Nem me dei o trabalho de ir atrás de infos de ´como chegar´ ao pico. Nem precisava. Alem de saber de cor a resposta q teria (´Humm, vc vai se perder! Acho melhor pegar um guia´), bastou dar um rolê pelos circuitos básicos do Pq Nacional um dia antes p/ sondar terreno e memorizar o melhor trajeto q teria o dia sgte. A vegetação predominante aqui é arbustiva/rasteira e os campos, abertos, possibilitam fácil navegação visual, desde q haja bom tempo!
Assim sendo, levantei cedo naquela manhã úmida de verão e, após o desjejum e arrumações na mochila, parti p/ rodoviária na cia do meu amigo Dong, um robusto coreano q conhecera no camping onde me estabeleci e já tinha feito boa parte dos passeios da região na cia dos caros guias locais. Confesso q titubeie qdo o convidei p/ vir comigo, principalmente pelo fato do seu avantajado tamanho e da possibilidade de não poder dar conta do recado. Mas este receio logo se diluiu qdo mostrou-se animado e disposto em fazer o passeio de forma independente.
A pacata ´Xap´s´, nome carinhoso q os locais dão à pequena cidade de Chapada dos Guimarães, é tão antiga qto a colonização do interior do pais. Fundada por bandeirantes atrás de fortuna, hj sobrevive da pecuária e do cultivo de soja, mas principalmente do turismo em torno do seu parque homônimo. Assim, na rodoviária bastou tomar qq bus q seguisse pela MT 251, sentido Cuiabá, já q o parque dista uns 15km do centro da cidade, à beira da rodovia. No caminho, as casas e vestígios de civilização logo cedem lugar à vasta planície verdejante do cerrado mato-grossense qdo, as 9:10, nos vemos saltando no asfalto rumo nosso destino.
Passada a portaria e Cto de Visitantes, tomamos a direção (devidamente sinalizada) da ´Rota das Cachoeiras´, de quase 3km. Uma passarelinha, q logo se torna trilha, nos leva ate o topo da cachu Véu da Noiva, cartão postal dali, onde as águas do Rio Coxipó reluzem esplendorosamente ao sol matinal p/ despencarem 90m vale abaixo. Passada a cachu mantenho rumo p/ noroeste, sempre bordejando os enormes e escarpados paredões de arenito avermelhados em suave aclive, p/ depois adentrar de vez no interior do cerrado.
A trilha atravessa muita vegetação arbustiva retorcida, como barba de bode, sucupira e a paiba, alem de varias arvores de pequeno porte, muitas delas c/ frutos ao alcance das mãos, como o picuí, o meloso, o cascudo, o marmelo e o pau-doce. No caminho, vestígios do q outrora fora um cemitério bororó, os antigos habitantes da região.
Dessa forma, alcançamos as primeiras cachus q fazem parte do Rio Sete de Setembro, como a do Pulo, Degraus e Época, cada vez + próximos de uma extensa muralha q parece nos abraçar. Os arredores tb estão repletos de formações rochosas peculiares, como a Pedra do Altar, q + parece um trono cercado de bons lajedos p/ descanso, e onde tivemos nosso 1º pit-stop. Até aqui já subimos consideravelmente e se tem uma vista interessante do trecho percorrido.
Adentrando + no interior do cerrado, chegamos finalmente quase ao sopé da tal muralha rochosa anteriormente avistada, de quase 30m de altura. Dela q despenca a Cachu Independência, cujas águas nascem nas grotas entre os paredões rochosos da chapada, cercada por uma mata de galeria fechada q tende a esconde-la. Pois bem, um pouco antes dessa cachu há uma discreta bifurcação, e então tomamos à direita, acompanhando uma trilha de areião q nos leva à base do paredão arenítico. Aqui a picada sobe a muralha, aos ziguezagues, através de degraus rochosos irregulares e alguns lances simples de escalaminhada, q demandaram algum fôlego dos quase 100kg do meu corpulento colega.
No alto bastou seguir desimpedidamente p/ sul, em meio a uma bucólica campina salpicada de pequizeiros e poucos arbustos. Na verdade palmilhávamos a crista de um enorme morro abaulado q nos permite 1º contato visual c/ o Morro São Jerônimo q, tal qual um farol, destoa imponente da horizontalidade da paisagem! Sempre indo na sua direção, 1 hora depois a pernada termina à beira de uma seqüência de altos rochedos, pelos quais a picada se espreme sinuosamente até alcançar à base dos mesmos.
Ali há uma formação rochosa pitoresca, o ´Chapéu (ou Cogumelo) de Pedra´, q é uma enorme e larga pedra equilibrando-se sobre outras menores, solta no meio do campo. Aqui deve ser tb um sítio arqueológico, já q há uma pequena pintura rupestre na base da mesma. Estamos agora numa precária estrada q logo termina num casebre abandonado onde abastecemos nossos cantis, pois o sol do meio-dia castiga inclemente nossas cacholas! Como estamos na borda dos paredões, aqui há um belo mirante do qual se avista a retidão da Planície Pantaneira ate onde o olhar alcança, já q a chapada é uma das bordas do Planalto Central!
Voltamos pela precária estradinha, sentido leste, durante um tempo ate esta encontrar outra maior, vindo do norte. Provavelmente este deve ser o acesso p/ quem vai de carro ao Morro (e c/ guia) já q o mesmo esta bem próximo. A estrada, por sua vez, alem de precária, alterna trechos pedregosos c/ vastos areais. Imagino q em época de chuva aqui deva ser intransitável! No entanto, a mata à beira da estrada exala o odor agridoce de vários frutos, estejam eles no pé ou forrando o chão. E assim nossa árdua jornada pelo areal é regada ao sabor de saborosos pequis e cascudos, alem de mta conversa!
Sempre acompanhados à nossa esquerda por uma enorme muralha, a estrada logo faz uma larga curva p/ direita ate dar na base do gde serrote do qual o Morro São Jerônimo faz parte. A estrada termina aqui, mas a trilha sai bem obvia, bordejando uma encosta forrada de arbustos, desce suave ate atravessar um pequeno vale, e sobe outra vez à base propriamente dita do morro. Daqui partem varias trilhas q aparentemente o sobem, mas boa parte delas dá em lugar nenhum, daí o jeito é subir alternando trilha e bom senso. Pois bem, tomamos uma trilha q bordeja o dito cujo em curtos ziguezagues, mas q logo termina num trecho quase vertical, já numa altura e exposição considerável.
Agora vem uma escalaminhada de quase 70 graus. O morro é um gigantesco bolo folhado, repleto de enormes lajes sobrepostas q podem ser escaladas, seja se firmando na rocha ou na vegetação disponível. Como meu amigo dificilmente subiria dessa maneira, empenhou-se em buscar uma trilha menos íngreme no extremo norte do morro. E achou, pra sorte dele. Eu, em contrapartida, escalaminhava a rocha c/ relativa facilidade, não fossem as investidas rasantes na cabeça de um casal de passarinhos, provavelmente por estar perto do ninho deles.
Assim, as 13:45 da tarde alcanço o topo do Morro São Jerônimo, q nada + é q um gde chapadão plano, aberto e forrado de capim, c/ algumas pequenas rochas espalhadas aqui e acolá. Há tb muito material fossilizado rente ao solo, principalmente conchas, atestando q a região já foi fundo de oceano num passado distante. Por estar localizado perto do centro do continente, os místicos acreditam q o morro é um gde centro energético, um dos chakras da terra e, conseqüentemente, lugar p/ td tipo de contato extra-sensorial, seja c/ duende, extraterrestres ou o além.
Experiência assim não tive, mas precisei me debruçar sobre o abismo dos paredões para ter uma das vistas + deslumbrantes da chapada, numa panorâmica de 360 graus, num raio de 80km: o espelho d´água dos incontáveis banhados pipocando na verdejante retidão da Planície Pantaneira, a silhueta nítida de Cuiabá destoando da retidão no horizonte, e alguns sinais de fumaça esparsos, denunciando queimadas nalgum local.
Permaneci contemplando a paisagem ate meu corpulento amigo chegar, arfando de cansaço e molhado de suor. E ficamos descansando um tempo alem de beliscar algum lanche, ate avistarmos ao longe um negrume nada promissor se adensando à leste, vindo na nossa direção. Hora de zarpar, claro, pois nem as orações q os bandeirantes faziam a São Jerônimo (e q nominam o morro) amainariam os trovões e raios aos quais estaríamos perigosamente expostos ali no alto.
Dessa forma, descemos por uma picada visível bordejando o paredão no extremo norte do morro, p/ depois continuar s/ problemas pelo mesmo caminho da subida. Num piscar de olhos chegamos à estradinha, e dali continuamos ate o final da mesma, ignorando a bifurcação pela qual viéramos p/ voltar por outro caminho. Agora retornávamos pelo ´Caminho das Pedras´, um circuito do Pq Nacional em meio a intrigantes rochas de formatos bizarros esculpidos pelo vento e pela chuva, como Jacaré de Pedra, Pedra Furada, Mesa do Sacrifício, Pedra da Tartaruga, Totem e outras formas curiosas de arenito. A estrada, por sua vez, ostenta em meio ao areal pegadas de vários bichos da região, como jaguatiricas e até antas!
Apressei o passo qdo um chuvisco começou a fustigar o rosto já tostado pelo sol, mas por pouco tempo já q meu obeso colega sentia os efeitos de sua falta de condicionamento. Assim, o retorno foi lento e pareceu interminável, ate alcançar um local chamado de ´Casa de Pedra´, uma pequena gruta cercada de mata e rocha num vale de encosta. Ali paramos , p/ um breve descanso, sob protestos de um bando de araras coloridas e barulhentas andorinhas aninhadas nas reentrâncias da rocha.
Mas foi só continuar a pernada q a tempestade engrossou de vez, tornando o caminhar pela estrada um inferno. Já não havia + areal e sim gdes e fundos lamaçais q pareciam areia movediça! Um atoleiro difícil ate de caminhar! Logo deixamos a estradinha p/ tomar uma picada (+ firme) q identifiquei como sendo outro acesso ao complexo de cachus do inicio do dia! Ótimo! Apesar de já estarmos totalmente encharcados, tomamos um merecido banho no poção ao sopé da cachu Sete de Setembro, q refrescou nossos corpos e revigorou a alma.
Qdo retornamos ao Cto de Visitantes, meia hora após, a chuva já cessara totalmente, dando lugar outra vez a um céu despido de nuvens. Lá descansamos, alem de bebemorar a breve empreitada c/ brejas geladas, porem extremamente salgadas no preço. Na seqüência a idéia era tentar carona c/ algum visitante, mas como chovera td mundo já tinha ido embora. Daí não nos restou opção senão andar ate o asfalto e aguardar o busão, q tomamos assim q a noite se debruçou naquela imensidão plana da chapada mato-grossense.
À noite, enfim, tive as experiências ´extra-sensoriais´ q aqui tanto se comentam, porem à base de desmoderadas doses de canjinjica, a ótima cachaça local, q ´expandiram minha consciência´ além da conta. Ao invés de alcançar o nirvana espiritual ou conexão c/ o além, consegui mesmo foi uma ressaca nada transcendental. Mas isso já é outra historia. A verdade é q o Morro São Jerônimo alem de constar oficialmente como centro do continente, é um local cercado de crenças e lendas p/ ninguém botar defeito. E q a subida ao seu cume realmente vale a pena, independente das intenções. Esperar discos voadores, meditar ou apenas contemplar a paisagem, tanto faz. Apesar das crendices e misticismo q envolvem esta montanha mágica, a natureza q esculpiu esta região da Chapada dos Guimarães sempre será sobrenatural.
Texto e Fotos de Jorge Soto
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1 comentário
cara que incrivel o seu relato! eu sou de cuiaba; vou para chapada mtas vezes e ja fiz essa trilha do sao geronimo. Ainda assim, ler o seu relato, de tao bem escrito e detalhado, pareceu que eu estava embarcando contigo numa aventura nova para mim! parabéns pela escrita e gratidão por compartilhar essa experiência! quando voltar pra cá dá um alô, podemos fazer outros picos.. incluindo a travessia com pernoite no parque nacional – da pra acampar numa casa da brigada que fica ao lado do morro, é surreal! abraços!
Lara Azevedo – [email protected]