Diante desta realidade, não faltam opções por aqui mesmo para criar novos desafios e ampliar os limites, afim de auto extrair o máximo de desempenho físico e psicológico, do corpo e da alma, mesmo que sejam nas surradas travessias pelas montanhas da nossa amada serra do mar paranaense.
Assim nasce um novo projeto, que com base nos limites anteriores, fica difícil determinar se realmente será possível ou não executá-lo. Começam os cálculos em cima de tempo anteriores, situação de trilhas, desníveis, imprevistos. E então começa ficar complicado para fechar a conta. Isso, naqueles que tem fome de aventura, ao invés de causar desânimo, acaba instigando ainda mais a imaginação, a ponto de causar insônia.
Se quiséssemos que o projeto fosse realizado antes de acabar o ano, a hora seria aquela. Ficou definido que dia 27/12/13 seria o dia, independente de como o tempo estivesse. Eu e Mildo Jr. éramos a única certeza de presença. Os outros dois que vinham ajudando modestamente no projeto, não pareciam seguros de sua participação. O Leandro ultimamente andava priorizando outras coisas como passeios de moto e reuniões em família, etc. Miguel Trilheiro estava com uma distensão na perna. O Jurandir não havia participado nos serviços, mas este tinha mérito por outras inúmeras contribuições, e sendo assim, se juntou ao grupo e garantiu sua presença. Frederico andava meio afastado das montanhas, mas acabou aceitando meu convite de última hora. Foi o que mais se deu bem, pois acabou participando da grande festa sem ajudar em nada com os sacrificantes preparativos que antecederam e possibilitaram a mesma.
27/12/13 – Rumo ao Pico Paraná
Finalmente saí de casa às 15h pilotando o landcelta. No bagageiro além da mochila, o bolo de fubá que tinha prometido pro Espalha-brasa. Ele já havia dito que não era pra aparecer lá de volta sem esse bolo, que minha mãe prometeu a ele pouco antes da Alpha Crucis. O combinado era eu, Fred, e Jurandir que vinha de Paranaguá, nos encontrarmos às 16h no mocó do Mildo, próximo à praça Rui Barbosa.
Fui o primeiro a chegar, antes mesmo do dono da casa, que logo mais apareceu e subimos juntos. Enquanto esperava ele arrumar as tralhas, troquei mensagens com os outros integrantes, que nos esperaram na portaria do prédio. Galera reunida, seguimos rumo a Santa Cândida onde Cintia nos aguardava. Ela iria nos prestar um grande apoio logístico nos levando do Espalha-brasa, onde deixaríamos meu carro, e então até a porteira da Fazenda Pico Paraná, onde iniciaríamos a caminhada. No ponto de encontro, o Fred passou pro carro da Cintia, e seguimos em comboio rumo ao alto da Graciosa.
Chegando ao Espalha-brasa às 17:30h, o mesmo me recebeu dizendo que se o bolo de fubá não tivesse vindo, podia dar meia volta. Mas dessa vez caiu da mula, pois saquei o mesmo do porta-malas, e quitei a divida que contraí na Alpha Crucis. Avisamos que voltaríamos no dia seguinte resgatar o Celta, e este respondeu que até meia noite estaria acordado. Tiramos algumas fotos, e sem demora nos enfiamos todos no carro da Cintia rumo a Fazenda Pico Paraná.
Eram 18h quando nos despedimos dela, na parte mais alta da estrada, e onde ficava a porteira que foi derrubada pelo estado no processo de desapropriação. Dali ela retornou para casa enquanto nós descemos andando pela estrada rumo ao início da trilha.
Há meses já era publico que a trilha do Pico Paraná havia sido desapropriada, mas também sabíamos que o Dilson estava desrespeitando a decisão, e havia criado vários transtornos aos montanhistas que tentavam passar por lá seguindo o que foi determinado pelo estado. Ao mesmo tempo que isso me preocupava, Fred parecia tranqüilo, e dizia que simplesmente devíamos passar reto e em silêncio, sem dar satisfações. Em fila indiana seguimos seu plano, com o próprio na dianteira.
Porém assim que contornamos pela trilha a lagoa em frente a casa, ouvimos uma gritaria. Era Dilson e sua gangue (capataz, esposa, cachorro, sogra, enteado, etc). Vinham ensandecidos, a passos largos, e aos berros nos abordar. Notei que no meio do caminho ele deu uma parada e tirou a camiseta. Pareceu embrulhar algo nela. Quando chegou mais perto, a primeira coisa que disse é que deveríamos pagar se quiséssemos passar, e que iríamos fazer isso por bem ou por mau. Naquele momento o camarada que já havia se distanciado na dianteira, retornou. Tentava argumentar com Dilson sobre a determinação do estado. Mas foi quando eu reforcei que ele, nitidamente alterado, perdeu a razão e veio para cima feito um louco para me agredir fisicamente. Minha reação foi de defesa. Numa situação destas reagir seria como brigar com um embriagado: Se você bate, bate num bêbado! Se você apanha, apanha dum bêbado! Não havia como sair vencedor. Tratei de manter distancia enquanto o amigo se virava para segurar o animal, ao mesmo tempo que me pedia para sair dali. Foi o que fiz. Rapidamente me retirei e segui pela estrada rumo a um lugar seguro, e que desse sinal de celular pra ligar para a polícia.
Para fora da porteira derrubada consegui um ponto e tentei ligar, porém caiu enquanto explicava ao atendente. Subi num barranco e voltei a ligar. Já estava bem adiantado no relato quando a ligação voltou a cair. Desanimado, decidi enviar mensagens para os camaradas avisando que os esperava ali, pois já passara um bom tempo e nada deles. Acreditava que poderiam estar lá em baixo me esperando meu retorno, algo que no momento não estava nos planos. Enquanto escrevia a mensagem, passou um carro com uma turma que estava lá embaixo e viram a confusão. Expliquei o motivo, e pedi que se possível informassem a polícia, e solicitassem o envio duma viatura.
Logo depois os amigos apareceram. Ficamos meio confusos e pensando no que fazer diante de toda aquela loucura. Reanimei-me a ligar novamente pro 190, e dessa vez consegui concluir o relato e passar as coordenadas donde estávamos. Agora só restava ficar sentados na beira da estrada esperando pela lei. Passou-se uma hora e nada. A dúvida era geral, pois nem mesmo sabíamos se viriam. Continuávamos confusos sobre o que fazer. Voltar andando pela estrada até a BR116 e daí até o posto Tio Doca, era a mais deprimente das opções.
Decidimos então tentar entrar por um caminho antigo, mas ao chegar na chácara do Kielse, de cara uma placa: “NÃO SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO VIGIADO”. Pior que estávamos mesmo, pois foi só nos aproximar e alguém nos chamou pelo interfone perguntando grosseiramente o que queríamos ali. Quando perguntamos sobre o caminho para as montanhas, foi curto e grosso ao dizer que por ali não podia mais.
De volta à estrada, ninguém estava afim de abrir mão da travessia por conta de um palhaço arrogante. Assim pedimos para Jurandir e Mildo, que não foram tão agredidos, que voltassem lá e perguntassem se caso pagássemos, poderíamos passar em segurança. Logo voltaram com a resposta, e com R$60,00 a menos no bolso. Isso mesmo! Cobrou R$15,00 de cada. Mas diante da situação, demos graças de poder levar em frente nossa travessia. Sobre a humilhação, isso não iria ficar assim, meses depois ficamos frente a frente com o Sr. Dilson no tribunal.
Seguimos então a passos largos rumo ao Pico Paraná, pois estávamos mais de duas horas atrasados. Já eram quase 20h, a noite se aproximava rápido, reforçada pelas nuvens negras e carregadas dum horizonte próximo, juntamente com trovoadas e relâmpagos. Era certo que uma grande chuva desabaria sobre nós, mesmo com o exagerado otimismo do Fred afirmando que não choveria. Diante do episódio da fazenda, não levei em conta a nova profecia do amigo. Até porque, mesmo sendo noite, o tempo estava muito abafado e úmido. Era visto que estávamos numa área de baixa pressão.
Nas rochas do Getulio paramos para tomar ar e apreciar o show dos relâmpagos ao som dos trovões, pros lados de Curitiba. Não perdemos muito tempo, pois seria interessante chegar ao cume antes do dilúvio. Seguimos rápido, e na bica mal paramos. No rio antes do A1 enchemos as garrafas, e pipocamos rumo ao cume. Cogitamos dormir no A2 por ser mais protegido dos fortes ventos, mas a idéia foi rejeitada ao lembrar que no dia seguinte teríamos que subir ao cume para fazer valer a proposta dum “ataque” do Pico Paraná à Graciosa.
Chegamos ao cume 0:30h. Era inacreditável, mas ainda não havia chovido sobre nós. Mas com a sorte não se brinca, e sendo assim, eu e Mildo nos dirigimos à área de acampamento para montar nosso bivaque. Fred e Jurandir disseram que iam dormir encolhidos no cume sem proteção alguma, pois não haviam levado nada. Ao dizerem isso, já imaginávamos que não ida dar boa coisa, pois a chuva apesar de ter sido camarada conosco, era certo que viria a qualquer momento. Montado o bivaque, finalmente era hora de repousar e recuperar toda a energia possível para a dura jornada que se iniciaria dali cinco horas.
Já passava da 1h da manhã quando começou chover. Junto com ela, chegaram nossos amigos com cara de cachorro molhado que caiu da mudança. Jurandir havia levado pelo menos uma capa de chuva, que amarrou a entrada da cabeça e transformou numa tenda improvisada, que emendamos na minha formando um “puxadinho” de montanha. Entrou debaixo e dormiu encolhido somente com a roupa do corpo. Já o Fred, se envaretou pro lado do Mildo, com a miserável situação de não ter nada a oferecer alem da companhia, e dos roncos, que trataram de manter o Mildo ativo e irritado pelo pouco de noite que restava.