RASGANDO A SERRA FINA AO MEIO!!! – P3

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O isolamento, a altitude acentuada, a escassez de água e espaço tornam a Serra Fina uma das travessias + difíceis e emocionantes do Brasil, cujo pto alto é a subida da Pda da Mina, pico culminante da Mantiqueira.

Fotos José Augusto C.

Andando agora através de uma vala-canaleta larga (2200m), escalaminhando pedras e lajes inclinadas, caímos na ultima bifurcação, na qual surgiram algumas duvidas sobre q rumo tomar. Mas estudando a carta, o gps e avaliando a crista + próxima, decidimos seguir pela direita, onde havia menos água. Seguiu-se um longo trecho de escalaminhada de rochas úmidas sucessivas e algum vara-mato na encosta, ate q finalmente chegamos no q parecia ser um colo de serra, um selado na crista, onde o riachinho simplesmente terminava ao sopé de um enorme e largo paredão onde devia haver alguma cachu no verão, as 13:15. Pela descrição passada, aquele local correspondia exatamente ao tal “Pto G” (2343m). Estávamos na Nascente do Rio Claro!!! Agora só faltava subir à crista…

Após cliques e algum descanso, avaliamos o terreno afim de alcançar a crista propriamente dita, uns 70m piramba acima. Do lado direito do paredão havia uma encosta rochosa menos íngreme e forrada de capim q parecia ser o melhor local p/ subir. Foi ai q começou o trecho + adrenado e perigoso de td trip! Primeiro fomos eu e o Guto, escalando as aderências e escarpas do paredão, nos agarrando ao escasso capim disponível. Mas após uns 40m a piramba ficou quase vertical, forrada de pequenas touceiras de capim-elefante e difícil de avançar! Como não podíamos descer, eu e Guto nos ancoramos na raiz do único arbusto maior do paredão p/ decidir o q fazer. Daí ele resolveu avançar, s/ arrastando encosta acima s/ mochila, amarrado na corda (presa ao arbusto), a fim de ancorar a mesma nalgum pto + seguro, lá no alto. E lá foi ele, feito um calango, ate um tempo depois gritar do alto dizendo q havia chegado num local seguro. Foi ai q o Ângelo me alcançou. Confesso q tava me borrando td e tive serias duvidas se conseguiria subir: estávamos ali, a quase 40m verticais no alto, totalmente expostos, ancorados na raiz de um mirrado arbusto, e ainda teria q subir na raça por um terreno não mto instável me agarrando a mato seco pouco confiável????

Já havia tido um experiência nada agradável no Petar, onde o mato havia cedido e eu despencara de quase 30m. A diferença daqui é q a altura era maior e não havia arvore alguma q me amparasse em caso de queda! C/ coração a mil, respirei fundo e lá fui eu, evitando olhar p/ baixo. Segurando-me na corda, me arrastei lentamente barranco acima, agarrando fortemente o capim disponível e chutando o chão de terra afim de criar apoios q me impulsionassem p/ cima, pisando tb nas raízes das touceiras de capim-elefante próximas. Após um trecho q pareceu uma eternidade, consegui sair, aliviado, daquele pto crítico, embora c/ as mãos e corpo td retalhado pelo afiado capim. Dali bastou me arrastar ajoelhado em meio ao capinzal, e subir na diagonal beirando um enorme lajedo, pra depois encontrar o Guto noutro arbusto (bem + seguro) logo acima.

Ufaaaa! Agora bastava eu e ele puxarmos o Ângelo, q alem da pesada cargueira dele tb deveria trazer a do Guto. Mas como o Ângelo é pau-p/-td-obra, conseguiu escalaminhar esse árduo trajeto c/ duas mochilas e um “pé nas costas”! Dali em diante bastou galgar s/ maiores dificuldades o restante da encosta ate desabar, as 15hrs, nos lajedos planos e ásperos de um ombro de serra (2430m), ainda abaixo da crista. Descansamos aliviados, comemos algo e batemos muitas fotos de td extensão do Vale do Rio Claro e dos penhascos ao redor, q agora deixávamos p/ trás! Na seqüência subimos bravamente em meio ao capinzal e algumas rampas de pedra ate atingir, finalmente, a crista da serra!

Atingir a Mina agora era questão de tempo. A passos lentos em meio a enormes touceiras de capim-elefante q obstruem nossa visão e retardam o avanço, chegamos à base da Pedra da Mina. E após longos e vagarosos ziguezagues por trilha obvia (e batida) numa encosta suavemente inclinada e forrada de capim ralo, atingimos finalmente os 2798m do seu largo topo, lotado de totens, um marco geodésico e um livro de cume!!! Uma alegria indescritível tomou conta de tds nós, afinal após 4 penosos dias alcançamos nosso objetivo! O visu panorâmico de 360º lá de cima sempre vai me impressionar: enxerga-se quase td extensão da Serra Fina de um lado, c/ o Marins-Itaguaré ao fundo, à oeste, cidadezinhas sul-mineiras ao norte, outras tantas do Vale do Paraíba, c/ a Bocaina , ao sul, e a outra extremidade da Serra Fina, c/ as escarpas pontudas de Itatiaia no fundo, à leste! Isso s/ falar nas varias encostas abissais da serra despencando p/ td lado – ora por suaves espigões, ora abruptamente em direção à baixada – e do sensacional Vale do Ruah, bem ao nosso lado!

Acomodamos nossas barracas s/ dificuldade alguma no topo, juntamente c/ um quarteto de Limeira q palmilhava a travessia convencional e c/ quem dividimos estes momentos únicos: a alegria da conquista ou de simplesmente estar ali! E enqto a sombra da montanha se esparramava pela baixada tal qual uma gigantesca pirâmide, o sol se punha no horizonte na forma de um gde disco avermelhado mergulhando nas brumas do ocidente! O vento frio q já soprava tornou-se glacial assim q a noite caiu, obrigando a nos agasalhar confortavelmente, ao mesmo tempo q o fogareiro preparava nossa ultima e bem-vinda janta. Na seqüência nos entocamos, mas não s/ antes apreciar as luzes de Cruzeiro, Passa-Quatro e Queluz faiscarem aos nossos pés tal qual as zilhões de estrelas despontando no breu noturno, logo acima! Diferentemente das noites anteriores, nas quais dormi feito pedra, aquela lá foi uma sucessão de cochilos. Não sei se devido à altitude, à coceira dos trocentos arranhões/feridas pelo corpo ou ao insistente desejo por um banho quente. Ou quiçá fosse devido ao frio, q beirou quase o zero grau, ou à constante trepidação das frágeis estruturas da barraca, fustigada pelo forte e frio vento.
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5º DIA – A LONGA DESCIDA AO PAIOLINHO
Levantamos cedo naquela manha fria a fim de ver a magnífica alvorada q se descortinou, c/ o Astro-Rei emergindo atrás de Itatiaia, siluetando os espigões recortados de Agulhas Negras num fundo tingido de vermelho e ouro, enqto um mar de nuvens começava a se dispersar sobre a baixada. Protegidos do vento frio cortante tomamos nosso mirrado desjejum – no qual o Ângelo dividiu seu lanche comigo – e arrumamos nossas coisas, s/ pressa. Tivemos tempo ate de conversar c/ uma dupla de paulistas q recém-chegava, realizando a travessia convencional em 2 dias(!?). Foi ai q um dos integrantes do quarteto de Limeira, o Fabiano – percebendo q não daria conta de completar a pernada c/ sua trupe – se juntou a nós na volta pelo Paiolinho. Alias a inclusão do Fabiano no quarteto não podia ter vindo em melhor hora: alem de gente finíssima, já tinha engatilhado resgate p/ gente no final, algo q sequer havíamos cogitado!!!

Assim, as 8:50 começamos a descer a Pda da Mina, dando adeus aquele belo e ermo local. Tomamos uma crista q dali partia sentido noroeste/norte, através de lajotas de pedras. Detalhe: nenhum de nos conhecia essa tal Trilha do Paiolinho, mas tb nem precisou, pq a profusão de totens indicando a dita cuja não dá margem de erro! Pegamos uma crista bordejando o Ruáh, p/ depois, em suaves sobe-desce por encostas forradas de caratuvas, túneis de bambus, macelas e capim-elefante. Assim q ganhamos o alto de outra crista maior é q começa a descida definitiva, bem forte e íngreme durante um booom tempo! Apesar de ser descida, td este trecho foi feito c/ lentidão e cautela, não apenas p/ poupar o joelho de maiores impactos, mas pq a trilha era bem exposta, no aberto, em meio a pedras soltas ou em solo arenoso, tremendamente escorregadio! A paisagem das imponentes cristas ao redor despencando em vários espigões forrados de verde e algumas cachus, compensava o esforço.

Perdendo altitude e c/ sol na cara, logo começamos a sentir sede. Nossa água tinha ido p/ espaço faz tempo, mas assim q a piramba adentra uma encosta e, a seguir, uma pequena florestinha de arbustos, exultamos de alegria ao esbarrar, as 11:45, num pequeno córrego onde descansamos e nos deliciamos c/ o precioso liquido (2000m)! Não demorou p/ rala e ressequida vegetação dar lugar a vales c/ florestas q nos presentearam c/ o frescor de sua sombra nas horas sgtes. E as 12:45 cruzamos um riachinho maior, contudo, de volume insuficiente p/ banho merecido. Mas ainda descendo e bordejando a encosta suavemente, as 13:20 caímos num belíssimo rio repleto de poços e pequenas cachus, onde paramos p/ dar breve tchibum em suas águas geladas. Afinal, já ninguém + suportava o próprio corpo sujo de quase 5 dias s/ banho!

Revigorados, continuamos a pernada c/ o resto de energias q dispúnhamos, mas o cansaço acumulado não tardou em fazer c/ q literalmente nos arrastássemos combalidos e exaustos, mesmo palmilhando terreno plano em área rural. Ate q as 14:20 caímos na Faz. Serra Fina, na esperança q celular pegasse e o resgate do Fabiano viesse ali nos buscar. Afinal, eram quase 18 km ainda ate o asfalto! Infelizmente o celular não pegou, nos obrigando ainda a descer – agora por estrada poeirenta de terra -&nbsp, por mais 3 intermináveis km ate o Bairro do Paiolinho, onde segundo o Zé Ramos, um senhor q conhecemos ali, celular pegava alem de haver um boteco. Na verdade este último item era o q realmente ainda me motivava a andar já q o resgate era apenas detalhe.

Assim, nos arrastando a duras penas, alcançamos o pacato bairro rural do Paiolinho (1390m) as 15:10, onde desabamos no chão, + precisamente na frente do Bar do Seu Sival. Lá conseguimos ligar pro resgate do Fabiano, alem de bebemorar animadamente o sucesso da empreitada! O tempo foi passando, passando e passando e nada do resgate. Acreditando q nosso resgate se perdera nalgum fim-de-mundo, resolvemos fretar a Kombi do Sival p/ nos levar a Itanhandu, mas não deu nem 5km de estrada q demos de cara c/ nosso resgate, as 18:30, p/ desgosto do Sival, cujo olhar tilintara altos cifrões conosco.

Imediatamente zarpamos p/ Itanhandu e Passa-Quatro, onde constatamos que já não havia busão para nos levar de volta à sampa. Nisso, o Fabiano ofereceu gentilmente a casa de seus tios (q moravam em Itanhandu) p/ pouso, oferta q não pensamos duas vezes em aceitar! Assim, Dna Carminha &amp, Seu Helio nos receberam com td tradicional hospitalidade mineira imagináveis, alem de uma suculenta e farta janta q faria Baco corar de inveja, e da qual não sobrou nada nos pratos! C/ direito até a 3 repetecos deste q vos escreve! Como era bom comer “comida” novamente! Banho tomado, não deu tempo p/ mais nada q desfalecemos nas macias camas q nos haviam reservado, e das quais não arredamos pé ate a manha sgte.

Na terça levantamos cedinho, tomamos um delicioso café-da-manha e nos despedimos de nossos gentis anfitriões. Zarpamos p/ rodoviária e tomamos o primeiro busão p/ Cruzeiro, as 8:15. Uma vez lá, tomamos o busão p/ sampa as 10:30, onde chegamos por volta das 14hrs. Moídos, claro, mas felizes por estar cientes do dever cumprido!
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E assim foi nossa epopéia de 5 dias vividos intensamente no coração da Mantiqueira nessa dura e árdua pernada. “Travessia do Rio Claro”, “Serra Fina Norte-Sul” ou “Pedra da Mina Transversal”. Os vários nomes q a nominam pouco importam. Importa sim é q conseguimos atingir – c/ méritos próprios -&nbsp, o alto da Pedra da Mina pelo lado paulista. Cansados, ralados, arranhões, contusões, dores musculares. Essas são as lembranças e marcas menores recorrentes desta travessia selvagem ao extremo. Mas ninguém reclama – claro! A satisfação de enfrentar os caminhos mais remotos, intocados e ásperos desta Mantiqueira menos conhecida. E em plena região sudeste! Onde a busca de paisagens pouco vistas supera, em muito, os percalços da jornada. Enfim, é uma travessia q premia os fortes, e as recompensas naturalmente suprem o esforço.


Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/l_trek.html

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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