Me juntei ao Jairo Bogotá e tres ingleses (Carla, Jack e Alex) que nao tinham nenhuma experiencia. Depois de dois dias de aclimatacao com caminhadas belissima, fomos subir a montanha. Eu havia tentado sozinho no dia anterior, mas era tarde e eu afundava na neve até o joelho. Desci os 900 m (verticais) que havia subido. No dia seguinte saímos as 4 h da manha e pegamos a neve em condicoes perfeitas, mas fiquei preocupado com nuvens altas ainda de madrugada, e também com as fomosas nuvens lenticulares nos cumes (significa vento forte e mudanca de tempo).
Como os ingleses eram iniciantes, o Jairo os levou pela a via normal, que é uma caminhada na neve com um lance técnico para chegar ao topo. Resolvi subir sozinho por uma via mais técnica porque tinha bom equipamento (2 pioletes de tracao). Quando reencontrei o grupo próximo ao cume, vi que a inglesa nao usava grampon e o Jairo nao tinha levado corda!! Que loucura. Mas fiquei quieto. Arrumamos um jeito de levar todos ao topo, que é fantastico!! Segue-se por uma crista bem exposta. Os ajudei na descida, mas sempre esperando que alguém despencasse. Depois que julguei que todos estavam seguros, desci na frente e me afastei.
Entretanto, o Jairo resolveu ensinar para os ingleses como parar uma queda cravando o piolet na neve (*). Depois de fazer algumas descidas, na última, o grampon direito dele travou na neve quando deslizava com velocidade, mas o tranco fez quebrar sua perna em dois lugares. Fratura exposta!!
O Alex desceu para me avisar e tive que subir com uma corda para fazer o resgate. Eu subia tao lento que parecia má vontade, mas era o efeito da altitude, apesar de eu estar puto com a situacao, ele era o responsável pelos ingleses. Eram 10 h e a neve se encontrava em péssimas condicoes. Mas conseguimos desce-lo até a zona livre de neve e encontramos alguns colombianos. Pelo celular, eles acionaram um grupo de resgate. Mas como eu havia previsto, o tempo fechou tenebrosamente e resolvemos nao esperar pelo o resgate. Enfaixei a perna dele com um isolante térmico e esparadrapo e o carregamos uns 2 km montanha abaixo. Comecou a cair chuva congelada (gelo) que depois mudou para chuva fina e constante. O Jairo gritava de dor.
Finalmente, depois de quatro horas, chegou o “resgate”. Era o Miguel, um homem “franzino” de 1,60 m. Magrinho, usava um ponche, chapéu de cawboy e botas de borracha (galocha). Trouxe com ele uma maca. Olhou a situacao e nao perdeu tempo, deixou a maca de lado, colocou o Jairo nas costas e comecou a descer uma enorme morena (deposito glacial de pedras) de uns 300 m verticais. Eu olhava aquilo e pensava Cacete, vamos ter mais um acidentado. Mas o danado deixou-me impressionado. No meio da morena encontramos mais 3 para ajudar no resgate, mas foi quando caiu um tempestade daquelas, com chuva grossa misturada com neve. Mas conseguimos desce-lor a até um lugar onde havia um cavalo.
O Jairo e a inglesa foram para o hospital, eu e os dois ingleses fomos para o nosso acampamento. Entretanto, quando vimos nossas barracas, deu vontade de chorar. Armamos elas sobre uma area plana no topo da morena, onde formavam pequenas depressoes. Bem, formou-se um lago de 3 cm de profundidade e a minha barraca flutuava. Dentro dela ficou tudo molhado. O mesmo aconteceu com os ingleses e já eran 5 h da tarde. Que merda, há 13 anos que tenho titulo de PhD justamente sobre o comportamento da água no solo e nao previ aquela situacao. Que noite “agradavel” a 4.300 m de altitude.
(*) Eu aprendi há 19 anos a importancia de saber frear uma queda com o piolet, mas a prática deve ser feita sem grampons porque a chance de se machucar é grande. Na verdade, numa queda em uma parede nevada usa-se esta técnica para evitar consequencias mais graves, como a morte. Uma perna quebrada é apenas uma perna quebrada. Mas em treino deve-se evitar os grampons. Aliás, os grampons também podem fazer o escalador girar de cabeca para baixo e descer com mais velocidade. Enfim, nao é a toa que os acidentes sao muito mais comuns em ambientes alpinos.
O Parque do Cocuy sem dúvida merece ser visitado, é fantástico. É mais uma opcao com travessias fantásticas (como as do Peru e da Patagonia) e também boas escaladas em neve e em rocha. Já tenho alguns projetos de conquista e outro de atravessar todos os cumes nevados desse parque, sao 15 se eu nao me engano, o mais alto com cerca de 5.300 m. A melhor época para ir a essas montanhas é de dezembro a fevereiro, no resto do ano chove-neva muito.
Antonio Paulo Faria
Obs. Continuo brigando com os acentos dos computadores daqui.