Um canto escondido no mundo chamado SERRA DA ESTRELA

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Tinha eu poucos aninhos, quando por alturas de um Natal já muito longínquo, os meus pais decidiram mostrar-me o que era neve.


Assim, num dia de Inverno, antes de nos juntarmos à família para as típicas comemorações de Natal, fizemos uma pequena incursão à zona centro de Portugal, na tentativa de tocarmos a brancura sólida da água, na serra onde fica o mais alto ponto de Portugal continental…1998m – Serra da Estrela.

Nesse ano a sorte não esteve do nosso lado e para além de não ver mais do que umas pequenas manchas brancas salpicando a paisagem, o céu insistiu em manter-se cinzento, mas sem largar os ansiados flocos de neve.

A recordação que marcou esse Natal foi o acidente de carro que tivemos numa curva, provocado por um troço de gelo (o carro foi-se e nós…íamos indo também!). Mas como em cada árvore há um amigo, houve uma que se colocou à saída da estrada e o carro abraçou-a para não se despenhar às reboletas por uma vertente íngreme.

Queria essa árvore seguramente, que eu vos desse a conhecer um pouco da “nossa serrinha”.
Estas são as primeiras recordações que tenho da Serra da Estrela.

Por essa altura decidi que a neve não deveria ser coisa boa e não merecia a minha atenção, pelo que aquele lugar ficou esquecido num qualquer canto do meu cérebro.

Só muitos anos mais tarde…seguramente mais de 20…depois de ter subido o Monte Branco – a minha primeira montanha e a primeiríssima neve que toquei (mesmo sem nunca ter visto nevar, porque subi num belíssimo dia de sol!) – resolvi fazer uma incursão Invernal à Serra da Estrela. Desta vez fui brindada com uma nevada suave que cobriu a paisagem de branco. Lembro-me bem das minhas primeiras actividades por lá, inclusivamente de umas subidas de corredores sozinha, em que num que quase temi pela vida, ao chegar ao seu final gritei “UUUUUUUHUUUUU…” e fui surpreendida por um alpinista que andava por ali a fazer o mesmo que eu…fui nesse preciso instante mordida pelo bicho da vergonha!

Pouco depois, pelas mãos de alguns amigos, começaram as incursões de Verão, em que conheci dos melhores locais de escalada em rocha de Portugal.

O Cântaro Magro, uma agulha de um magnífico granito, atraiu-me à primeira. As belíssimas fissuras, diedros, a excelente qualidade do granito, captaram de imediato a minha atenção.

As clássicas vias de aventura abertas desde o início dos anos 70 até aos dias de hoje, onde por vezes se encontra um piton velho, daqueles que já saem à mão, passaram a ocupar incontáveis horas de fins-de-semana.

Recordo-me da primeira vez que escalei a Luso-Galaica, a clássica das clássicas. Uma bonita via que tem de tudo, uma enorme chaminé, fissuras bonitas e passos de placa.

Ao tentar fugir ao calor de Verão, porque sabia existir uma lagoa por perto, certo dia conheci a Placa da Francelha. Carregava na mochila, para além de uma toalha de praia, algo para trincar, a corda e um arnês, um conjunto de expresses. As vias desportivas da Francelha para uma iniciada davam “água pelas barbas”. Naquela placa, reina a aderência…o que trás sérios problemas a quem não sabe mexer os pés.

Com o tempo fui conhecendo outros recantos da “nossa serrinha” e com o tempo descobri que ainda há muito por descobrir, muitas vias por abrir, muitas linhas por escalar.

Com a passagem dos Invernos e pelas mãos dos amigos, conheci as cascatas de gelo, que teimaram em não se formar no último ano (bom, a maioria teimou em não se foram nos últimos dois anos!). Pequenas mas tesas! O que não tem em altura, ganham em técnica, pois por estes lados o gelo é frequentemente delicado.
Descobri também que a “nossa serrinha” possibilita aquelas ascensões mistas estilo Escócia muito animadas, com pouca neve, muita rocha e “musgo-tracção”…muita “musgo-tracção”.

A completar o cenário, não faltam os típicos blocos de granito, aproveitados por muitos para “blocar à morte” nos dias frios em que a aderência se torna perfeita.

Este recanto escondido do mundo, que fica a cerca de 3 horas da minha porta de casa…tem tudo (hummm, ok, falta-lhe o Big-wall!)! É o nosso pequeno reino do montanhismo. Entre os longos trekkings que oferecem bucólicas vistas, escalada clássica, desportiva, em gelo, em musgo, mista, boulder, refrescantes banhos de Verão em lagoas de água límpida…abarca os gostos de todos.

Claro que por estes lados não falta também a boa comida!

No sopé da nossa “montanha”, os restaurantes dispersos pelas pequenas povoações oferecem comidas típicas da região, que depois de uma boa escalada, dão O toque de perfeição ao dia.
…e bom vinho, claro!

Daniela Teixeira

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Sobre o autor

Daniela Teixeira e Paulo Roxo é uma dupla portuguesa que pratica escalada (rocha, gelo e mista) e alpinismo. O que mais gostam? Explorar, abrir vias! A Daniela tem cerca de 10 anos de experiência nestas andanças e o Paulo cerca de 25. A sua melhor aventura juntos foi em 2010, onde na cordilheira de Garhwal (India - Himalaias), abriram uma via nova em estilo alpino puro na face norte da montanha Ekdante (6100m) e escalaram uma montanha virgem que nomearam de Kartik (5115m), também em estilo alpino puro. Daniela foi a primeira e única portuguesa a escalar um 8000 (Cho Oyu). O Paulo é o português com mais vias abertas (mais de 600 vias abertas, entre rocha, gelo e mistas). Daniela é geóloga e Paulo faz trabalhos verticais. Eles compartilham suas experiências do velho mundo e dos Himalaias no AltaMontanha.com desde 2008. Ambos também editam o blog Rocha Podre, Pedra Dura (rppd.blogspot.com.br)

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