:: Leia a primeira parte da História do himalaísmo brasileiro.
Texto: Rodrigo Granzotto Peron
Capítulo 3 – MAKALU 1987 (8.485m)
São tão difíceis as subidas invernais que até hoje somente três montanhistas sulamericanos se aventuraram a tentar picos 8.000 nessas condições. O pioneiro foi Pauletto. O segundo, Thomaz Brandolin. E o terceiro e último, em 1993, o argentino Miguel Lito Sanchez, no Cho Oyu, em que conseguiu êxito (único sulamericano a culminar no inverno um pico 8.000).
Thomaz Brandolin na ascensão ao Makalu em 1991Thomaz Brandolin, também através de Michel Bogdanovicz, integrou excursão invernal polaca ao Makalu (entre 1987 e 1988), liderada por Andrzej Machnik e Zbigniew Terlikowski, e composta por Grzegorz Fliegel, Julian Kobowicz, Wojciech Jedlinski, Krzysztof Witkowski e o norte-americano Andrew Evans.
O acampamento-base foi instalado em 8 de dezembro de 1987 (a 4.850m), e o acampamento-base avançado em 10 de dezembro (a 5.200m). Além destes, outros 4 acampamentos de altitude foram montados. A via utilizada foi a Aresta Noroeste (rota da conquista do cume, em 1955). A tônica foi a luta contra as intempéries constantes (nevascas pesadas, temperaturas de -35ºC e ventos gélidos com rajadas de até 100 km/h). Além disso, o grupo inicial, composto por nove escaladores, foi logo reduzido a apenas quatro, devido aos inúmeros problemas de saúde (o médico da equipe não conseguiu nem escalar, pois estava constantemente sendo solicitado a tratar de alguém). Assim, apenas Machnik, Terlikowski, Evans e Brandolin conseguiram chegar ao campo III (6.900m). O tempo permaneceu de mau humor e o máximo que foi possível atingir foi 7.700m, quota alcançada pelo americano.
Brandolin escalou até 7.200m, antes de ser vencido pelas ventanias e pela fadiga. Em 21 de janeiro de 1988, após 44 dias de esforços sobre-humanos na montanha, o líder polonês deu por encerrada esta tentativa no Makalu (que, de tão difícil, até hoje nunca foi domado no inverno, derrotando cada uma das doze expedições que o tentaram). Outra grande façanha para o alpinismo nacional, de novo invernal, e que por certo motivou várias pessoas a tentar cumes 8.000 nos anos vindouros.
A seguir o Everest entra no jogo…
A mais alta montanha, a mais cobiçada, o gigante Everest (8.848m) foi pela primeira vez dominado em 1953. Até 1991, apenas quatro expedições sulamericanas tinham por lá se aventurado: argentinos em 1971 e chilenos em 1983, 1986 e 1989, sempre sem cume.
Neste ano de 1991 houve duas participações distintas de brasileiros. Uma delas, liderada pelo motivado Thomaz Brandolin, tentando o Flanco Tibetano (Aresta Nordeste), era composta por Paulo Coelho, Helena Coelho, Alfredo Luiz Bonini, Roberto Linsker, Kenvy Chung Ng, Ramis Tetu de Lima e Silva e Eduardo Nogueira Garrigós Vinhaes. Esta foi a primeira expedição totalmente brasileira ao Everest, com patrocínio da Petrobrás, estrutura e planejamento invejáveis e contando com uma experimentada equipe sherpa, com Ang Rita (10 cumes no Everest), como sirdar.
A expedição, no período pós-monção (que vai de agosto a novembro), teve vários problemas burocráticos e atrasos na liberação dos equipamentos e acabou chegando bem tarde na montanha, comprometendo o resultado da escalada. Montaram o acampamento-base no dia 3 de outubro, o base avançado (6.500m) no dia 14, e o acampamento IV (7.100m) tão-somente dia 28 de outubro. O inverno parece ter chegado mais cedo, pois as condições atmosféricas estavam longe das ideais, com ventanias ameaçadoras e jet streams que não cessavam. Brandolin e Ang Rita atingiram a cota de 7.100m e, vencidos pela força do vento (que destruiu várias barracas), acabaram desistindo. No final de novembro, após novas e infrutíferas tentativas, a expedição foi finalizada.
Conquanto tenham voltado ao Brasil sem o almejado cume, a empreitada seminal foi um êxito: a) primeira expedição totalmente nacional, b) maior número de brasileiros tentando um pico 8.000 em todos os tempos, c) primeira vez que uma mulher brasileira – Helena – foi tentar o Himalaya. A aventura é contada no livro Everest: viagem à montanha abençoada (leitura obrigatória para todo montanhista).
Enquanto isso…
Do outro lado da montanha, a segunda participação brasileira foi a do paranaense Waldemar Niclevicz, pelo Flanco Nepalês (Aresta Sudeste), em expedição comercial de Jean-Noel Roche, liderada por Jean-Michel Asselin e Denis Pivot, com 18 participantes. Um dado curioso sobre essa expedição foi que alguns dos integrantes fizeram “aclimatação artificial” em uma câmara hiperbárica, na França, vindo direto para escalar, sem precisar passar tempo nos acampamentos superiores para acostumar o organismo.
Chegaram ao acampamento-base em 25 de agosto. O tempo esteve sempre muito instável e ventoso e os escaladores experimentaram muitas dificuldades, com ninguém culminando a montanha. O líder – Denis Pivot – teve a clavícula quebrada em uma avalanche e dois membros da equipe sofreram frostbites.
Em quatro de outubro Niclevicz partiu do Acampamento IV (7900m) rumo ao cume mas, no Colo Sul, a aproximadamente 8.500m, seu equipamento de oxigênio suplementar apresentou defeito e ele foi obrigado a dar meia-volta. Trecho do livro Tudo pelo Everest (um best-seller do montanhismo brasileiro, muito bem escrito e com mais de 30.000 exemplares vendidos) demonstra a frustração de Niclevicz com a falha do mecanismo: “Abri devagar o registro da garrafa e esperei que a bexiga da máscara começasse a inflar. Nada! Fechei o registro, apertei novamente todas as junções e voltei a abrí-lo. Nada! […] Moralmente fiquei arrasado. Não podia aceitar aquela situação. Havia empregado todas as minhas forças para levar tão alto aquele tubo de ferro, que para nada me servia” (p. 157/158).
Apesar de o equipamento tê-lo impedido de atingir o cume, Waldemar voltou ao Brasil como o primeiro brasileiro a ultrapassar a marca dos 8.500m, o que por si só foi uma grande realização.
No prolífico ano de 1991, outro brasileiro fez história. O montanhista Sérgio Beck chegou ao Cho Oyu em 6 de abril (segundo consta de registros oficiais, sem o devido permit, que é o documento obrigatório para poder escalar. Em sua defesa deve ser dito que escalar sem o permit naquela época era algo bastante comum, por causa de constantes problemas burocráticos com as autoridades chinesas, havendo 16 casos registrados entre 1987 e 1997, incluindo o grande espanhol Alberto Iñurrategui). Utilizando a rota normal (Rota Tichy) e a logística de acampamentos da expedição francesa de Alain Hantz, com quem fez amizade, ele progrediu bem rápido nas encostas da montanha e em meros quinze dias já estava no acampamento três (7.100m) e pronto para ir ao topo. O único acidente que experimentou em sua saga foi uma queda, tendo deslizado por 100 metros mas conseguido parar a tempo, sem sofrer nenhum ferimento.
No dia 22 de abril Beck pisou os crampons no cume da sexta montanha mais alta do planeta. No platô do cume também se encontravam membros da expedição da França: Alain Hantz, Man Bahadur Gurung e Iman Singh Gurung. Foi a primeira conquista de um pico 8.000 por um brasileiro e a sexta por um sulamericano. Um grande marco do nosso alpinismo.
Finalmente o Brasil conquistava seu primeiro 8.000.
Na matéria da semana que vem, a conclusão da história sobre os primórdios do Himalaísmo brasileiro, com mais conquistas e um pouquinho de polêmica…
Texto: Rodrigo Granzotto Peron
Fotos: SummitPost.org, Niclevicz.com.br