O departamento de competições da FEMERJ conquista mais esta vitória na luta pelo reconhecimento da escalada como atividade esportiva. Através de Patricia Mattos e Luis Alves, o campeonato Estadual do Rio de Janeiro de Boulder, que desde 2009 têm todas suas etapas realizadas no Escalada Indoor Icaraí, na cidade de Niterói, passa a fazer parte do calendário oficial de eventos do município.
Apesar do reconhecimento, o ranking fluminense ainda corre risco de não acontecer se até março não houver apoio suficiente de patrocínio para cobrir os gastos da competição.
O Estado do Rio de Janeiro ficou sem competições por 3 anos, sendo depois reativado o ranking em 2008. Um ano depois, o Rio teve seus primeiros atletas participando de um mundial, Pedro Gomes e Luana Riscado representaram pela primeira vez o Estado que tem a história de escalada mais tradicional do Brasil! Os atletas do Rio também mostraram comprometimento e mesmo sem terem uma etapa do ranking nacional, eles viajaram para Curitiba e São Paulo, sendo a única comitiva estadual a participar das duas etapas do brasileiro de escalada no ano passado.
O escalador e jornalista Caio Gomes, do blog Família Buscapedra, realizou uma entrevista com Patricia Mattos. Ela fala de sua história como escaladora da luta por manter a escalada de competição no Estado do Rio e suas expectativas do fututo
Caio Gomes: E aí Patty, primeiramente, como manda o protocolo, gostaria de saber como é que você começou a escalar?
Patricia Mattos: Foi por volta de 87, eu tinha 21 anos, hoje tenho 44, e na verdade comecei tarde se comparado aos dias atuais, onde os escaladores começam cada vez mais cedo. Tinha começada a faculdade de Biologia Marinha e na minha turma estava o Ralf Côrtes. Já viu né? Fiquei bem curiosa com aquele cara carregando aquele mochilão de um lado para o outro e fui logo saber do que se tratava. Ele me explicou que escalava em rocha e fui ficando curiosa e perguntei se mulher também fazia isso. Daí ele me mostrou uma foto da Isabelle Patissier… aí não teve jeito! Logo fui parar na Pedra do Urubu, na Urca, onde foi a minha escola. Lá vi escalar Paulo Macaco, Ralf, as Monicas, Marcelo Ramos, Nilton Campos, Katinha, Ritinha, Marcelinho Braga, Antônio Paulo, Pita, Sérgio Tartari, Alexandre Portela, e outros. Vi também o Patrick Edlinger trabalhar a Via do Alemão. Então foi no meio dessa galera, meio perdida, já que era um mundo novo para mim, que eu comecei a escalar.
C.G: Ainda nessa época, rolou aquele lendário campeonato no alto do Pão de Açúcar. Quando você começou a se dedicar às competições como atleta (já que você há anos se dedica à organizar esses eventos)?
P.M: O responsável por aquele muro no Pão de Açúcar era o Paulo Bruxo. Foi a primeira vez que teve um campeonato aqui no Rio de Janeiro, se não me engano (corrijam-me se estiver errada). Porém a minha primeira competição não foi lá, afinal estava começando. A primeira vez que competi foi nos dias 29 e 30 de maio de 1993 em Itatiaia (RJ). Fiquei em 8ª de 9 competidoras e muito feliz, pois em última ficou uma argentina chamada Silvina, que escalava muito! Eu tinha achado aquilo ali muito difícil e resolvi competir outras vezes. Até que junto com Alexandre Galvão e meu irmão, Plínio Mattos, montamos nosso primeiro muro de escalada no Colégio Salesianos, para podermos treinar. Junto com o treino começamos a dar aulas no muro também. Foi muito legal. Aumentamos esse muro 3 vezes até ele ficar completo. Pequeno, mas completo. Dava pra guiar, tinha negativos, teto e uma área de boulder com domínios.
C.G: Como era a escalada quando você começou e como você vê o nosso esporte hoje?
P.M: Tinha bem menos escaladores, nem se compara com os dias de hoje. A graduação não era tão alta ainda. As pessoas estavam ali escalando porque amava o esporte, não porque era moda ou qualquer coisa do gênero. Hoje em dia existe muita gente escalando e muita gente fazendo besteira também, pois os curiosos de plantão acham que sabem escalar depois de ler um livro de escalada ou um texto na internet. Daí compram equipamento e saem por ai fazendo de tudo um pouco. Não se preocupam com a ética da escalada e nem possuem uma consciência ecológica. Ficam em situações de risco de vida e depois não sabem o que fazer pois não têm noção de resgate nem de primeiros-socorros. Quer coisa pior que também do que ir para a rocha e encontrar um grupo enorme de rapeleiros gritando e descendo de luvas, sem capacete e de cabeça para baixo? Isso é uma desgraça!
C.G: Você é responsável por me colocar nessa “roubada” (viciante) de campeonato. Além do mais foi responsável também por organizar os melhores campeonatos que já participei. Ah! E sempre que possível, dando as melhores premiações, dentre elas uma passagem para a França e um cheque de R$1.000 (mil reais). Esse último eu tive a infelicidade de ganhar (rs)! Mas quantos campeonatos você já participou e quantos você organizou?
P.M: Eu participei como atleta de uns 50 pelo Brasil a fora. Já como organizadora foram uns 18 campeonatos ou mais. No ano passado voltei a competir em Brasileiros de Dificuldade, pois como Diretora do Departamento de Competições da FEMERJ, tive que levar a delegação de altetas do Estado do Rio de Janeiro para os campeonatos, e já que eu estaria lá com eles acabei optando por competir também. Sem compromisso nenhum. Pois eu não estava mais treinando para isso. Acho que competindo junto com os atletas é uma forma de incentivá-lo. Eu não sou daquele tipo de pessoa que fica só olhando. Gosto de participar também e na minha idade posso me dar ao luxo de competir só por competir, sem me cobrar resultados. Eu costumo dizer que competir está no sangue e gosto da adrenalina dos campeonatos, de ter que esperar para entrar no muro e fazer o melhor, mesmo que o melhor não seja ganhar. É muito divertido!
C.G: Você recentemente tomou a frente dos campeonatos tornando-se Diretora do Departamento de Competições da FEMERJ. Há anos é você quem realiza os principais campeonatos do Estado, com ou sem ajuda das federações – que ao longo dos tempos tiveram diversos nomes. Em 2008, quando o Rio de Janeiro voltou a ter um Circuito Estadual. A galera esteve animada: quatro etapas em três muros diferentes. Mas em 2009 foi diferente, só você sediou as etapas e implantou a federação obrigatória e isenção de pagamento de inscrição. Esse ano o Circuito Estadual foi suspenso. Difícil fugir desse assunto, já que ele foi divulgado por toda a rede. O que de fato aconteceu?
P.M: Não é de agora a dificuldade em conseguir patrocínios. Isso vem acontecendo há algum tempo já. A maioria coloca a culpa no ano de 2009, mas esse problema vem de antes. Sinceramente não sei se foi a globalização, o euro e o dólar juntos sempre com o valor mais alto que o da nossa moeda, a facilidade da internet, uma moda que passou, alguém ou alguns que queimaram o filme do esporte ou se é “pão-durisse” mesmo. Só sei que os patrocinadores estão desaparecendo completamente! Só oferecem mochilas e outros acessórios que no dia seguinte estão sendo vendidos em lista de e-mails de escalada. Isso não nos interessa. Interessa é termos condições financeiras de bancarmos o Estadual. Junto com eles desaparecem também o esporte de competição, apesar da bela performance ano passado com a formação da 1ª Seleção Brasileira Juvenil de Escalada Esportiva, mas que também ralou muito para acontecer, acho que não fácil não! Mas estamos aí tentando com fé! Ainda acredito que em meados de Março nossa diretoria consiga fazer o Ranking Estadual ou parte dele, pois idealizamos 4 etapas, como no ano passado. Pode ser que saiam menos etapas, não sei. Vamos torcer juntos! Estou aberta a conversas sempre.
C.G: O que você espera para o futuro da Escalada Esportiva de Competição?
P.M: Espero que acabe essa má fase. Eu e o Luiz Alves queremos fundar uma associação de escalada de competição, mas vamos ver o que vai acontecer. Que consigamos apoios e patrocínios. Do jeito que está não rola nada, nem campeonatos e muito menos uma associação. Para vocês terem uma noção, ano passado para aconteceram 4 etapas foi sinistro! Tivemos uma ajuda em dinheiro somente da LECHEN Mountain Equipment, além do suporte de mídia da Plural Mix que produziu as hilárias vídeo-chamadas e os vídeos documentários de cada etapa. Para 2010 o Luiz incluiu no plano de mídia até spots de rádio na OI FM. Em 2009 eu banquei uma parte e quase não tivemos voluntários, muito poucos! Fizemos homenagem aos atletas de Niterói, Pedro Gomes e Luana Riscado, por terem sido os primeiros do Estado do Rio de Janeiro a disputarem uma competição mundial. Até assaltados na ida ao Brasileiro de Curitiba nós fomos. Mas estivemos em todas as duas etapas do Brasileiro do ano passado, sempre com algum pódio. No final foi tudo alegria.
C.G: Valeu Patty, obrigado pelo bate-papo e espero que tudo melhore para nós, né? Boa sorte em 2010 e para o que você e o Luiz precisarem, saibam que a Família vai estar aqui de prontidão para ajudá-los. Se quiser, deixe um recado para a galera!
P.M: Pressão, galera! Vamos tentar visualizar a situação atual e ajudar. Tem muito atleta bom no nosso Estado e no Brasil. Tem gente que nós nem conhecemos com muito potencial, mas é só o vírus da competição pegar de jeito que vai! União nessa hora também é fundamental. E o futuro, vamos pensar nele também. Está aí a Seleção Brasileira Juvenil de Escalada Esportiva no seu segundo ano. Ano passado eu marquei duas etapas de competição infantil por idade e só apareceu um atleta, o João Matheus, que está aí competindo com os adultos. Ele foi nas duas etapas do Brasileiro, sem medo e super feliz. Ele é um grande exemplo para muito marmanjo. Eu fiquei muito preocupada com a falta de competidores na categoria infantil no nosso Estado. Isso significa que não está havendo renovação! Esse é um bom motivo para reflexão. Beijos e “bora” escalar e competir.
Fonte: Familia Buscapedra
Foto: Luiz Alves