Kilimanjaro: Da idéia à realização, parte 2

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Estou de volta para contar como foram nossos primeiros dias na África e no Kilimanjaro.


Por
Fábio Fliess

Veja a primeira parte do relato

Depois da loucura que foi colocar tudo em ordem para a viagem, finalmente partimos rumo à África no dia 09 de dezembro de 2000. Fizemos escalas em São Paulo e Amsterdam, e desembarcamos em Nairóbi, capital do Quênia, na manhã do dia 11. O nosso guia, Silvano Hamisi, já nos aguardava.

A idéia era seguir de ônibus para a Tanzânia, passando por Arusha e tendo Moshi como destino final, onde ficaríamos hospedados. Foi uma viagem de mais de 7 horas, onde tomamos vários sustos, pois estávamos pouco acostumados com a mão inglesa e à pouca habilidade de alguns motoristas.

Chegamos muito cansados, pois já estávamos “ligados” há mais de 50 horas, dormindo pouco ou nem dormindo. Ao final da tarde, veio o prêmio. Da sacada do quarto as nuvens descortinaram o gigante que até então estava escondido: o Monte Kilimanjaro. Aquela visão nos levou a imaginar o que teríamos pela frente nos próximos 5 dias…

Na manhã seguinte, após um rápido café da manhã, Silvano chegou com um 4X4 e alguns carregadores para nos levar até o início da trilha. Por estar numa área controlada pelo governo tanzaniano, a contratação de guias é obrigatória, mesmo para os alpinistas mais experientes. Isso eleva ainda mais os custos de uma expedição.

A subida do Kilimanjaro é feita de forma mais acelerada do que em outras grandes montanhas, onde normalmente se faz um plano de aclimatação do organismo à escassez de oxigênio. Em função dos altos custos, isso é praticamente impossível no Kili. Por isso, a utilização de carregadores para aliviar o peso dos equipamentos e provisões e facilitar uma rápida ascensão é quase uma praxe nesta montanha.

Apesar de ser uma trilha em altitude e não exigir técnicas de alpinismo, o Kili já fez muitas vítimas. Na época de nossa viagem, circulava uma estatística onde constavam uma média de 12 mortes por ano, geralmente vítimas de ataques cardíacos e edemas, decorrência natural de fraco preparo físico e de má adaptação do corpo à altitude.

Conta uma história de que Sir Edmund Hillary, alguns anos depois de se tornar o primeiro homem a conquistar o Everest, sucumbiu no Kilimanjaro. Sofreu os efeitos da altitude e do ar rarefeito, sentiu-se mal e resolveu retornar.

O Kili possui 7 rotas diferentes, sendo a mais utilizada a rota Marangu, apelidada de rota “Coca-Cola” por sua popularidade – 90% das pessoas utilizam essa rota. Nós optamos pela rota Machame, mais difícil e mais bonita também. A nossa escolha se deu pelo fato da maior dificuldade nos obrigar a manter um ritmo de caminhada mais lento e possivelmente, vitorioso.

Nosso primeiro dia foi marcado por uma longa trilha em meio à floresta tropical úmida, com muita chuva e lama. Lembrava muitas trilhas por onde passamos no Brasil. Considerando que o primeiro dia é sempre mais complicado, até que rendemos bem. E depois de 8 horas de caminhada, ao final do dia, chegamos no acampamento Machame a 2990m de altitude.

O segundo dia foi o mais tranquilo e também um dos mais bonitos. A caminhada e a paisagem nos lembravam da trilha do Pico da Bandeira, um velho conhecido. Nesse dia, caminhamos apenas 4 horas e por volta das 13hs, já estávamos no acampamento Shira, localizado a 3720m de altitude.

Acampamento Shira (3720m)

O terceiro dia marcou o início dos sintomas da altitude, como dores de cabeça. Não era nada alarmante, pois sabíamos que isso era um sinal que o nosso corpo estava se ajustando naturalmente à falta de oxigênio. Nesse dia nevou, e talvez por isso, o Marcelo contraiu uma gripe que mais tarde acabou sendo decisiva no ataque ao cume. Chegamos a altitude máxima de 4200m para descer, logo em seguida, para 3900m, onde ficava o nosso terceiro acampamento, chamado Barranco. A vegetação tinha mudado muito, e nesse trecho, observamos a beleza de algumas espécies endêmicas da região, como os senécios e as lobélias.

Lobélia, uma planta endêmica

A caminhada no quarto dia começou logo com um “toca pra cima”, devido a grande inclinação do terreno. Silvano sempre repetia para caminharmos “pole-pole”, que suhaili – a língua local – significa devagar. Após extenuantes 7 horas de caminhada, chegamos ao acampamento Barafu, a 4700m de altitude. Eram 15hs e às 23hs já teríamos que estar de pé para a longa jornada durante a madrugada, em direção ao cume.

Cume do Kili visto do acampamento Barafu (4700m)


Acampamento Barafu (4700m), com o Mawenzi ao fundo

Silvano nos explicou que durante as horas iniciais da manhã, as nuvens estão nas altitudes mais baixas, e com o aquecimento do ambiente durante o dia, elas sobem, encobrindo todo o cenário. Tínhamos agora uma justificativa para subir durante a madrugada.

Passava um pouco da meia-noite do dia 16, quando iniciamos o último trecho até o cume. Por volta das 3:30hs, o Marcelo começou a reclamar de dores de cabeça, e logo depois, numa parada para descanso, vomitou. Silvano insistia para continuarmos caminhando, pois do contrário, o frio consumiria nossas forças.

As 4:30hs, com sua energia quase esgotada, o Marcelo resolveu descer. Foi um grande choque. Ao mesmo tempo, lembrei de tudo que ralamos para estar exatamente naquele lugar, e resolvi continuar, assim como o Gilmar. Mas realmente foi muito duro, ver nosso amigo retornando para o acampamento, junto com o guia auxiliar. Marcelo depois nos disse que pensava na energia necessária para a volta e dos inúmeros livros e revistas que havia lido e que diziam que a maioria das mortes na montanha ocorrem na descida, em função do esgotamento físico daqueles que calculam mal.

Continuamos subindo, subindo, subindo. Chegava a ser entediante. Nosso ânimo melhorou quando o sol começou a aparecer, recarregando nossas energias. Pouco depois, por volta das 7hs da manhã, o Silvano nos avisou que havíamos alcançado o Stella’s Point, com 5756m de altitude. Sabíamos que agora faltava pouco. Depois de meia hora de caminhada, eu e Gilmar alcançamos, emocionados, o ponto culminante da África, o Monte Kilimanjaro.

Gilmar no cume do Kilimanjaro

Ficamos cerca de 40 minutos no cume, e começamos a penosa descida de volta ao acampamento Barafu. Lá encontramos o Marcelo bem melhor, mas definitivamente sentindo os efeitos da gripe. Depois de um rápido descanço, continuamos a descer, dessa vez pela rota Mweka, mais direta. A descida foi concluída no dia dia seguinte, onde reencontramos a lama da floresta tropical, o que causou vários escorregões e alguns tombos.

Logo após o almoço, já estávamos de volta ao hotel para um merecido descanso e nos preparar para o safári e mais 5 dias de aventuras.

E essa é a história que vou contar em breve.

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Fábio Fliess

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