Pessoas físicas na Fepam

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Aproveitando a polêmica, vou explicar por que sou contra a filiação direta de pessoas físicas na FEPAM e também vou aproveitar para alfinetar os montanhistas mais experientes do Paraná. Por que o individualismo está acabando com o montanhismo e destruindo nossa Serra do Mar.


Moro em Curitiba apenas um ano e meio, mas já estou de corpo e alma envolvido com o montanhismo daqui, é por isso que escrevo estas linhas. Quem sou eu para falar do montanhismo do Paraná? Sou um “estranho” que já rodou muito por aí, já escalei, caminhei e fiz muita montanha grande e por isso quero compartilhar estas experiências.

Morar em Curitiba foi a melhor coisa que aconteceu comigo, pois aqui posso desenvolver minha vida acadêmica, pois faço mestrado na UFPR e ao mesmo tempo desenvolver minha vida montanhística, pois aqui há muita montanha, trilha e escalada. Tudo perto, acessível e de qualidade.

Sou de uma cidade pequena do interior de São Paulo e lá tive que aprender tudo o que sei sobre montanha sozinho, pois nunca tive acesso à clubes. Aula de escala? Esqueça! O incentivo que eu tive foi zero, mas mesmo assim fui insistente e sem ter tido professores consegui fazer muita coisa.

Se eu tivesse tido acesso a cursos e a pessoas experientes eu teria percorrido um caminho muito mais curto, não teria errado tanto nesta minha trajetória. Como morar numa capital faz a diferença!

Aqui em Curitiba os aspirantes a montanhistas têm tudo aquilo que eu não tive, mas eles não dão valor. Clubes como o CPM tem muito a oferecer, mas é subutilizado. Toda a história deste clube, por onde passaram nomes como Bito Meyer, Chicão, Chiquinho Hartmann, Julinho Nogueira, Cintia Adriane e Nativo pode até fechar por falta de sócios.

Não faltam vantagens em se filiar no CPM, temos refúgio no Marumbi,  4 passagens de trem para descer a serra por fim de semana, 10% de desconto em diversas lojas, 2 racks completos de equipamento de escalada para empréstimo, corda e grigri na Campo Base e ainda desconto para a mensalidade no ginásio.
 
Estas são as vantagens dos convênios e do patrimônio do clube. Há ainda as palestras e atividades que são realizadas periodicamente, isso sem falar que quem é do clube é automaticamente filiado à FEPAM e por isso pode ter descontos em alguns parques nacionais no Brasil e pode escalar na Cordillera Blanca no Peru sem precisar de guia. O que será muito útil para mim no ano que vem.

Mesmo com tudo isso, temos atualmente só 40 sócios ativos, a maioria sem muita experiência.

Atualmente os sócios mais experientes fazem todo o trabalho de formação de montanhistas que um clube deve fazer, como curso de iniciação ao montanhismo e curso de escalada em rocha. O clube também participa de mutirões, pois faz parte do programa Adote da CBME e tem como área adotada o Pico Paraná. Fora isso, ainda se mobiliza para combater incêndios florestais, quando eles acontecem.

Com tantas coisas para se fazer e tão pouca gente, principalmente experiente, fazer parte de clube se torna um segundo trabalho, com a diferença que pagamos para trabalhar. O que ganhamos com isso? Consciência de que estamos batalhando para melhorar o montanhismo. Por que precisamos disso? Precisamos disso, pois nossa experiência tem que ser passada para frente, pois senão a cultura do montanhismo morre conosco…

As barbaridades que ocorrem na Serra do Mar são diretamente ligadas com a falta de acesso à cultura do montanhismo. Os chamados “farofas” são as pessoas que não tem educação e fazem na montanha o que bem entendem. Não que eles sejam maus, mas por que eles não sabem ou não tiveram acesso aquilo que chamamos de “cultura do montanhismo” a qual existe todo um comportamento embutido e não resulta apenas em subir uma montanha.

A cultura do montanhismo é algo difícil de descrever, ela significa ter respeito à natureza e aos outros. Todas aquelas regras de mínimo impacto fazem parte desta cultura, não precisavam se tornar regras.

Os “farofas” têm algo que também faz parte da cultura do montanhismo e que muitos montanhistas perderam: O gosto pela aventura. Essa perda, ou ameaça de perda do montanhismo livre e do direito da aventura vêm acontecendo por causa dos próprios farofas e vândalos, pois é por causa de atitudes de gente mal educada que foi preciso impor regras cada vez mais rígidas ao montanhismo.

O cúmulo destas regras foram as proibições. O associado de clube que fica pregando essas regras nas trilhas e montanhas da Serra ganhou fama de chato e “Mané”.

A Serra do Mar tem muitos problemas, todos, direta ou indiretamente, por causa do grande afluxo de pessoas. Ela é muito próxima, muito bonita Todos querem conhecê-la e desfrutá-la, e vão,… Sem nenhum preparo e conhecimento.

Acho que participar de clubes é lutar na raiz desta questão. Apagar fogo, ajudar a conter a erosão, isso tudo é importante, mas paliativo, pois não vai combater o principal problema que são as pessoas, ou melhor, a má formação delas.

Os montanhistas experientes gostam de ficar sozinhos, ou melhor, sozinhos com outros montanhistas experientes. O paradigma da panelinha que os clubes têm, começa a ser rompida aqui, pois os clubes sempre estão de portas abertas, os experientes é que não querem entrar.

Os montanhistas experientes são os primeiros a reclamar e os primeiros a acusar os outros de serem farofas, inclusive outros montanhistas experientes os quais eles têm divergência (provavelmente eu depois deste artigo!). Mas não fazem nada para mudar a situação, não ensinam ninguém, não querem que os outros desfrutem da montanha, pois estes “outros” são farofas.

Às vezes vejo a maneira que estas pessoas enfrentam os problemas e acho ridículo. Eles querem que ninguém fique sabendo que existe montanha x ou y, não divulgam que existe tal trilha… Como se não informar iria resolver o problema. A Serra está ali, basta olhar da janela de casa para ver e ter vontade de subir. Não dá para tampar a Serra com um lençol e nem mesmo apagar as curvas de nível da carta topográfica e dizer que ela não existe.

As coisas só vão se resolver quando a cultura do montanhismo estiver acessível a todos. Isso acontecerá de várias maneiras, a mais fácil é através dos clubes, com o trabalho voluntário dos mais experientes.

Hoje, para terem uma noção, no CPM, que é um clube que já teve tanta gente importante, tem pouquíssimas pessoas para ministrar o curso de escalada. Poderia ter mais gente, mais cursos. Há demanda pra isso, mas não conseguimos dar conta e assim o clube deixa de fazer algo que deveria. Onde estão os outros escaladores? Fazendo pressão para se filiarem diretamente à FEPAM, sem precisar de clube.

O clube morre sem gente experiente. E como a FEPAM foi criada pelos clubes, ela não pode dar vantagens para que os experientes saiam deless e se filiem diretamente à ela. Com isso a entidade estaria incentivando o enfraquecimento daqueles que deram vida a ela e incentivando o individualismo num esporte que é marcado pelo coletivismo. A FEPAM deve incentivar que os experientes contribuam com os seus conhecimentos a divulgação daquilo que aprenderam na montanha.

Tudo isso sem falar que não haveria nenhuma vantagem ser filiado direto à federação. Para começar que o filiado não ia poder ter direito a voto, pois este não poderia ter o mesmo valor de um voto de clube onde há dezenas ou centenas de associados. Ser filiado da FEPAM, seria o mesmo que doar dinheiro à ela uma vez por ano, sem ter nada em troca e eu duvido que nestas condição haveriam filiados.

Acredito que, se os montanhistas têm boas intenções, como eles dizem ter, e se eles querem tanto contribuir para o crescimento saudável do montanhismo, eles que deixem de andar sozinhos pela serra e que venham ajudar voluntariamente na divulgação disto que eu chamo de “cultura do montanhismo” . Seja nos clubes que já existem ou formando outros independentes, aliás, uma cidade como Curitiba, por sua história e Geografia, merecia ter mais clubes de montanha.

Por 59 reais monta-se um clube no Paraná (veja aqui como). Depois disso é só pedir filiação à FEPAM. Sai mais barato que filiar-se sozinho, há menos empecilhos e ainda de cara você terá direito a voto, coisa que nas federações onde é permitido este tipo de filiação, não é permitido.

Quero deixar claro que eu tenho no meu circulo social, ou seja, na minha panelinha, muitos amigos que pensam diferente de mim e não é por isso que vou desrespeitá-los e nem exorcizá-los com minhas palavras. Quero apenas que pessoas que se achem experientes reflitam se elas estão contribuindo de fato com o ideal do montanhismo. Minha pretensão é unir e não dividir ainda mais os montanhistas.

Vejo também que muita gente que diz querer ser sócio direto da entidade, quer somente ter uma carteirinha para ser legalmente distintos de um farofa, mas sem precisar de estar ao lado dos “Manés”, que é como eles chamam quem é associado a clube. Não é este o real problema?

Gostaria de deixar claro que esta opinião é sobre a filiação direta de pessoas físicas na FEPAM, ou seja, é o caso do Paraná, mais especificamente Curitiba. Desconheço a realidade de outros Estados e peço que não confundam a espacialidade das coisas.

Pedro Hauck, colunista do Altamontanha.com é também dono e editor do site Gentedemontanha e tem apoio de Botas Nômade.

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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