O que é afinal o Estilo Alpino??

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´Estilo Alpino´ é começar na base da via e terminar lá em cima, sem nunca voltar para trás? NÃO!


Após as ultimas palestras, percebemos que anda aí uma grande confusão sobre o que é o “estilo alpino”.

Se este estilo incluísse todas as ideias que nos foram transmitidas em diferentes comentários, podíamos concluir que “estilo alpino” é…”o que um homem quiser”!

MAS, quando eu e o Paulo no ano passado dissemos que gostaríamos de escalar um 8000 em “estilo alpino” estávamos a assumir determinadas regras/padrões éticos para fazer a ascensão.

Mas vamos por partes.

FAQS:

1 – Estilo alpino é escalar uma montanha, começando cá em baixo e terminando lá em cima? Sem nunca voltar para trás? Tudo de seguida?
Sim e não. Isso não chega para se considerar “estilo alpino”

2 – Podem usar-se cordas fixas no estilo alpino?
Não.

3 – Pode aclimatar-se na própria via de ascensão?
Não.

4 – Pode recorrer-se a oxigénio?
Não.

5 – Podem ter-se acampamentos de altitude já instalados?
Não.

6 – Podem levar-se carregadores de altitude?
Não.

7 – Faz sentido falar em estilo alpino nos Alpes, ou montanhas de semelhante altitude?
Não.

7a) – Porquê?

Porque em montanhas de pequena altitude não faz sentido montar previamente campos de altitude, como consequência, escala-se sempre em “estilo alpino”, por isso não faz sentido apelidar desta forma a escalada (ver resposta do alpinsta Valery Babanov à segunda pergunta http://www.mountain.ru/article/article_display1.php?article_id=933).

Este nome, “estilo alpino”, ganhou valor quando se começaram a aplicar as técnicas de escalada de montanhas de pequena altitude, às grandes montanhas, ou seja, quando em montanhas em que o mais vulgar é recorrer ao “estilo de expedição” (também conhecido como “estilo himalaiano”), se começou a optar por escalar com as técnicas utilizadas nos Alpes,de uma forma bastante mais ligeira. Este “estilo alpino” torna a escalada das grandes montanhas bastante mais dura e comprometida.

No “estilo de expedição”, é tradicional aclimatar na via de ascensão. Durante este período, os alpinistas montam e abastecem os campos de altitude intermédios e muitas vezes instalam cordas fixas para se auto-assegurarem, diminuindo consideravelmente desta maneira o risco intrínseco à escalada. Seguindo esta forma de escalar, no período de ascensão (no ataque ao cume), já existe um conhecimento prévio da via e das suas dificuldades. O alpinista sobe também mais ligeiro (porque já não transporta tenda e viveres) o que lhe permite poupar energia durante a ascensão e consequentemente escalar mais depressa, aumentando assim as possibilidades de sucesso.

Se para além do referido a escalada for por uma “via normal”, por múltiplos factores, a dificuldade da ascensão é ainda mais atenuada. A presença de um trilho já feito, por exemplo, faz com que o alpinista poupe também muitas energias.

E no “estilo alpino”?

Seguindo a ética considerada nos dias de hoje, para que uma escalada possa ser considerada em “estilo alpino” , o alpinista não pode aclimatar na via de ascensão, para não tomar conhecimento das condições em que a via se encontra. Para além das surpresas que tal pode trazer, isto faz com que, no período de ascensão, o alpinista tenha de transportar consigo todo o material que considera necessário para a escalada (tenda, comida, material de pernoita e material técnico). Claro que com isso a escalada vai tornar-se obrigatoriamente mais dura, é necessário despender mais energia!

Então se o alpinista leva tudo às costas, porque se apelida este estilo também de “light style”(estilo ligeiro)?

Porque tendo a necessidade de levar TUDO, a selecção do material é criteriosa. Para que a ascensão seja o mais rápida possível, o alpinista tenta de todas as forma aligeirar o peso que terá de carregar.

Posso dizer-vos que eu e o Paulo para o GII, para aligeirar o peso, em material de escalada levamos apenas um cordino de 50m de 7mm (em vez de corda dinâmica dupla de 8,5mm), 2 estacas de neve, 5 parafusos de gelo e 3 pitons de rocha…para cerca de 2000m de via!

Decidimos dormir vestidos com toda a roupa que levávamos no corpo para poder levar um saco cama de 700g em vez do típico de quase 2kg para temperaturas extremas.

Todas as gramas são ponderadas para aligeira a mochila e despender o mínimo de energia. Pretende-se desta forma que o tempo de escalada seja o mínimo possível, já que quanto mais tempo estamos na via de ascensão, menores são as possibilidades de sucesso (não só porque o grau de cansaço que aumenta, mas também porque as janelas de bom tempo são curtas).

Na ascensão em “estilo alpino” prevalece o espírito da aventura e da descoberta, e é por isso que o recurso a cordas fixas ou mesmo a simples presença de pegadas desclassifica a escalada em “estilo alpino” (ver 4º parágrafo do tema “Batura II-Korean Surprise”, “…But I would look stupid climbing alpine style, following the fix ropes and tracks of a huge expedition.” http://www.k2climb.net/news.php?id=17425).

Tendo cordas fixas ou pegadas, não se está a descobrir a linha de ascensão, está a seguir-se uma linha óbvia, pelo que não há tomada de decisão nos momentos cruciais “vamos pela esquerda ou pela direita?” foi com a resposta “errada” a esta pergunta que eu e o Paulo nos metemos numa bela alhada no GII! Se tivéssemos cordas fixas ou pegadas, tinha sido fácil seguir o melhor caminho, pois estaria diante dos nossos olhos).

Mesmo não utilizando cordas fixas, caso estas estejam já instaladas, a escalada não é nos dias de hoje considerada em “estilo alpino”, porquê?

Porque estando as cordas ao nosso lado, para além de nos indicarem o caminho, servem como segurança. No caso de algo correr mal, tendo uma corda ao lado, quem não se agarra?

Havendo cordas fixas, caso haja algum contratempo, o regresso é também muito mais fácil e seguro. Numa retirada em caso de emergência, a ausência de cordas fixas no “estilo alpino” torna a coisa muito mais complicada/arriscada.

É por estes motivos que em “vias normais”, é quase impossível escalar no apelidado “estilo alpino” claro que há quem diga que o faça, mas geralmente é mais…”estilo alparvo”!). Ou temos cordas fixas, ou gente, ou pegadas…o que desclassifica este estilo de escalada. Podemos aqui falar de uma escalada em autonomia, mas não em “estilo alpino”. Claro que se formos aclimatados e no inverno ou inicio de época, poderemos com sorte encontrar as condições para escalar uma “via normal” em “estilo alpino”.

Se ao seguir outras opções de ascensão – “vias normais,” “estilo de expedição”… – o que mais interessa é atingir o cume, no “estilo alpino”, a valorização da actividade está muito mais na forma de escalar a via, no processo do “como fazer? Como conseguir?” do que no atingir do cume. O que mais interessa não é o cume (claro que a satisfação é plena se o atingirmos desta forma), mas sim a forma de lá chegar.

Então “estilo alpino” é começar na base da via e terminar lá em cima, sem nunca voltar para trás?

NÃO! É muito mais do que isso!

Daniela

:: Para saber mais sobre a Daniela Teixeira, visite Rocha podre e pedra dura

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Sobre o autor

Daniela Teixeira e Paulo Roxo é uma dupla portuguesa que pratica escalada (rocha, gelo e mista) e alpinismo. O que mais gostam? Explorar, abrir vias! A Daniela tem cerca de 10 anos de experiência nestas andanças e o Paulo cerca de 25. A sua melhor aventura juntos foi em 2010, onde na cordilheira de Garhwal (India - Himalaias), abriram uma via nova em estilo alpino puro na face norte da montanha Ekdante (6100m) e escalaram uma montanha virgem que nomearam de Kartik (5115m), também em estilo alpino puro. Daniela foi a primeira e única portuguesa a escalar um 8000 (Cho Oyu). O Paulo é o português com mais vias abertas (mais de 600 vias abertas, entre rocha, gelo e mistas). Daniela é geóloga e Paulo faz trabalhos verticais. Eles compartilham suas experiências do velho mundo e dos Himalaias no AltaMontanha.com desde 2008. Ambos também editam o blog Rocha Podre, Pedra Dura (rppd.blogspot.com.br)

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