Recentemente, pelas listas de discussão e pelos fóruns da internet, os escaladores têm reclamado das crescentes proibições dos locais onde o esporte é praticado. Só para citar exemplos, nestas últimas duas semanas, somente em São Paulo foi fechado dois lugares, sendo que um era para ser um campo escola que nem sequer chegou a ser inaugurado.
O problema mais comum enfrentado pelos escaladores são as restrições impostas pelos donos das propriedades que dão acesso às rochas. São condomínios que querem mais segurança e criam muros e porteiras, fazendeiros e sitiantes que não querem ver gente desconhecido no meio de suas plantações ou pasto e até mesmo gente que quer ter sossego e não quer ver ninguém perturbando seu descanso.
Os condomínios são um problema grave de difícil solução. Eles estão diretamente ligados com o aumento da violência urbana, pois as pessoas com medo se fecham dentro de propriedades privadas. O problema é que os condomínios, para se tornarem atraentes, fazem muito apelo ao meio ambiente e não é incomum eles comprarem áreas enormes de floresta para virar o “Parque” particular daquela pequena parcela de pessoas. Não é incomum que junto com essa parcela de área verde não venha também um belo dum afloramento rochoso onde é praticada a escalada.
Problemas com fazendeiros e sitiantes também são comuns. Muitas vezes são eles que têm razão. Ficou famoso no Paraná a história da fazenda que dava acesso ao morro do Ferraria na Serra do Mar. Uma vez, certos montanhistas esquecidos, deixaram aberta uma porteira e um boi que era matriz de reprodução e que havia custado uma fortuna para o fazendeiro escapou, brigou com um touro e morreu. Moral da história: Ninguém nunca mais entrou naquela propriedade. Não por que respeitam a vontade do dono, mas por que ele, depois deste incidente, encheu a fazenda de cães bravos.
Depois de um tempo, os montanhistas acharam outro acesso por uma fazenda de Pinnus. Alguns montanhistas com a consciência ecológica muito aguçada, mas pouco diplomática, resolveram quebrar alguns desses pinheirinhos ecologicamente incorretos, mas economicamente rentáveis e o Ferraria ficou fechado de novo.
Às vezes os motivos mais parecem desculpas. Foi o que aconteceu na falésia dos Viciados no Vale do Paraíba em São Paulo onde o proprietário proibiu o acesso. Segundo o fazendeiro a presença de muita gente no pasto estava fazendo que as vacas dele dessem menos leite.
Nem sempre os proprietários têm razão. Em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, o acesso ao Morro do Carmo pelo caminho mais curto foi fechado, pois um dos escaladores, com toda a razão, denunciou o dono das terras que estava desmatando a floresta nativa. Ele levou uma multa ferrenha e depois disso baniu quem escalava de seu terreno.
Nem todas as propriedades têm um destino agropastoril, mas mesmo assim os donos não querem ver estranhos pelo simples fato que eles querem é ter sossego em suas propriedades rurais nos fins de semana.
Se existem desentendimentos com os donos das propriedades que dão acesso às montanhas e às rochas, isso é um problema que pode ser resolvido com diplomacia e às vezes até pagando. Houve proprietários que transformaram o acesso às rochas por suas terras numa fonte de complementação de renda. Isso é ruim? Com certeza, mas pior é não poder escalar ou então ser enxotado da montanha como se fossemos bandidos…
Dois casos bizarros de brigas com os proprietários das montanhas aconteceram no Rio de Janeiro. Lá eles trataram os escaladores como se fossem bandidos. Nestes casos, o fim poderia ter sido trágico, se estes proprietários malucos tivessem boa pontaria, pois eles simplesmente atiraram nos escaladores. Foi o que aconteceu na Falésia da Joatinga e no Humaitá. O caso foi parar na justiça!
A saída para que os escaladores e montanhistas pudessem desfrutar da natureza sem ter problemas é a criação de Parques, nas diversas esferas do Poder, Nacionais, Estaduais e até Municipais. Este tipo de unidade de Conservação tem como propósito proteger a natureza, mas também desenvolver atividades recreativas de forma que elas gerem poucos impactos. Ou seja, por definição um Parque é um lugar onde a escalada deveria ser permitido, deveria…
Acontece que vários parques brasileiros onde existem montanhas e rochas lindas e perfeitas para a escalada é proibido escalar. Por quê?
Acontece que a criação de parques no Brasil é algo muito recente e a maioria deles não tem a mínima infra-estrutura e nem sequer plano de manejo, de forma que o desenvolvimento de qualquer atividade em seu interior não tem comprovação técnica que é ou não impactante. Isso é motivo de diversas bizarrices.
É o caso do Parque Estadual da Gruta do Monge, no Paraná e da Gruta da Lapinha em Minas Gerais. No primeiro caso, o parque é um local de peregrinação de religiosos. Dentro dele há umas imagens de um Santo e em certos dias do ano vários ônibus de fiéis vão para lá rezar. O parque acaba por receber uma carga enorme de pessoas que não têm a mínima consciência ambiental. Por isso absurdos são muito comuns, mas permitido, pois com a Igreja e os costumes massificados não se mexe.
Na Lapinha, decretada Parque Estadual há pouco tempo, há uma gruta de valor histórico e cientifico muito grande, pois lá marca o inicio das pesquisas sobre os animais da megafauna no Brasil. A gruta foi transformada em objeto de turismo sem o menor preparo. Dentro dela há luzes artificiais, grades de proteção, calçada de cimento, restaurante etc… Construções horrorosas que destruíram a caverna, só para gerar uma estrutura para levar gente despreparada para lá. Como resultado, isso chamou atenção dos mal educados que deixaram seus nomes pixados nas paredes, que arrancaram as estalactites e depredaram a caverna. Mesmo assim, a única restrição do Parque é contra os escaladores, que representam um número pequeno de pessoas que visitam áreas espalhadas do parque onde não há problemas ambientais graves.
A Lapinha é um dos melhores lugares para escalada esportiva do Brasil e está fechada desde 2002. É uma grande insensatez dos responsáveis, pois a escalada poderia gerar renda através de um turismo qualificado capaz de atrair gente de todo o país e de fora. Sem falar que é uma pena ver um lugar tão interessante proibido.
Mas será que os escaladores são santos? Parece que não.
Recentemente estão aparecendo diversas denuncias sobre escaladores mal educados. Gente que deixa lixo nas trilhas, defecam em lugares impróprios, gritam e fazem arruaça… Esta é uma realidade triste, mas real, pois o povo brasileiro é, infelizmente, mal educado.
Há pessoas que acham que indo para um ambiente natural elas estão livres das regras da sociedade e mesmo que esses ambientes não sejam tão afastados, elas querem, na realidade, se sentir libertinas e por isso é comum encontrar falsos montanhistas bêbados nas trilhas de montanhas. Isso quando o problema é só com bebida, pois muitas vezes tem gente que apela para drogas mais pesadas.
É muito triste isso acontecer dentro dos Parques. O montanhista de verdade sabe respeitar a natureza e segue um código de ética bastante rigoroso. É por isso que o montanhismo não é somente um esporte, mas também uma cultura, pois existe todo um comportamento embutido no “ser” montanhista.
Infelizmente a má fama advém de uma minoria. Basta uma pessoa má educada fazer algo errado que logo toda a comunidade é punida.
Um exemplo bom, de ter áreas protegidas com escaladas vem do Canadá, onde os escaladores, unidos, conseguiram comprar uma área e transformá-la em um Parque. Trata-se de Skaha Bluffs. Lá, uma parceria entre o Ministério do Meio Ambiente da Colúmbia Britânica, o Nature Conservancy of Canada (NCC), o Land Conservancy (TLC), o Habitat Conservation Trust Fund, The British Columbia Trust for Public Lands, Nature Trust of British Columbia, a Mountain Equipment Co-op (cooperativa de equipamentos para atividades ao ar livre) e seus membros e escaladores, ambientalistas e entusiastas da vida ao ar livre do Canadá, EUA, Inglaterra, Nova Zelândia e Austrália garantiram o acesso a esta que é uma das mais importantes áreas de escalada do país.
Eles pagaram cinco milhões, duzentos e cinqüenta mil dólares canadenses, o que dá o montante de oito milhões e quatrocentos mil reais! Obviamente que isso só ocorreu, pois o Canadá é um país desenvolvido, onde as pessoas têm educação e cuidam do meio ambiente com seriedade. Mesmo sendo uma bolada de dinheiro, o governo brasileiro gasta muito mais para construir viadutos e realizar outros tipos de obras. Não que elas não sejam importantes, mas isso demonstra que a qualidade de vida da população e o meio ambiente, infelizmente, aqui é algo secundário.
E como tanto a população quanto o governo não enxerga seriedade naquilo que os montanhistas de verdade fazem e nem sabem distinguir os montanhistas de verdade com os “Farofas” isso nunca vai acontecer e a única medida a ser tomada para minimizar os impactos é a mais barata: Proibir…
Enquanto isso, vamos continuar escalando em parques fictícios, onde ninguém fiscaliza, onde qualquer um faz farofagem, onde não se respeita o meio ambiente. Pior de tudo, os montanhistas de verdade estarão cometendo crimes ambientais, pois os órgãos ambientais, despreparados, não sabem o que é a cultura da montanha e ao invés de punir quem realmente depreda o meio ambiente, pune quem mais luta por sua preservação.