TRAVESSIA NA SERRA DO CIPÓ – Parte 2

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Encravado no extremo sul da Serra do Espinhaço, o vilarejo da Lapinha é sempre lembrado por sua travessia + notória, rumo Tabuleiro. No entanto, perpendicularmente à este programa – saturado à exaustão pelo ecoturismo -farofa – há outra caminhada selvagem tão grandiosa q percorre rios e cachoeiras deslumbrantes, campos rupestres e matas de cerrado em direção ao pacato arraial de Fechados, 50km ao norte.

Texto: Jorge Soto
Fotos: Alessandro de Jesus/Luciana Barreiro


Sempre em frente pelos campos, s/ maiores dificuldades de navegação, a pernada foi uma seqüência tranqüila de fáceis obstáculos e alguns atrativos: bordejamos o Rio Cachoeira pela direita durante bom tempo, contornamos alguns capões de mata, pulamos uma cerca, ladeamos em suaves sobe/desces pequenos morrotes do caminho, desviamos de um enorme brejão, atravessamos um enorme trecho de pasto queimado (sob o olhar curioso de boizinhos) e atravessamos uma curiosa e exuberante florestinha de baixas árvores de galhos retorcidos, típicas de cerrado.

As 10:30 um enorme morro se interpõe no caminho. Descemos suavemente ate um capão de mata em sua base (onde abastecemos os cantis num córrego), varamos um pouco de mato e ganhamos a encosta esquerda do morrão, onde retomamos a trilha. À nossa esquerda vimos outra casinha, provavelmente o Sitio do Álvaro (pelas infos do rapaz ), do lado de uma simpática igrejinha de pedras. Sempre em frente, a picada sobe o morrão p/ agora bordejar sua encosta direita, descortinando imponentes paredões, agora + recortados em td sua extensão. Cansados, num trecho suave desta encosta fizemos nosso pit-stop de almoço, as 12hrs, sob a sombra fresca de algumas das poucas (e miúdas) arvores q ali havia. Realmente, este trecho é bem + ressequido e desolador q o dos dias anteriores. E mto quente.

Dando continuidade à pernada, logo os horizontes se abrem e podemos apreciar o Vale do Barbado, q se estende à noroeste numa continuação do platozão anterior, sempre tendo o paredão da serra à direita. E é pra lá q temos q seguir, mas antes, porem, bordejamos um capão de mata (repleto de laranjas!) q nos leva ate o enorme e largo Rio Preto, q temos q atravessar. Felizmente encontramos um trecho em sua margem fácil de descer e pudemos atravessá-lo s/ problemas c/ água apenas ate o joelho! Aqui tivemos + uma breve parada, alem deste q vos escreve ter seu 1º e merecido banho.

Após o rio, intuitivamente adentramos no largo Vale do Barbado, ate reencontrar a picada em meio aos lajedos, q ora acompanha o Rio Barbado pela direita ora pela esquerda. Após bordejar alguns capões de mata, notamos q o vale lentamente se afunila e somos obrigados a caminhar pela suave encosta à esquerda do rio, em definitivo, já q à direita são paredões recortados por enormes afloramentos rochosos. Desta forma, lentamente ganhamos altitude, mas o sol escaldante, o calor seco e a sombra escassa deste trecho tornam o caminhar lento, alem de deixarem a Lu de cara amarrada.

A medida q nos aproximamos do alto da serra (e nos afastamos do rio), a presença de enormes pedras pontudas e campos rochosos pipocados de canelas-de-ema aumenta consideravelmente e, as 16:30, resolvemos encerrar o expediente daquele extenuante dia. E o local não poderia ser + convidativo: um pequeno platô forrado de pasto um pouco antes do alto da serra, c/ um visu magnífico de td Vale do Barbado. E o melhor, c/ uma pequena nascente do lado!
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Devidamente estabelecidos, ficamos o resto da tarde descansando ou simplesmente à toa: eu fiquei removendo carrapatos pelo corpo todo, me coçando dos arranhados e estudando o trajeto no mapa do dia sgte, o Lion e o Zé divagavam sobre o “Senhor dos Anéis”, se o Frodo tinha caso c/ o Legolas ou se o Gandalf tinha corneado o Bilbo, e a Lu provavelmente ou cuidava de seus ferimentos de seu semblante ou se banhava em lenços umedecidos p/ se emperiquitar p/ + uma janta.

Assim q a noite caiu, jantamos e eu apaguei antes das 20hrs, apenas acordando altas horas da madru devido ao forte vento q chacoalhava minha modesta choupana. La fora, a 1.234m de altitude, a lua iluminava de forma deslumbrante os paredões à nossa volta, ofuscando parcialmente as zilhões de estrelas q cintilavam no breu do firmamento. Fora isso, a noite transcorreu s/ maiores incidentes e, diferentemente das anteriores, não fora tão fria.
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FIM DE TRAVESSIA E INÍCIO DO CHÁ-DE-CADEIRA
O sábado amanheceu da mesma forma q os dias anteriores, isto é, nublado. Mesmo assim levantamos cedo pra zarpar na seqüência, as 8:10 pois não nos faltava muito pra concluir a trip e nossa intenção era ainda naquela tarde retornar a sampa. Ao menos era isso em tese.

Num piscar de olhos alcançamos o alto da serra, apenas p/ constatar q lá ventava forte e frio pacas, cobrindo de razão nossa decisão de ter acampado antes de lá chegar. Novamente nos altos descampados da serra, emoldurados por baixas colinas de rochas de quartzito, bastou derivar p/ esquerda em meio ao pasto ralo, agora sempre sentido oeste. Pulamos uma cerca e contornamos o morrão sgte por sua encosta esquerda, apenas p/ perceber q devíamos ter descido antes por outra trilha q havíamos passado batido e seguia na direção desejada. Não faz mal, continuamos bordejando o morro e logo descemos por uma crista menos inclinada ate chegar na sua base. Lá bastou tomar uma das varias picadas q subiam os morrotes sgtes e iam p/ oeste. Pronto.

Logo, aos ziguezagues alcançamos o extremo de uma vasta planície de capim q tínhamos q palmilhar de ponta a ponta, sempre sentido oeste, cientes q no final chegaríamos numa descida final e, finalmente, na baixada. Aqui estava repleto de trilhas de vaca se cruzando, mas bastou tomar aquela q simplesmente ia na direção apontada pela bússola. Dessa forma alcançamos novamente a beirada da serra q começamos a descer, primeiro s/ mta declividade – através de carreiros arenosos, picadas de terra marrom ou trilhos cristalinos -&nbsp, p/ depois andar por íngremes pirambas, sinal q agora estávamos num vale, provavelmente o do Rio Fechados.

Essas suspeitas se confirmaram qdo encontramos, as 11:16, uma tiazinha lavando roupa a beira de um gde e belo rio, q de fato era o Fechados. Segundo ela, o arraial tava pertinho, a apenas “uma horinha dali!” Entretanto, sabíamos q devíamos q multiplicar essa previsão por 3, no mínimo. Cruzamos o rio e tomamos uma precária estradinha q saia da casa da tiazinha, q descia o vale e acompanhava o curso d’água. Uma hora depois e c/ sol rachando nossas cacholas, estacionamos num trecho onde a estrada cruzava o rio, q por sua vez descia&nbsp, numa seqüência de pequenas cachus e poçinhos refrescantes. Alem do óbvio tchibum, fizemos uma boquinha à sombra da única arvore do local.

Continuamos a pernada revigorados, acompanhando o rio (pela direita) q se afunilava num belo cânion, despencando em + poços e cachus logo abaixo. A descida fica íngreme e o precário carreiro de areia e pedras começa a exigir + de nossos joelhos, razão pela qual este trecho foi feito s/ pressa e c/ muita cautela. Em largos ziguezagues, passamos por incontáveis porteiras e 3 casinhas habitadas, sempre tendo a resposta de seus ocupantes: “Ta pertinho, falta apenas 1 hora!” Sei.. Ao menos aqui havia + vegetação e a sombra das arvores minimizava o desgaste do calor e do sol forte daquele horário.

Mas eis q as 13:30 tivemos nossa 1ª panorâmica, numa fresta na vegetação, da baixada e da minúscula Fechados. Dali foi só descer forte ininterruptamente, sempre aos ziguezagues, pela trilha q agora era forrada de pedras irregulares q serviam de degraus, lembrando uma “Trilha Inca” tupiniquim. Perdendo altitude rapidamente e após molhar a cabeça numa refrescante bica daquela escadaria natural, chegamos nos 623m de altitude do sopé da serra, as 14:30!! Dali bastou andar por poeirenta estradinha de terra, passar por um cemitério bem simples, algumas casinhas em construção ate finalmente chegar em Fechados, pontualmente as 15hrs!!!
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“DIA DA MARMOTA” EM FECHADOS

Fechados é um ovo: imagine uma igrejinha cercada de uma dúzia de casas, e outras poucas orbitando aqui e acolá nas encostas. Isso é Fechados, arraial q leva esse nome pq esta cercado de montanhas, o q realmente se constata na descida. Assim, fomos direto ao Bar do Seu Zé – q tem o único telefone (de disco) dali, já q celular não pega – ligar pro Seu Alair vir nos buscar. Feito isso, bebemoramos a empreitada c/ cerveja e Guaraná Del Rey, c/ exceção da Lu, claro! O Zé Carlos tb bebericou uma pinga local q, segundo ele, tava “boa p/ daná!” Nisso, ouvíamos o dedo de prosa de Seu Zé, q já fizera de td nesta vida, mas depois q casou&nbsp, “quietou” de vez.&nbsp, Fora isso, trocamos de roupa e nos livramos das botas, deixando os pés respirarem aliviados. O momento hilário foi qdo, na parede do bar, surgiu uma lagartixa do tamanho de um jacaré p/ nos dar boas-vindas ao arraial, alem de parecer nos dizer “ces acham q vão embora hj, é? Esperem só..”

Enqto aguardávamos não nos restou opção senão conhecer a pacata rotina das pessoas, alem de proseá c/ quase td mundo, sempre c/ um “causo” na pta da língua. Almoçamos na pousada-armazém da Dna Amélia uma legitima e deliciosa comida mineira, da qual só faltou lamber os beiços. Enqto isso, as horas foram passando e nada do Seu Alair. Foi ai q ficamos de tocaia ao lado do telefone, ligando p/ saber se o dito cujo sairia de fato ou não. Ao mesmo tempo perguntávamos se havia outro modo de sair dali, sempre c/ respostas nada animadoras. O único busão passa ali apenas 1 vez ao dia, sendo 3 vezes por semana. Nunca aos sábados e domingo. Veículos particulares eram contados numa mão só, metade deles tava quebrado e a outra não tinha previsão de saída.
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Tivemos ate a oferta de ir ate Santana do Pirapama (e dali tomar táxi), mas nosso comprometimento c/ Seu Alair nos mantinha presos ali. Foi ai q ficamos impacientes. E nada do dito cujo…Qdo a noite caiu já nos havíamos conformado q não sairíamos dali naquele dia, e nos acomodamos nos rústicos e simples quartos da “pousada” da Dna Amélia. Bem, nem curtir a “night” de Fechados podíamos, pois quase tds tinham ido p/ “Festa da Imaculada Conceição”, em Santana do Pirapama, c/ direito a show do forró de Dimas dos Teclados e Armando Lopes &amp, banda. Sem opção e cansados, bastou encostar o corpo moído nos macios colchões q literalmente apagamos, mesmo c/ um alto forrozão tocando no bar ao lado.

Na manhã seguinte acordei ao som estridente de um galo, q cantava bem antes da alvorada. Tentei dormir novamente, s/ sucesso, levantando c/ o resto do povo depois das 6:30hrs. Não havia alma viva na rua, apenas bois e galinhas. Ligamos novamente p/ Santana do Riacho, as 8hrs, onde ficamos sabendo q Seu Alair ate tinha vindo, mas quebrara no meio do caminho e desistiu de vir nos buscar se mandando p/ BH. Entretanto Seu Waldir, marido de Dna Maria do Rosário, se dispôs de vir c/ o veiculo nos buscar. Uffaaa! Ate q enfim boas noticias! So torcíamos p/ q não demorasse muito, embora já soubéssemos q qq previsão do jeitinho “mineirês” é bem relativa.

Tomamos um farto café – c/ direito a leite fresco e pão-de-queijo – e ficamos o resto da manha à toa novamente. C/ um céu desprovido de nuvens, o friozinho matinal logo daria lugar a um calor sufocante. Bem, como os programas daqui se resumem a forró e fazer churrasco, o jeito foi apenas sentar e aguardar, o Zé Carlos aliviava suas bolhas num meigo chinelinho Gisele Bunchen, enqto o Lion clicava instantâneos do arraial despertando p/ + um domingo. A Lu teve ate uma animada seresta de violão tocada pelo marido de Dna Amélia. Alias esta senhora é um amor de pessoa, e nos acolheu como se fossemos seus filhos durante nosso “exílio” forçado no vilarejo, q descansava sempre aos domingos. Tb pudera, a rotina era pesada p/ td mundo. Por exemplo, a nora da Dna Amélia tinha um dia-dia q consistia em fazer rapadura pela manhã, cuidar do armazém e dos 3 filhos à tarde, e à noite ir p/ escola.

O tempo foi passando, passando e passando. Dávamos nossa 50ª volta ao redor do arraial e nada do veiculo. Aquilo parecia maldição, e lembrei do filme “Feitiço do Tempo”, onde o personagem principal vive sempre o mesmo dia numa vila interiorana. Mas eis q as 13:30, enfim, chega Seu Waldir c/ nosso carro e uma alegria s/ igual tomou conta da gente! Apesar da insistência dele – c/ seu inseparável modelito Texas Ranger&nbsp, – em almoçar ali, declinamos da oferta p/ zarpar o qto antes! Assim e feitas as devidas despedidas e agradecimentos, conseguimos sair do limbo de Fechados. Ato sgte foi serpentear intermináveis estradas de terra, q deixaram o veiculo parecendo recém-saído do Rally dos Sertões, ate cair no asfalto. Logo alcançamos Santana do Pirapama e, na seqüencia, Sete Lagoas. As 16:30 alcançamos BH e, após uma breve parada p/ lanche, rumamos em definitivo p/ Terra da Garoa, onde chegamos quase à meia-noite!!! Enfim, uma maratona só!
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Dessa forma singular e pitoresca conhecemos na sola este recanto menos explorado da Serra do Cipó, cujas paragens atraíram tanto os antigos bandeirantes qto mineradores gringos na forma de pedras preciosas. Contudo, desta vez as riquezas q nos levaram lá foram apenas a beleza e a aventura de palmilhar novos rincões. E apesar dos imprevistos de planejamento na volta, conhecemos a intimidade de um arraial estacionado no tempo q faz jus ao nome q ostenta.
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Isolado de td, onde ainda há um benzedeiro e o médico vai apenas uma vez por semana, Fechados nos brinda c/ gente hospitaleira e charme interiorano típico mineiros. Assim, este outro lado da travessia – diferente da Lapinha – vai mantendo sua rotina inalterada como antigamente. E pensando bem, mesmo q se tenha q vencer gdes distancias, tds as dificuldades de acesso e retorno, uma gde certeza é q somente assim a paz dali permanecerá sempre preservada.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/l_trek.html
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Texto: Jorge Soto
Fotos: Alessandro de Jesus/Luciana Barreiro&nbsp,

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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