cuscuz com frutas secas. Aproveitei para cozinhar os pinhões coletados. Canecas de chá quente arremataram o jantar. Por precaução, dividi barraca com a Amanda, somando às roupas de pluma dela, meu saco de dormir, convertido em kilt. Deixei tudo preparado para aquecer água, porém não foi necessário. O arranjo saco de dormir + roupas de pluma + cobertor de emergência deu conta da temperatura da madrugada e dormimos bem.

Ainda antes de dormir, um pequeno sangramento nasal da Amanda me colocou de sobreaviso quanto às condições físicas dela. Por maior que seja a fibra dessa mulher, permanece o fato de que é carne, não aço. Meta-humana, talvez, como brincavam os colegas do grupo do Guto. A hipótese de que o sangramento resultara do ar seco era o otimismo no qual me fiava, mas não posso dizer que o fazia de forma despreocupada. Nesse dia somamos 23 km de caminhada e 1.300 m de subida.

Dia 3

Levantei-me às 5h55 para apreciar o nascer do dia e preparar as tralhas para o café da Manhã. Desmontamos acampamento e partimos, após o café da manhã, às 8h15, subindo de forma discreta e identificando aqui e ali, marcas da passagem anterior dos colegas que nos precediam. Tufos de capim “penteados” pelo roçar dos pés, aqui e ali pequenos galhos quebrados confirmavam o caminho, na imensidão desobstruída dos campos e capoeiras. Por curtos e alegres minutos compartilhamos das letras dos hinos de TFM (treinamento físico militar) e sob a regência do Marcelo, cantamos à plenos pulmões os quase repentes.

Foto: Rogério Alexandre

Eu cometera o grave erro de apagar o fogão à lenha do rancho com água coletada para a caminhada e não reabastecer na totalidade. Dispúnhamos de condição para transportar 2,5 litros e estávamos apenas com 1 litro, para chegar até Cachoeira São Pedro. Com o sol brilhando forte, era pouco, muito pouco. Num lance em que tivemos visual do trio, deixei a Amanda um pouco a retaguarda e apertei o passo, primeiro na íngreme descida e depois na exaustiva subida até alcançar o Marcelo e me reabastecer com 1,5 de água. Voltei até a Amanda para levar água e me surpreendi que mesmo à seca ela estava terminando de galgar a subida. A partir dali, caminharíamos cerca de 40 minutos até a Cachoeira São Pedro, com poucos metros de subida no 1,5 km faltante. Mesmo considerando, à posteriori, que poderíamos ter passado sem a água adicional, não seria prudente fazê-lo, pelo risco de uma eventual desidratação desencadear problemas adicionais ao estresse físico e fisiológico envolvido.

Descemos até a São Pedro, onde reabastecemos nosso inventário de água, fizemos um breve lanche e retornamos até a bifurcação, que não havíamos atentado na ida, onde o trio deixara as cargueiras. Com minha desatenção na navegação, a Amanda acabou por fazer o ataque à cachoeira de cargueira. De volta à bifurcação, encontramos o grupo do Augusto fazendo a parada para almoço. Deixamos a trilha em rastro batido e tocamos na diagonal, varando mato pela vegetação de capoeira que se formava na crista, segui fazendo o fecha do quinteto, procurando facilitar a navegação e o avanço do grupo do Augusto, removendo pequenos galhos da passagem e dobrando outros de forma a deixar a passagem bem evidente.

Foto: Rogério Alexandre

Foi muito legal trilhar pelo que chamei de caminhos históricos, que supus terem sido amplamente utilizados durante o período do tropeirismo. Encontramos uma ferradura perdida à margem do rastro e a deixamos ornando um pequeno tronco calcinado pelo fogo.

Foto: Rogério Alexandre

Como caminhávamos mais tranquilos que o trio de batedores, não esperamos o terminar do anoitecer e tratamos de apertar o passo para adiantar o possível da navegação ali com alguma luz. Mirando a direção pretendida, fui verificando pequenos sinais que indicassem o trajeto menos obstruído para cruzar o rio, haja vista a vegetação crescer com mais viço, pela abundância de água e luz solar. Cruzado o corpo d’água, passei a seguir os totens orgânicos e involuntários que os cavaleiros construíram no passar por ali, com suas montarias. Uma última subida nos levou ao cimo de um morrote e, dali, tocamos a descer ora de forma suave, ora intensa, vez por outra encontrando rastros de passagens pregressas. Às 19h40 horas encontramos uma estradinha que com o abandono e as erosões o tempo buscava desfazer. Seguindo a estradinha por entre as erosões e por vezes por rastros à sua margem, atentos ao “curral” sinalizado à direita, às 21h comandei o “alto, passamos”. Supondo que persistia alguma construção perceptível, havíamos ultrapassado a área de acampamento sem a notar. Retornamos sobre nossos passos uma trintena de metros, agora em busca de uma área plana, que o acesso a água se somava para propiciar um excelente ponto de pouso. A busca foi breve, o lugar era amplo e abrigado pela mata ciliar do pequeno regato, alguns metros abaixo. O frio, àquela hora me pareceu bem mais intenso que na estradinha e, precavido, tratei de conferir se não havia um ponto menos frio e plano, no entorno. Não se esqueça, leitor, que dispúnhamos de um kilt apenas para a dupla eu e Amanda. Nosso equipamento de dormir consistia em um saco de dormir Traveler (limite 10°C e extremo 2°C), blusa, calça e meias de pluma, somados a uma primeira camada de segunda pele para a Amanda e jaqueta de pluma e segunda pele completa, para mim. A geada da primeira noite e uma segunda massa de ar frio já prevista para a sexta noite/sábado me preocupavam um pouco.

Encontrei um espaço plano, que caberia nossas barracas a uns 20 metros à esquerda. Cerca de meio metro mais elevado e fora do que considerei a área mais afeita à pluma de evaporação e condensação do riacho, me pareceu um pouco menos frio. Com o aceite do grupo ao ponto alternativo, tratamos de nos instalar para o pernoite. Optamos por dividir, nessa noite a barraca da Amanda, que sendo auto-portante apresenta menor exigência de estaqueamento e ancoragem. Preparei nossas últimas porções de comida de janta (verificar se a Amanda lembra do menu) e somei uvas passas à uma porção de arroz do Marcelo, fazendo um “arroz natalino” temporão. Logo adormecemos, procurando descansar enquanto a temperatura ainda era “amena”. Deixei novamente todo o equipamento de cozinha pronto para aquecer água na madrugada, caso fosse necessário.

Andamos por 13 nesse dia, percorrendo 25 km, com 1.900 m de subida.

Saberíamos, depois, que o grupo do Carlos Augusto, pernoitara essa noite na base do Agostinho, à cerca de 4 km apenas de nós. Sem o ataque ao Rachado, o previsto para a derradeira caminhada desse rolê era de quase 12 km, desafiador, mas nada impossível para o grupo, que heterogêneo mesclava a maior experiência de uns com a visceral determinação de outros.

Dia 4 – o Derradeiro.

Levantei-me “tarde”, às 6h10 para apreciar o dia que nascia antes que o sol despontasse ao longe. A noite havia sido tranquila, sem demandar o aquecer de água para reforçar nosso sistema de dormir. Em função da condensação na barraca eu colocará apenas o cobertor de emergência por sobre o saco de dormir, aberto como um kilt improvisado. O frescor matinal era suportável e sabíamos que em breve o sol intenso nos traria saudade dessa condição.  Não era um pensamento que confortasse a Fernanda que reclamara há pouco do frio nos pés. As barracas apresentavam poucas marcas de geada e com as capas de mochila, que também estavam com uma fina camada de gelo indicavam as baixas temperaturas da madrugada. A Fernanda informou que, dentro da sua barraca, o relógio marcara -2°C. Considerando o micro-clima da barraca, é razoável supor que no exterior, a temperatura chegara à algo como -4 ou mesmo -5°C. Ainda assim, ao nosso redor havia poucas marcas na vegetação.

Não era possível dizer o mesmo do ponto de acampamento original, onde uma fina camada branca cobria toda a vegetação. Comprovou-se empiricamente o acerto da feliz decisão de alternar o ponto de acampamento. Ainda que fosse pequena a distância entre os dois pontos, não excedendo 10 m em linha reta, o micro-clima daquela área fora bem diferente de onde acabamos por pernoitar.

Foto: Rogério Alexandre

Preparamos o derradeiro café da manhã dessa pernada, fazendo quase um rapar de alforjes para tanto, enquanto desmontávamos acampamento sem pressa. As coberturas das barracas e roupas úmidas foram colocadas para secar em trecho de cerca próxima, em um grande cupinzeiro banhado pelo sol e nas pedras próximas. Partimos às 8h30, assumindo em dupla a função de batedores, à frente do trio que ficara a terminar o arranjo das cargueiras.

Havíamos combinado na véspera darmos preferência ao conforto de uma noite despreocupada ao compromisso de acumearmos o Rachado, último cume da travessia proposta, de forma que seguimos a passo tranquilo, ganhando a latitude lentamente até nos aproximarmos da bifurcação que daria acesso a ele. A boa noite de sono recarregará as energias da Amanda e a decisão de evitar esse derradeiro ataque foi sendo repensada aos poucos. De possa do mapa preparado, avaliei cuidadosamente o que imporia de altimetria esse trecho, sua extensão e o que restaria ao retornarmos do possível ataque. Ponderados os prós e contras, decidimos pelo rápido ataque e deixamos a cargueira da Amanda no cruzo, bem visível, de forma a sinalizar para nossos seguidores que havíamos optado pelo ataque. Adepto da política de que a cargueira é a consciência do trilheiro e, aproveitando o reduzido peso que meus equipamentos somavam, permaneci, como de resto em todo o rolê, com minha consciência junto a mim. Brincadeiras à parte, gosto da saber que meus equipamentos de PS, estão à poucos segundos, em caso de necessidade.

Partimos do cruzo às 9h30 em passo apertado, aproveitando o relevo favorável para desenvolver uma boa velocidade. Encontramos a Talita voltando do ataque ao Rachado e paramos por uns minutos para conversar. No primeiro trecho, as descidas e subidas são suaves, apenas já quase na base do Rachado, a trilha apruma e exige a subida de uma pirambeira íngreme, mas não muito longa. Às 10h horas, com nosso trio nos calcanhares, alcançamos o cume e, tentando manter a eficiência que havíamos desenvolvido nos últimos dias, em poucos minutos fizemos os devidos registros, apreciamos a paisagem e comemos alguns doces. Logo depois iniciamos o retorno às cargueiras, aproveitando a trilha bem aberta nesse trecho para apertarmos o passo.

Foto: Rogério Alexandre

Ao chegarmos nas cargueiras, às 10h40, preparamos mais um suco, lanchamos e em seguida retomamos a caminhada, agora faltando 9.2 quilômetros, para serem percorridos em 2h50 e conseguirmos atender ao proposto de terminarmos antes das 14h. Nesse momento não sabíamos, mas uma falha na montagem (ainda não entendi exatamente qual) do tracklog de referência acrescera 4 km “fantasmas”. Trilhado na íntegra, o trajeto pretendido somou 86,93 km, e o de referência previa 90,94 km.

Com esse erro no tracklog de referência, para cumprimos o pretendido precisaríamos vencer os quilômetros resultantes de forma célere, com uma velocidade média de 4,4 km/h, o que a soma do cansaço muscular, o peso das cargueiras e o piso da trilha restante provaria inviável. Aceitamos o atraso inevitável e focamos em fazê-lo mínimo, com segurança. Na descida, as bolhas que, por descuido, eu sentia formarem-se nos meus calcanhares, tomavam parte da minha atenção, de resto dividida entre contemplar a beleza da paisagem, com destaque ao Picú, os maciços da Serra Fina, da Marins-Itaguaré e da Bocaina e o atento escolher de onde é como pisar nas infinitas pedras soltas desse trecho da jornada. Passamos pelo Ronald que descansava à beira da trilha e seguimos perdendo altitude até alcançarmos o derradeiro trecho de pasto, onde a trilha abandonava a linha de crista e, pouco batida na parte alta se tornava cada vez mais clara conforme rumava em direção às pequenas construções de manejo do gado, já no vale. Há pouco, o Ronald nos alcançara e agora, certamente revigorado pelo pensar no almoço e findar do caminhar, o vimos abrir, pouco a pouco, distância à frente.

Às 13h30 passamos pela última porteira, deixando atrás de nós, além de uma pequena manada de gado leiteiro, quilômetros de lembranças e belezas infindáveis e cuja descrição, por primorosa que seja, ainda fica muito aquém da realidade. Literalmente, só vendo com os próprios olhos que podemos alcançar, ainda que em fração, a graça com que fomos tocados pelo Criador. A história dessas terras com seus campos, florestas e matas permanece em nós, assim como deixamos naqueles quilômetros, não apenas nossos passos e nosso suor, como sobretudo, um pouco do nosso escasso tempo nesse lindo mundão de Deus.

O restante da caminhada até o Recanto Avalon foi por estrada de terra, com subidas e descidas pouco íngremes, nos permitindo chegar ao ponto de resgate previsto com honrosos 2 minutos de margem, às 13h58.

O Recanto Avalon ainda que fechado para primorosas obras de melhoria, nos acolheu com delicioso chá refrescante, banho de água quente (aquecedor solar) e seu proprietário, Felipe, que eu conhecera em 2022, no Solar Picú durante o curso de Identificação de Cogumelos nos forneceu estratégica carona para o restaurante Recanto da Seriema onde uma farta e deliciosa comida mineira, em fogão a lenha, nos aguardava.

Foto: Rogério Alexandre

Almoçamos com vontade, devorando sem culpa os quitutes em respeitáveis pratadas. O prazer de abrir uma coquinha (zero) gelada somou-se à alegria de brindar, com direito à cervejinha trincando, a conclusão exitosa da nossa pernada. Pouco depois, coroando com magistral superação uma travessia inesquecível, o grupo do Carlos Augusto (Edelson, Luciana, Silvano, Kenji, Fernando, Vanessa) chegou trazendo além da blusa esquecida da Amanda na Avalon, uma miríade de histórias, causos e alegrias da longa e certamente, transformadora saga na qual se bateram, riram, temeram e suaram em, arrisco dizer, igual proporção.

 

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