Travessia Lapinha-Cipó: 2ª Parte

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O Dia da Caverna e da Morena
O sábado amanhece nublado, mas é apenas uma cobertura de nuvens q se dissiparia na hora sgte, permitindo os primeiros raios de luz tocar as barracas e desfazendo a pouca umidade nelas depositada. Depois de um desjejum sem pressa, as barracas são desmontadas e td equipo some, engolido pelas mochilas.


Veja a primeira parte do relato

Nos lançamos então à estrada de terra bem dispostos, as 8:30, agora acompanhando o vale rumo a uma cadeia de montanhas ao sul, onde podemos avistar uma ou outra casinha ao longe. Mas após cruzar uma ponte, provavelmente sobre o manso Córrego do Sapé, tropeçamos numa porteira ao lado de uma placa q laconicamente proíbe a entrada, pois se trata de propriedade particular da Cedro. Olhamos pra ambos lados e, sem ver ninguém, passamos pela porteira onde outra placa (sentido contrario), complementa nossa posição afirmando q estamos saindo do Sitio Mirante, propriedade de uma tal família Alcântara Gamboa.

Ainda acompanhando o vale a estrada desvia pra direita, adentrando em terreno bem mais aberto onde as vistas se ampliam, q nos permitem ver a confluência dos rios Parauninha e Sapé, pra ambos abastecerem o reservatório Váu da Lagoa, ao sopé da cadeia montanhosa supracitada. Vemos tb uma gde fazenda, provavelmente a sede da Cedro, pela qual buscamos passar o mais longe possível, mas a própria estrada se encarrega disso ao ir cada vez mais pra noroeste.

Mas passada a fazenda, já quase ao sopé da serra, ignoramos o cruzamento da “ponte molhada” – q deve levar à usina e fazenda propriamente dita -&nbsp, e acompanhamos o rio mediante uma trilha q nos leva a mais uma barragem sobre o mesmo, q cruzamos cuidadosamente. Agora na outra margem do Parauninha, vemos o rio despencar furiosamente no vale do mesmo nome pro sul. A picada bordeja um bosque de eucaliptos e nos joga noutra estrada de terra, q aparenta acompanhar o vale pela esquerda, onde vemos aquedutos atravessarem a mata retorcida do cerrado.

Após uma subida forte pela estrada logo alcançamos o alto da serra, as 10:30, onde podemos estudar a rota a seguir, sempre tendo como objetivo um punhado de casas ao sul. O vale do Parauninha continua sinuoso à nossa direita, ligeiramente afastado uns 300m abaixo, à noroeste. E outra vez abandonamos a estrada pra ganhar as cristas de pasto dos morrotes sgtes paralelas à mesma, q nos poupam de dar longa volta pela esquerda ate o fundo do vale. Mas após um tempo rasgando campinas caímos novamente na estrada pra depois cruzar uma ponte metálica sobre o plácido Ribeirão do Curral, de tb onde pudemos avistar o risco branco da Cachu da Capivara, ao longe. Ate então o Danilo tava falando pelos cotovelos, metralhando-nos com uma piada atrás da outra, mas sossegou qdo combinamos em silencio de não rir mais das piadas dele, tática q revelou-se acertada.

Pouco depois a estrada cruzou nova porteira – desta vez fechada com grade, chave e td mais – delimitando a outra extremidade da propriedade da Cedro Textil. Mas conversando com o cara da guarita convencemo-lo a permitir nossa passagem.
Num piscar de olho desembocamos nas casas q havíamos avistado, isto é, estávamos na Faz. Água Limpa, propriedade de um tal Seu Pedro. Ali q tb se encontra o acesso à Cachu da Caverna q, mediante trilha bem fácil e sinalizada, nos leva à parte alta da mesma, onde o Ribeirão da Água Limpa singra em meio a altos rochedos inclinados formando um mini-cânion, de onde depois as águas despencam num belo poço, 40m abaixo. O acesso à parte baixa se dá por uma bifurcação fácil da picada principal, e permite o vislumbre da mesma cachu de outra perspectiva, q depois deságua no Parauninha mais embaixo.

Pois bem, estávamos ali numa boa, donos absolutos do pedaço sob forte sol qdo surgiu o Lucio, um moleque dizendo ser guia da região e q ali era cobrada uma taxa de R$10 de visitação e R$25 pra acampar (!?). Claro q nos mandamos dali rapidinho, mas o melhor foi o Lucio nos indicar um lugar pra tomar e comer algo, a casa da mãe dele, Dna Yolanda, cujos olhinhos transformaram-se em enormes cifrões assim q nos viu. Claro q não nos fizemos de rogado e ao meio-dia estacionamos na varanda da sua casa, onde mandamos ver 5 cervejas gelada, 2 refri, 2 doses de pinga e 2 deliciosas porções de carne-de-panela. Era meio-dia e aquilo lá tava bom demais, só devíamos ter perguntado o preço de td ali, q depois totalizou redondos R$100 (!?). Claro q bastou Dna Yolanda perceber q éramos de fora q nos “enfiou a faca”, mas ao constatar q havia 2 mineiros conosco ficou branca tentando justificar seus preços inflacionados. Fica então a dica de se fingir de mineiro…

Zarpamos dali as 13hrs quase rolando de tão empanturrados q ficamos, mas não sem antes adquirir uma pequena garrafa de pinga local da Dna Yolanda, desta vez a um preço bem mais acessível. Prosseguimos então pela estrada com lentidão mais q justificada, claro, sempre indo pro sul. No caminho, o Zé chegou a ameaçar a integridade física do Danilo qdo este demonstrou suas intenções de casar com sua filha dimenor..

Mas voltando à pernada, não demorou pra estrada fazer uma longa curva pra direita, desviando do sentido desejado ao mesmo tempo em q avistamos uma fazenda à frente q se interpunha entre nós e a Serra Morena, onde uma placa (“Sitio do Professor”) indicava q alem dali o acesso era proibido. Logicamente q deixamos a estrada em favor de uma trilha saindo pela esquerda q desviou da fazenda por encostas suaves de pasto ralo. O tempo q já não estava lá essas coisas e trouxe um negrume nada animador vindo do noroeste q despejou uma fina garoa sobre nós.

Passada a sede da fazenda galgamos novo morrote e do outro lado desembocamos às margens de um laguinho represado por algum rio, q pela carta revelou ser o Córrego Indequice. Contornando o laguinho, bastou acompanhar o curso natural do rio q em pouco tempo caímos no alto da Cachu da Serra Morena, as 14:30, cujas águas despencavam do alto de quase 50m num enorme piscinão, acessível pela mesma vereda q palmilhávamos. Aí nos separamos por pouco tempo: enqto uns descansavam, outros percorriam as varias direções q a trilha apontava. Eu resolvi descer à base do poção conferir o belo piscinão, alem de ver dois turistas atônitos me observar com espanto sair da íngreme encosta ao lado da cachu, provavelmente se perguntando onde estava o “meu guia”.

Me reuni novamente com meus colegas p/ dar continuidade à jornada, ainda fustigados por leves respingos de garoa. Inicialmente indo pro leste, mas depois desviando pro sul, ganhamos as suaves encostas de pasto ralo dos morros q se sucederam, mas não sem nos distanciar bastante do Zé e do Gibson, q agora sentiam o peso do bucho cheio na pernada. Mas ainda assim ambos seguiram firmes e fortes respeitando seu próprio ritmo, no exato momento em q a garoa terminou de vez.

As 15:15 alcançamos o asfalto da MG-010 q acompanhamos durante uns 15min, pra depois abandoná-lo rumo sul, passando por baixo da cerca q nos separava do PN Serra do Cipó. Lançamos-nos então à novas onduladas pradarias açoitadas por fortes ventos, chafurdando terrenos alagadiço e cortando campos rupestres, avaliamos a rota seguidas vezes até q às 17:30, vencidos pelo cansaço e pelo dia q findava, entregamos os pontos.

Após coletar água numa matinha próxima de um brejo, montamos acampamento num largo ombro serrano lá pelos 1244m e com vista privilegiada pro Travessão, o famoso cânion divisor de águas do Cipó. Apesar do chão pedregoso, conseguimos fincar nossas barracas firmemente auxiliados pelas pedras ao redor, q funcionavam ora como martelos ora como contrapesos. A noite caiu rapidamente e logo o céu cobriu-se de estrelas, cujo brilho era apenas corrompido pela luz difusa de alguns arraiais à oeste (Itambe do Mato Dentro? Itabira?), e o de Cardeal Mota, q por sua vez resplandecia recortado pela serra à oeste.

Sendo nosso ultimo pernoite, juntamos as sobras e nos regateamos com uma suculenta janta coletiva. Entre surrupiadas de fatias de salame e goles da birita de Dna Yolanda, ouvíamos mais e mais historias de nosso contador oficial, alem dos causos da solteirice pervertida do Zé. Exaustos, capotamos de vez em nossas respectivas barracas apenas pra constatar q a noite não fora tão fria conforme prevíamos, e q no decorrer da mesma o firmamento aos poucos foi se cobrindo de densas e alvas nuvens.
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O Dia das Cachus do Cipó

Dito e feito, a manhã de domingo surgiu abraçada por um espesso nevoeiro e castigada por fortes ventos q mantiveram nossas barracas secas de qq umidade. Levantamos à contragosto, claro, mas principalmente pelo som de uma “onça” roncando numa das barracas. Enrolamos nos sacos ate a hora de começar a arrumar as coisas, engolir rapidamente nosso café e levantar acampamento o qto antes, pois ainda havia q pegar estrada pra Sampa.

Partimos exatamente às 8:10 rasgando a campina ainda sentido sul e logo depois desviando pra sudeste, evitando&nbsp, pirambas íngremes. Aos poucos as nuvens foram se dispersando dando lugar a um céu limpo e um sol impar, permitindo assim ótima navegação visual onde nosso objetivo era achar alguma picada q seguisse rumo o Travessão, pois aí fatalmente toparíamos com outra q acompanhava o Ribeirão Congonhas, serra abaixo.

Conforme o previsto, as 8:50 tropeçamos com a dita trilha q bastou acompanhar em forte aclive pro sul, e num piscar de olhos caímos na parte superior da Cachu Congonhas de Cima, onde paramos pra bater algumas fotos e apreciar o visu. Varias lajotas dispostas através do riacho servem de verdadeiros mirantes onde podemos vislumbrar a água despencando mais de 60m em vários níveis num enorme poção, alem de ver o rio se afunilando cada vez mais ao serpentear montanha abaixo (sul).

Depois de breve descanso e de dar um rolê no poço inferior, prosseguimos descendo pelo trilho pedregoso de quartzito claro, sempre acompanhando o rio pela esquerda, ora próxomo, ora afastado. Dessa forma íamos aos poucos nos aproximando do fundo do cânion do Travessão, tendo belos visus do rio despencando encachoeirado em td trajeto, alem de emparedado por lajotas verticais enormes nos trechos recortados em inúmeras fendas e grotas.

Mas bem antes de alcançar o fundo do cânion, lá pelas 9:30, a vereda nos leva a um trecho do rio onde os paredões e campos rupestres se alargam, e uma passarela escarpada de lajotas permite cruzar o rio sem problema algum onde podemos vê-lo se espremer cânion abaixo. E ali perto um enorme poção acobreado reluz à luz da manha, aos pés de uma outra gde cachu. Estamos em Congonhas de Baixo e foi aqui q jogamos as mochilas no chão pra um longo e merecido descanso e, claro, um banho bem gelado. E coloca gelado nisso, pois a água tava trincando de fria, mas isso não impediu q o Paulo, Gibson e Danilo encarassem a cachu caindo na própria cachola. Eu e o Zé nos contentamos apenas num rápido mergulho (tendo como combustível um gole da pinga q carregávamos!), e nosso hábil navegador Toninho sequer escaldou os pés.

Revigorados pelo banho retomamos a pernada, agora em sua fase final. Ignorando a continuidade da trilha, q descia cânion abaixo, resolvemos subir o rio através de sucessivos níveis de lajedos, perfeitamente escalaminhaveis com alguma cautela. Foi aqui tb onde a alça da minha mochila resolveu estourar numa hora bem imprópria, mas nada q uma rápida “gambiarra” não resolvesse. O fato é q após subir o rio em pouco tempo caímos noutro poção enorme (q não vimos durante a descida pela trilha por estar afastado da mesma), ao pé de uma pequena cachu. Era a Cachu Congonhas do Meio e o sol forte daquela tarde conferia à suas águas cristalinas uma translucidez maravilhosa, além de refletir o céu azul daquele inicio de tarde.

A partir daqui a pernada apenas acompanhou o carreiro obvio q escapava da cachu, sentido noroeste, galgando suaves e sucessivas encostas de capim ralo q um tempo depois nos levaram a um largo topo de serra, de onde vislumbramos pela ultima vez o Travessão. O forte sol daquele horário era amenizado pela brisa q soprava em nossos rostos, e assim q damos às costas ao ilustre cânion passamos a descer pro outro lado da montanha, acompanhando em nível a encosta serrana da mesma e ganhar um enorme platozão de pasto, sob os estridentes&nbsp, protestos de um gavião voando sobre nossas cacholas.

Um jato risca o céu azul no exato momento em q começamos de fato a descida final. Nisso, nos distraiamos apreciando as escarpas abruptas da serra despencando rumo o cânion, ao sul, como ouvindo atentamente novos causos do nosso Forrest Gump, com destaque pras estórias do tio mafioso napolitano e da top-model russa. Mas não deu nem tempo de implorar encarecidamente por um pouco do mel dele, q as 12:20 nos vimos aparentemente fora dos limites do PN, pois casas começavam a pipocar aqui e ali num local chamado de Mãe D´água, um ultimo platô antes da baixada.

Aqui algumas picadas se entrecruzam mas o sentido é obvio, atravessamos uma matinha sempre acompanhando um pequeno córrego, q cruzamos e descruzamos mais adiante, pra finalmente o carreiro desembocar no calçamento de pedras do tal “Caminho dos Escravos”, um antigo trilho colonial local. Daqui em diante é descida forte, onde cruzamos com os primeiros turistas em sentido contrario, q se arrastam horrores pra subir o tal caminho naquele horário. Numa curva, um mirante rochoso permite um belo visual de Cardeal Mota, se esparramando lá embaixo e de onde se eleva o Morro da Pedreira, famoso point de escalada local. Outro mirante saindo pela esquerda já dá uma geral da Cachu Véu da Noiva, despencando verticalmente serra abaixo no camping homônimo, ao sul.

E assim, as 13hrs caímos no asfalto da MG-010 a poucos metros de onde havíamos deixado o nosso veiculo, no estacionamento do Camping Véu da Noiva. Alem de nos fartar com “chup-chups” (geladinhos!) de milho verde de um ambulante, imediatamente encostamos no restaurante do Camping, onde bebemoramos fartamente a empreitada de sucesso e enchemos o bucho com comida mineira feita na hora.

Na seqüência, eu, Gibson e Danilo ficamos no restaurante aguardando o restante do pessoal, q foi buscar os veículos na Lapinha. Espera esta q pareceu deveras interminável. Nesse meio-termo ficamos à toa, vendo o movimento da cidade indo e vindo, entornamos mais umas brejas, tomamos banho e surpreendemos carrapatos agarrados ao corpo, q na semana sgte empipocaram meu corpo por conta da alergia q tenho a esses bichos malditos. Claro q tb passamos o tempo tb ouvindo os casos dos inferninhos freqüentados pelo Gibson, q abriram os olhinhos do Danilo. Eu me limitei apenas a ouvir já q desconheço baladas dessa natureza, pois minha vida social e tempo livre são exclusivamente dedicados a valorização da família e bons costumes, tipo ir a missa e fazer trampos em comunidades carentes, por exemplo. Qto o resto das fofocas, boca fechada. Afinal ” o q acontece na montanha, morre na montanha..” Ainda bem, não?

O certo é q qdo o povo chegou, por volta das 17:50, nos despedimos dos nossos colegas mineiros e tomamos o asfalto imediatamente em direção à “Terra da Garoa”, onde chegamos apenas às 3 da madruga de segunda-feira graças à persistência do nosso motora Zé. Claro q chegamos cansados e quase sem tempo até de dormir, mas voltamos espiritualmente refeitos pra mais uma semana de labuta.
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E assim transcorreu nosso feriado por esta rota menos conhecida em meio às entranhas da Serra do Cipó. É bem verdade q ela é apenas “mais uma”, pois a td hora surgem novas surpresas em torno do pacato vilarejo da Lapinha. Por exemplo, ontem mesmo um passarinho me soprou informações de outra árdua pernada de vários dias rumo Conceição do Mato Dentro saindo do arraial, passando por varias cachus nada visitadas.

Mas esta dica é apenas motivo mais q justificado pra lá retornar pra explorar as outras direções do pacato vilarejo e as vastas paisagens q o Espinhaço oferece. De fato, os caminhos da Lapinha são realmente inúmeros.

Texto e fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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