Uma crise no montanhismo e escalada

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No montanhismo brasileiro não faltam pessoas competentes, mas faltam outras coisas que nos fazem refletir o futuro do esporte.

Nunca houve no Brasil tantos escaladores bons. Antes era difícil achar quem escalava, hoje em qualquer afloramento têm vias de escalada. Nas cidades grandes e médias começaram a aparecer ginásios e o resultado é que escalar um sétimo grau, o que, na época em que eu comecei a escalar era considerado algo muito difícil, hoje é normal.

Nas trilhas das montanhas brasileiras havia sempre poucas pessoas. Hoje as montanhas estão super frequentadas, para não dizer saturadas.

O crescimento do montanhismo e escalada no Brasil também é visto lá fora. Nas montanhas andinas, os brasileiros cada vez mais dividem espaço dos acampamentos base com os gringos e não há uma temporada de montanha no Himalaia sem um brasileiro tentando um cume. Aliás, mesmo sem ter alta-montanha no Brasil, conseguimos ter mais montanhistas em cumes de 8.000 metros do que certos países que tem este tipo de montanha. Grandes escaladas técnicas e difíceis mundo afora já foram realizadas por brasileiras, mas mesmo assim, o montanhismo no Brasil está crise, por quê?

Na última etapa do campeonato brasileiro de escalada está um exemplo desta crise. O campeonato foi muito disputado e o nível técnico elevadíssimo. Entretanto, quem acostumava ver campeonatos dez anos atrás se assustou com o número pequeno de participantes, principalmente das mulheres, somente quatro.

O porquê deste baixo número de participantes pode ser explicado pela falta de apoio. Para se ter uma ideia, o campeão da etapa embolsou apenas 550 reais de premiação, isso por que na última hora a organização conseguiu um patrocínio milagroso, pois até então o prêmio era de 250 reais, o que daria somente para o ganhador, no caso o Cesinha, pagar as passagens de ida e volta entre São Paulo e Curitiba. E os outros que não foram campeões, mas chegaram longe? É por isso que só participa quem tem alguma chance de premiação e como ela é pequena, ninguém vai, o que não reflete o crescimento do esporte no país.

Essa falta de apoio faz que haja pouca renovação na escalada que desde 2005 com o Felipinho não apareceu mais gente tão promissora. Isso apenas falando na escalada esportiva.

Na escalada em rocha e montanhismo, que são praticadas em áreas naturais há um problema que cada vez mais se agrava, o embate entre o montanhista e as autoridades de meio ambiente. Este problema é muito pior que o da escalada esportiva, pois aí não é mais um caso de falta de patrocínio, mas sim a proibição do esporte.

Cada vez mais as montanhas estão sendo protegidas por lei em formas de parques e reservas. Aquilo que era para ser comemorado pelos montanhistas, voltou-se contra eles, pois assim que os parques passam a ter infra-estrutura e receber planos de manejo, a escalada e o trekking passam a ser proibidos para não gerar “impacto ambiental” e também para não dar trabalho às autoridades numa provável equipe de resgate.

Eu conheço muitos parques nacionais em outros países e em todos eles a principal atividade deles é o trekking e o camping, o que no Brasil é, na maioria dos parques, proibido. Em todos esses países os parques são limpos, preservados e dão lucro. No Brasil, mesmo com tanta proibição, os parques são sujos, depredados e não por menos, dão prejuízo.

Quem é culpado por isso?

Primeiro, o povo brasileiro em geral que é mal educado e folgado. Depois, o próprio montanhista, pois, também é mal educado e se auto boicota. Como assim? Eu vou explicar.

Eu moro numa das poucas cidades brasileiras onde existe uma cultura e história de escalada, Curitiba. Mesmo que aqui se concentre os escaladores e montanhistas do Paraná, a galera é muito desunida. Muita gente não participa de festas e eventos que promovem a escalada e montanhismo. Quem acha que já sabe escalar e fazer montanha, esquece que existem clubes e a Federação e pior, intitula quem luta pelo esporte de “Mané”, assim como quem está começando. Ao invés do escalador ajudar os novos, ele faz o contrário, caçoa, como se ele mesmo nunca tivesse sido um calouro na montanha.

Há as pessoas que têm este perfil, e também tem outras que acabam fazendo malandragens desnecessárias, como piratear vídeos de escalada, copiar guias e livros onde os autores são escaladores e tiraram do bolso a impressão, deixando-os no prejuízo…

Outra coisa que desincentiva é a falta de patrocínios. Isso é na verdade um problema nacional para quase todos os esportes. De fato, um patrocinador que queira divulgar sua imagem vai encontrar dificuldade na escalada, pois sequer temos hoje em dia um meio de divulgação impresso, já que a nossa saudosa revista Headwall veio a falência, em partes, por causa dos escaladores auto boicotadores… Os meio impressos de divulgação que existem, infelizmente, não conseguiram substituir a revista que morreu em sua 12 edição, apenas.

Agora um dos piores problemas é a mentalidade cada vez mais normatista e tecnocrata que vêm influenciando as mentes das pessoas, dentre elas os diretores de parques, secretários de meio ambiente e técnicos que elaboram os planos de manejo. Em geral esse povo nem sabe o que é escalada e em geral eles são gente urbana criada em universidade que conhece a natureza pela teoria.

Esse pessoal quando começa a planejar um parque, imagina esta área natural com os olhos de gente de cidade, ou seja, vêem a natureza como algo belo e romântico, uma paisagem contemplativa onde você pode se equilibrar durante o fim de semana e depois volta para sua cidade e sua vida cotidiana.

Resumindo, o planejamento de parque para eles é o turismo contemplativo, aos moldes do Parque Nacional de Foz do Iguaçu. Você vai até lá e olha a cachoeira, depois disso volta e vai embora. Assim, num parque de montanha, você vai, olha a montanha, tira uma foto e volta pra cidade… A natureza começa a ser tão artificialmente protegida que passa a ser um espaço humanizado, pois ele é artificialmente protegido para que os turistas se sintam à vontade numa ambiente “natural”. Isso tudo tem um nome e é chamado por Antonio Carlos Diegues de “Mito moderno da natureza intocada”.

Como a base da ideia conservacionista, ou seja, do IBAMA e outros órgãos ambientais é a da natureza intocada, como montanhista que almeja conquistar a natureza, você está cometendo um crime e aí é por isso que cada vez mais novos e bons lugares de escalada no país estão sendo fechados.

Este é um assunto muito delicado e ainda há muito que se discutir. Entretanto, se observarem bem, todos esses fatores se relacionam de alguma maneira e a pergunta que deixo a seguinte: Como será o futuro da escalada e montanhismo no Brasil?

Se por um lado têm se tornado cada vez mais comum praticar nosso esporte e ele tem evoluído em quantidade e qualidade, onde iremos praticá-lo no futuro, e como? Já que observo que a cultura da montanha tem se perdido bastante nessa multiplicação de escaladores não montanhistas por aí. O que há de nos esperar?

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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