Talvez… Desta vez… O fim da época Balnear

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Já nos tínhamos despedido do Inverno, mas a Páscoa, quis que a Primavera esperasse mais um pouco e transformou as nossas “amêndoas” em…escaladas mistas!


Voltamos a desarrumar o material das escaladas de Inverno e dia 1 de Abril pela tarde, estávamos a caminho da Serra da Estrela. Chegamos ainda a tempo de dar uma espreitadela às encostas nevadas da nossa grande colina e ficamos animados com a perspectiva de 3 inesperados dias de…brrrrrrr…escalada mista…NO RULES!!!

Sexta pelas 9:30 iniciávamos a descida do corredor do Inferno, que apresentava neve bem transformada, na (vã) esperança de que a cascata do Inferno estivesse novamente formada. O gelo era quase inexistente, mas as vertentes rochosas exibiam aquele aspecto sarapintado de neve que nos faz brilhar os olhinhos.

Em pouco tempo, estávamos já na primeira tentativa de entrada numa via mista que apelidámos de “Via do Furgalho” (os transmontanos saberão seguramente o que é…não é Animado?)

Esta via de um largo de 50m, teve duas tentativas de entrada, duas tentativas em que o gelo molarenga não permitiu a nossa passagem. Mas como à terceira é de vez, à terceira entramos realmente, por uma passagem…mais simpática!

A Daniela na “Via do Furgalho”. Pequena Goullote disfrutona!

Ainda tentamos que a via tivesse um segundo largo, mas o ultimo gelo de Inverno, (ou melhor, o primeiro da Primavera), aquela massa gelatinosa a desfazer-se, não permitiu a progressão.

Íamos descer de um patamar à procura de novas aventuras, quando vislumbramos uma preciosa linha branca, uma daquelas finas linhas evidentes, das quais não é possível deixar de tentar.

Pouco depois, nascia a “Via do Gato pingado”, uma bela mistalhada de 3 largos, que seguiu 2 evidentes diedros.

O primeiro, com neve transformada que permitiu uma fácil progressão, desembocou numa rampa que foi dar a uma paredota onde montamos a reunião. As protecções foram excelentes em fendas em rocha (sim, porque proteger no gelo este fim-de-semana foi pura ilusão!).

A iniciar a “Gato pingado”
No final do primeiro lance da “Gato pingado”.

O segundo largo, foi já mais elaborado! Os primeiros passos, à saída da reunião mostraram-se…nervosos, com uma fina placa de gelo a desmanchar-se ao toque dos crampons e os piolets a faiscarem no granito antes de se conseguirem espetar (mais ou menos!) numa chafurdice de neve!

Após esta passagem, veio o diedro, que num dia de muito frio daria uma escalada mista com gelo bom, de fiável progressão, mas que naquele dia ofereceu um desafio delicado, especialmente a pesos pesados como nós! Recorrendo à mais apurada técnica misto-levitação, lá conseguimos passar o estético diedro que no fim, tinha menos de metade da neve inicial!

Passagem muito precária da “Gato pingado”. Os passos dificeis vinham a seguir…

Protecções? Novamente em rocha, por vezes não nos sítios que se queria, mas nos que se podia!

O Paulo teve nesta via uma performance de se lhe tirar o chapéu, a fazer passos precários com as protecções… nos locais onde podiam estar.

Na saída das dificuldades da “Gato pingado”.

“Estrada à vista!”

O dia revelou-se compensador! Paulo + Daniela 1 – Serra 0. Ficamos animados ao saber que Sábado a temperatura ia descer, apesar da previsão apontar para uma nevada.

E assim foi, nevou! Nevou e choveu! Vamos por partes, algures pelas 9:00 já a estrada entre osPiornos e a Torre estava cortada, assim como a que segue pelo vale de Manteigas. Ainda assim, decidimos arriscar por Manteigas e sem ninguém a ver, cruzamos a cancela e subimos até ao Covão d’Ametade clandestinamente. Àquelas altitudes estava a chover, mas não desarmámos, subimos até ao Covão Cimeiro onde chegamos encharcados! Caía então um misto de neve e chuva, o que não augurava nada de bom.

Vento e neve.

Depois de uns escorreganços numas lajes de granito que pareciam barradas de manteiga resignámo-nos e regressámos ao carro. Como imaginávamos, por essa altura já as estradas estavam abertas, pelo que decidimos subir sobre rodas até perto da curva do Cântaro.

Por ali, com a motivação a roçar a desistência e o corpo gelado pela molha, ainda nos aventurámos pelo meio do nevão até às paredes do sector “Powermix”. Também aí não conseguimos fazer nada, pois a neve/gelo que formava as vias de misto estava literalmente a desfazer-se. Mas imaginar aquelas vias em condições…UÁU! Nada mais a fazer, a não ser aceitar que o melhor era aquecer os ossos e secar o corpo a baixa (mais baixa) altitude. Paulo + Daniela 1 – Serra 1.

Powermix! Estes diedros estão virgens! Apesar do mau tempo estava demasiado quente para uma tentativa. Fica para o ano!

Restava o Domingo de Páscoa, em que se esperava sol e subida de temperatura… e subiu mesmo e mesmo muito!

Tentar tentámos! Quase abríamos uma via na face Oeste do Cântaro, mas o seu final, o 3º largo, novamente devido à inconsistência da neve, estava intransponível! Ficou ali mais um projecto para a próxima época!

A face oeste do Cântaro.

Na entrada do primeiro lance do projecto. Um largo bastante dificil de
M5+, com gancheios improváveis e nervosos.


A Daniela a entrar nos passos mais dificeis do lance.

“Crux!”

O terceiro largo do projecto. Um diedro dificil (talvez M6).

Dentro do pequeno diedro, sacado em A0 mas com boa pinta.

Prestes a desistir (um entalador abandonado resolveu o assunto!) a uns 6 ou 7 metros do final das dificuldades. O Sol estava à porta e a neve já se desfazia a olhos vistos. Ficou um projecto muito interessante para o próximo Inverno.

Chegámos ao carro para constatar o óbvio, 11º positivos!

Ainda assim creio que o rácio final, pelo esforço e tentativas se pode considerar Paulo + Daniela 2 – Serra 2!

O lema aplicou-se na perfeição, “NO RULES”, com piolets, sem piolets, com chuva, com neve, com calor, com tentativas fracassadas e com sucessos!

Uma coisa é certa: foram 3 dias muito divertidos.

A Parede Negra também oferece possibilidades quando devidamente “formada”. Não existe nada escalado no Inverno. Talvez no próximo…

Daniela Teixeira

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Sobre o autor

Daniela Teixeira e Paulo Roxo é uma dupla portuguesa que pratica escalada (rocha, gelo e mista) e alpinismo. O que mais gostam? Explorar, abrir vias! A Daniela tem cerca de 10 anos de experiência nestas andanças e o Paulo cerca de 25. A sua melhor aventura juntos foi em 2010, onde na cordilheira de Garhwal (India - Himalaias), abriram uma via nova em estilo alpino puro na face norte da montanha Ekdante (6100m) e escalaram uma montanha virgem que nomearam de Kartik (5115m), também em estilo alpino puro. Daniela foi a primeira e única portuguesa a escalar um 8000 (Cho Oyu). O Paulo é o português com mais vias abertas (mais de 600 vias abertas, entre rocha, gelo e mistas). Daniela é geóloga e Paulo faz trabalhos verticais. Eles compartilham suas experiências do velho mundo e dos Himalaias no AltaMontanha.com desde 2008. Ambos também editam o blog Rocha Podre, Pedra Dura (rppd.blogspot.com.br)

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