Esta montanha me chamou a atenção desde a primeira vez que estive no cume de outro cerro vizinho, o Champaqui. Ela se destaca na paisagem com seus paredões escuros e mais inclinados que as demais montanhas. Mas o que mais me atraiu é o fato de ser pouquíssimo visitada pois não há um caminho fácil para chegar ao cume. Ao contrário do próprio Champaqui onde depois de caminhar 20 km você acaba se deparando no cume com criancinhas que tomaram um caminho de 30 minutos!
Na minha primeira tentativa de subir o Cerro Negro eu não tinha praticamente nenhuma informação sobre possíveis trilhas. Na verdade não consegui falar com ninguém que ali estivera. A minha estratégia era chegar ao Champaqui (pelo caminho de 20 minutos), dar uma boa olhada em qual direção andar, e seguir em frente.
Bem, as coisas não ocorreram exatamente como eu havia planejado. Do cume do Champaqui eu não consegui ver o Cerro Negro pois o céu estava encoberto por nuvens. Mesmo assim decidi seguir na direção norte pelas cristas que unem diversas pequenas montanhas pois sabia que acabaria chegando ao meu destino.
Depois de um bom tempo subindo e descendo, e com pouca visibilidade, eu presumi ter chegado ao cume do Cerro Negro. Lembro de ter pensado: poxa, até que foi rápido. Mas eis que, depois de 40 minutos regressando, as nuvens se dissiparam e, olhando para trás, eu tive a desagradável surpresa de descobrir que não cheguei nem perto do Negro.
Olhei no relógio; fiquei p da vida. Eram 14h00 e percebi que não teria tempo de chegar ao cume e retornar com a luz do dia. Assim mesmo resolvi tentar. Às 16h00 alcancei a base da montanha e resolvi voltar para casa. Com tantas subidas e descidas e gastos de energia desnecessários, cheguei em casa exausto.
Uma semana se passou e o Cerro Negro não saiu da minha cabeça. Não podia partir de Córdoba sem fazer esta montanha. Sexta-feira a noite preparei minha mochila e coloquei o relógio para despertar cedo, e às 4h da manha num frio de 0 ºC eu sai de Córdoba rumo ao Vale de Calamuchita.
A lua, cheia, estava perfeita. Nenhuma nuvem no céu. Pelo termômetro do carro eu via a temperatura despencar. Cheguei de carro no topo do Cerro Los Linderos a tempo para o belíssimo nascer do sol. O frio de -8 ºC nem me preocupou muito, mas o vento… Eu acho que devia estar a uns 50 km/h. Saí do carro para tirar fotos mas estava difícil se equilibrar com as rajadas de vento. Para uma sensação térmica de -30 ºC, minhas luvas finas não eram suficientes e minhas mãos começaram a doer. Depois de aquecê-las no ar quente do carro, iniciei a caminhada.
Em 15 minutos cheguei ao Champaqui. Com o céu limpo, pude perceber que o melhor caminho seria descer no sentido nordeste até estar a meio caminho entre a linha formada pelas pequenas montanhas (à esquerda) e um riacho que corria em paralelo à direita. Dali em diante eu segui em direção ao norte. No meio do caminho, encontrei três argentinos que faziam uma caminhada de alguns dias atravessando a serra rumo ao Champaqui. Conversamos um pouco e um deles se mostrou um pouco apreensivo pelo fato de eu estar caminhando sozinho. Depois de explicar que já conhecia a região e de trocar celulares (não que funcione bem na região) prossegui.
Por volta de meio dia cheguei à base do Negro. Enquanto comia um sanduíche, fiquei analisando a montanha para descobrir por onde subir. Tive sorte pois avistei os montículos de pedra que marcam o caminho. Olhando a montanha bem de frente (sentido noroeste) existe uma grande fenda (um tipo de canaleta) por onde se sobe até chegar a uma parede de 90 graus. Então basta virar pra direita e continuar trepando nas pedras até atingir o cume.
Fazia frio e havia um pouco de neve na parte mais alta da montanha. Nessas condições é preciso tomar muito cuidado para não escorregar nas paredes de pedra, já que a inclinação da subida chega perto de 60 graus em alguns pontos. Sem falar que eu estava com tênis de trecking, daqueles bem ventilados para clima quente, e tinha que cuidar para não molhar o pé na neve.
Cerca de 13h00 cheguei ao cume. A temperatura já estava mais alta (- 2 ºC) mas o vento continuava forte. Nestas condições, no me demorei muito lá em cima. Tirei algumas fotos, contemplei a paisagem, e iniciei a descida feliz da vida.
O interessante é que minha satisfação por ter alcançado o cume do Cerro Negro foi bem maior do que em outras montanhas, mesmo tendo subido em várias na região de Córdoba e até mesmo em uma de 4 mil na Cordilheira dos Andes.
Talvez por ter sido a última antes de regressar ao Brasil, talvez por ter precisado de duas tentativas, ou talvez por ter sido a primeira montanha que subi naquela condição de frio e neve.
Qualquer que seja o motivo, me despedi da Argentina realizado.
Márcio Carvalho.