PATI, A TRAVESSIA DA CHAPADA – 3

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PELA PREFEITURA E INTERIOR DO VALE
Deixei o local sob o sol bravo das 12:30 e um céu estupidamente azul e limpo, mas felizmente a trilha é bem arborizada. La embaixo, ao invés de seguir p/ esquerda (Gruta do Morro) continuo pela trilha, acompanhando o Rio Pati pela sua margem direita. No caminho detono um sanduba caprichado q seria meu almoço e passo pela entrada da casa de Dna Lea, onde o pessoal da Pisa almoçava. A pernada prossegue ininterrupta ate q cruzei o Pati ate sua outra margem, já menos arborizada porem permitindo uma vista fantástica da metade do vale. Notei q estava emparedado pelas paredes do cânion, e por todos os lados despontam paredões enfeitados por boqueirões, grutas e lapas, q são reentrâncias nas pedras q formam um teto similar a gruta. Alem de muita mata e verde ao sopé das mesmas.


A trilha agora é de areia bem clara, não tem nenhum segredo e toca p/ sudeste, visivelmente vou contornando o Morro do Castelo tendo o Rio Pati à minha direita sempre me acompanhando. Ora com sombra, ora não. O cheiro doce de jacas estimula varias paradas na tentativa de obter alguma, mas a dificuldade de alcançá-las e a presença tb de ´mutucas-pitbull´ diluem qq intenção de parar. Alem do mais, cruzo com vários jovens (ripongas baianos, brasilienses e goianos!) em sentido contrario, indo pro Capão. De fato, aqui ninguém se perde mesmo!

Uma hora e quase 4 km depois começo a descer, contornando a base do paredão e indo de encontro ao rio. Aqui a continuação do Morro do Castelo, q se chama Morro da Lapinha, termina e um vale maior que abre-se diante de mim! Isto pq mais adiante o Rio Lapinha (q vi do alto da gruta) se junta ao Rio Pati, seguindo com mais volume em meio ao vale formado pelos paredões verticais e imponentes da Muralha, q nada mais é q a Serra do Roncador, e da mirrada Serra do Sobradinho, no lado oposto. É aqui tb q, atravessando o rio pulando de pedra em pedra, chegei ate a ´Prefeitura´, um casebre erguido no inicio de século p/ servir de alojamento aos mercadores q, no lombo de mulas, comercializavam produtos entre Lençóis e Andaraí. Hj tb serve de apoio a turistas, com alguma precária infra, campo de futebol e td. Algumas barracas indicam q havia um pouco de farofa ali.

Contornada a ´Prefeitura´, a trilha sobe a piramba de um pequeno morrote coberto de samambaias e vira definitivamente sentido quase sul, com subidas e descidas suaves q beiram a Serra do Sobradinho, mas tendo sempre o Rio Pati (Pati+Lapinha) à nossa esquerda, ora afastado ora não. Por conta do horário e do paredão rochoso à minha direita, este trecho é feito no frescor da sombra e não oferece maiores dificuldades de desnível. A densa vegetação tb ajuda a encobrir o belo vale q se descortina, mas eventualmente há janelas q permitem ver a muralha rochosa dourada pelo sol em contraste c/ céu azul.

A caminhada é bem tranqüila, sempre em declive suave, ate finalmente chegar ao nível do rio. Da ´Ruinha´ ate aqui foi um desnível de quase 350m!! Assim sendo, exatas 14:30 chego na ponte de concreto q é o pto onde o Rio Pati deságua no Rio Cachoeirão, vale adjacente ao do Pati. A ponte semi destruída em função de poderosas trombas d´água atravessa o rio, q aqui é bem largo e oferece muitos poços bastante convidativos. Na outra margem, a trilha visivelmente continua beirando o paredão à esquerda ate chegar mais adiante na Ladeira do Império, q sobe o paredão em ziguezagues. Como minha intenção era ainda a de explorar o Vale do Cachoeirão no dia sgte, precisava arrumar um local p/ pernoitar. Ali perto da ponte havia vários locais gramados, no entanto resolvi aguardar ali o pessoal da Pisa, a fim de ter companhia, e resolvi acampar onde eles fossem pernoitar, provavelmente a casa do Seu Masu.

Com tempo de sobra e o sol a pino, fiquei enrolando e me divertindo a beça ali, ora descansando nas enormes pedras do leito do rio, ora mergulhando nas refrescantes águas acobreadas do Pati ou lavando alguma roupa mesmo. A cor avermelhada das águas se deve a presença de ferro e excesso de material orgânico em decantação. Mergulhar no Pati é nadar num copo de Coca-Cola! O tempo foi passando e nada da galera. Nesse meio termo vi apenas um grupo de meninas seguir p/ Prefeitura e um par de tropeiros seguir p/ Andarai. O trio capixaba tb passou, só q estes seguiram p/ casa de um morador local do Vale do Cachoeirão, e tomaram a discreta trilha q segue p/ direita, antes da ponte.

Por volta das 16hrs, qdo o sol tava mais ameno, o retorno das ´mutucas-pittbull´ torna o descanso um inferno! É preciso ter paciência p/ lidar com estes inconvenientes insetos, q mordem forte ao menor descuido. Parecia praga do Egito. Finalmente lá pelas 17 hrs a galera da Pisa aparece penando c/ o ´samba da mutuca´ e ficam surpresos com o tamanho da minha cargueira, pois eles apenas carregavam uma de ataque, deixando o grosso pro Zói, o guia, juntos atravessamos a ponte, onde na outra margem deixamos a trilha principal p/ tomar uma q sai discretamente pela direita, acompanhando o leito pedregoso da junção dos rios.

Logo temos q cruzá-lo saltando de pedra em pedra, chegar numa pequena ilhota fluvial, p/ depois continuar saltando as pedras ate alcançar sua outra margem. Dali a trilha entra nos arbustos, em franca subida,&nbsp, beirando as encostas dos paredões do Pati de Baixo, ate chegar num descampado q indica q chegamos na casa do Seu Masu, próximo do Rio Pati, q era bem simples e modesta, possuía alguns anexos e muitas roças no entorno. Um detalhe é q a casa era desprovida de janelas.

Enquanto o pessoal d agencia se acomodava nos quartos simples do local, armei minha barraca no pequeno campinho de futebol próximo, sob atento olhar das crianças dali. A vista era igualmente fantástica, pois tínhamos literalmente a muralha dourada de rocha da Ladeira do Império bem na nossa frente, e não raramente víamos ´pontinhos´ percorrendo-a em ziguezagues ao seu topo, p/ sudoeste, o restante do vale se descortina emparedado em cânions q terminam, ao fundo, na Serra da Bela Vista, onde o Rio Pati deságua no Rio Paraguaçu, aos pés da Rampa do Caim.

Assim q o sol se foi, por pouco o banho (sempre frio) fora no escuro, pois o vento teimava em soprar a vela acessa no banheiro. Faminto, desta vez&nbsp, deixei meu miojo de lado e resolvi comer comida mesmo, alguma refeição típica daqui. Juntamos-nos na sala simples iluminada com lampião, ornada com td sorte de santos na parede, e nos fartamos da deliciosa janta preparada em fogão a lenha. Saladas, arroz, mandioca, feijão tropeiro, palma, macarrão, galinha, carne, farofa de couve, godó de banana, sucos naturais e como sobremesa, um doce de leite e goiabada c/ queijo. Td isso por quase R$7!! Engraçado era perceber q todas as cadeiras e mesas eram bambas, quase q de balanço.

Depois, e com tempo + ameno, nos juntamos na frente da casa p/ uma prosa com direito a violão e fogueira, alimentada por folha de bananeira. A lua cheia q surgiu atrás dos paredões do Roncador iluminou de maneira impar os cânions do vale e dispensou qq uso de lanterna, e cansados, fomos nos recolher por volta das 22 hrs. Sem contar o sobe/desce ao Morro do Castelo, aquele dia foram quase 8 km percorridos,q me fizeram dormir feito uma pedra..

3º DIA – NAS ENTRANHAS DO VALE DO CACHOEIRÃO
A quarta-feira e 3º dia de travessia, deixei p/ exploração do vale aproveitando ´carona´ com o pessoal da Pisa, claro! Acordei as 5:30 ao som de ruidosos xiribas, um periquito típico do Pati e fomos tomar o farto café-da-manhã, com direito a pão e leite fresco, doce de leite e bolo de aipim! E muita banana pra ´não sentir cãibra´, segundo Seu Massu.

Por volta das 8 hrs partimos munidos de mochila de ataque rumo ao Vale do Cachoeirão, voltando pela trilha ate a intersecção dos rios, dali descemos um pouco o Rio Cachoeirão e saltamos de pedra em pedra ate a sua outra margem, já aos pés da Serra do Sobradinho. Aqui adentramos um pouco a mata ate interceptarmos a trilha oficial (aquela q saia pela direita, antes da ponte) p/ entrar no vale. Alcançada a mesma, basta segui-la sentido oeste em suave aclive pela encosta da serra, sempre paralela ao rio.

Não tardou e chegamos na casa do Seu Eduardo, outro morador local q hospeda forasteiros, onde tava o trio capixaba e uma outra galera no quintal dele. Pausa p/ uma rápida prosa. No quintal, um pé de ´saco de véio´ chama a atenção, uma planta q dá um fruto q parece um limão peludo, mas é cheio de ar, é murcho, peludo e não serve p/ nada! A pernada prossegue vale adentro sempre em aclive, cada vez mais nos afastando do nível do rio, q vai ficando lá embaixo, ora distante ora próximo. A alternância de trechos abertos, forrados com matacões de samambaias, e trechos fechados c/ mata densa e muita jaqueira, atenuam o sol forte daquela manha. No caminho, Zói pega uma jaca e leva na cabeça (!?) alem de carregar um mochilão c/ rango pro povo. Alias, o Zoi era uma figura pitoresca com expressões próprias, seu apelido se deve a q ele via os bichos com seus ´Zoi´ como ninguém.

Adentrando mais no vale, a mata torna-se mais densa e orquídeas e bromélias passam a colori-la, alem de estar repleta de sons q evidenciam a rica fauna daqui. Cantos de arapongas, sabiás, bem-te-vis e outras aves são ouvidos a todo instante. Logo, a trilha alcança o nível do rio, e dali a pernada prossegue contornando ou saltando as enormes pedras encravadas no leito, subindo seu curso. Por volta das 11:30 hrs resolvemos fazer uma pausa, seguido de um lanche básico! Claro q mandamos ver na jaca, principalmente eu! A ocasião tb foi pretexto p/ um refrescante banho nos inúmeros poços naturais e mini-cachoeiras q se formam em td o trajeto.

Retomamos a caminhada 1 hora depois, sempre rio acima. Ao notar q o vale se afunilava cada vez mais, o paredão final de rocha já fica mais evidente à nossa frente, bem próximo. A pernada torna-se mais árdua e lenta qdo nos afastamos do rio a fim de seguir pela encosta do paredão, cautelosamente, de pedra em pedra, nos firmando seja na rocha, galhos e qq coisa q nos de firmeza e equilíbrio. Ate o mato daqui segurávamos c/ cuidado, pois estava repleto de carrapatos! O pessoal começa a chiar, mas Zoi diz ´Calma, tamo mais perto q longe!´, enquanto ouvíamos inconfundíveis urros do macaco barbudo, curiós e araras.

Agora é pura escalaminhada entre as enormes pedras desmoronadas. As quedas d´água tão bem visíveis a nossa frente! O Cachoeirão (ou Boqueirão) é composto por 5 cachus seqüenciais, sendo q 3 (Palmital, Verde, etc) delas se limitavam a respingos em fcao da estiagem. Assim vamos uma atrás outra, q não tem um gde poço, mas q servem muito bem pra refrescar a cabeça e molhar a goela. Apesar do pouco volume, os respingos, o chuvisco, o conjunto formado pela rocha colorida, mata e musgo verde forrando as paredes e a iluminação geral conferia um aspecto surreal à cena, lembrando um jardim do Burle Marx. A dificuldade de acesso guardava um dos locais realmente mais intocados e belos daqui.

Continua…

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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