Fizemos uma baldeação na cidade de Uspallata e o Maiquel e Gilberto seguiram por uma van. Depois da Puente Inca, novamente juntos e agora com o ônibus quase vazio, seguimos até Las Cuevas que surgiu repentinamente logo após passarmos por um túnel. É um povoado em forma oval, voltado exclusivamente para o Turismo. Desembarcamos justamente no hotel que se tornou nossa morada por três dias.
Ainda no ônibus, fomos saudados com um aceno e já em terra firme pessoalmete pelo cumprimento de Lito, nosso anfitrião. Ele e Sara eram os dois nomes que Pablo havia nos passado e estavam agora ali diante de nós. Ele logo nos levou até nossos aposentos. Ficamos hospedados em um apartamento ao lado das ruínas da antiga Estación Las Cuevas.
Mesmo sendo umas três horas da tarde, almoçamos e enfim veio o momento de contemplar e viver o lugar. Aquele temor que tínhamos nos meses anteriores, de planejar por três anos e no fim não dar certo (nadar e morrer, na beira da praia), agora já era coisa do passado… Agora de fato estávamos ali, no centro da Cordilheira dos Andes, rodeados por montanhas nevadas, a uma altitude superior a 3.200m.
Neste primeiro dia nos dedicamos à aclimatação. Uns 600 metros de montain bike e depois apenas trekking em direção a Quebrada de Matienzo. Este lugar era conhecido como Vale da Bodega, , mas, depois da morte do piloto Matienzo em 1919, em sua tentativa de cruzar os Andes num velho Nieport, passou a receber o nome dele. O piloto teve de fazer uma aterissagem forçada numa encosta. Sobreviveu, mas ferido, tentou alcançar a civilização. Era mês de maio e já fazia muito frio naquela altitude. Morreu um ou dois dias após da queda. Seu corpo foi encontrado 4 meses depois. Os destroços do avião apenas 30 anos!
Percebemos que com o esforço físico vinha a fraqueza. Nem tanto falta de ar, mas mais fraqueza que era uma conseqüência da outra. O Gilberto teve dores de cabeça. No retorno atravessamos o rio Las Cuevas a pé. Águas geladas e com correnteza.
Las Cuevas tem uma história bem interessante. Seus atuais moradores contam que antes de 1944 o povoado ficava do outro lado do rio e eram mineradores que tiravam o sustento (minério) do cerro Tolosa. Produziram nesta montanha, cavernas (de onde vem o nome Las Cuevas) de mineração.
Todavia, no terremoto de 1944 com epicentro em San Juan, parte do Tolosa veio abaixo e soterrou o vilarejo, matando cerca de 80 pessoas. Não encontramos este relato em nenhuma outra fonte e por isto está sendo investigado e o resultado do mesmo será divulgado na produção do documentário sobre o Ferrocarril Transandino.
Nosso segundo dia de alta montanha foi dedicado ao Cerro Tolosa. Esta montanha foi nosso objeto de estudo desde o principio deste projeto. Os motivos são: acesso imediato a começar pela ruta 7 e por ter altitudes acima dos 5.000 metros e graciares permanentes. De fato é uma montanha encantadora.
Subimos margeando imensos blocos de pedras, supostamente caídos no terremoto de 44. Neste dia nossa aclimatação já estava bem melhor. O Gilberto não teve mais dor de cabeça e a fraqueza deu lugar ao ânimo. Pela altura dos 3.600 tivemos nosso primeiro contato com o gelo. Entre as pedras, protegidos do sol e do vento, blocos de gelo resultantes do último inverno. Mais adiante, uma rampa de gelo e o Gilberto já quis deslizar. Estes blocos que achamos pelo caminho, estavam com a superfície suja pela poeira trazida pelo vento, mas quando raspados, apareciam os brancos cristais de gelo.
Mais no costado leste, chegamos a um extenso bloco que pela dureza do gelo, entendemos já ser um glaciar e já estava ali por longos anos. Descemos até um pequeno vale, já sem muitas pedras de deslizamentos e encontramos uma porção maior de gelo macio. Ali deslizamos, jogamos neve um no outro e construímos nosso boneco.
Nosso tempo estava chegando ao fim. No dia anterior descobrimos que não havia restaurante aberto depois das 18 horas em Las Cuevas. Só não passamos fome porque no alojamento havia arroz e massa. Nosso limite de permanência na montanha ficou nas 15 horas. Retornamos e 17 horas fomos almoçar (ou jantar, como preferir).
Terceiro e último dia em Las Cuevas foi o dia de irmos mais alto, entretanto, cometemos um erro, levantamos tarde. Nosso destino era o Cerro Santa Helena na divisa com o Chile. Este com mais de 4.500 metros era um desafio e tanto. 900 metros acima do que tínhamos feito no dia anterior no Tolosa.
Iniciamos a subida no Arco de Las Cuevas e alugamos uma van. O normal seria 35 pesos por pessoa com direito a subida, descida e informações turísticas. Eu fiz uma contra proposta, 35 pesos só para subida, homem e bicicleta. Foi aceito.
O Gyl, trouxe várias cintas plásticas do Brasil e foi o escalado para prender as bicicletas. O motorista ficou enrolando um pouco, talvez esperando que mais alguém decidisse subir junto. Iniciando a jornada, nosso guia foi nos explicando. Estávamos na antiga rota entre Argentina e Chile. Antes da construção do túnel do ferrocarril, este lugar era o mais acessível para fazer a travessia.
Até 3.500 metros existe um verde e uma vegetação rala, depois desta marca, só a terra desnuda e neste local, uma terra vermelha. A subida é feita em estrada de chão em zigue-zaque ou caracóis. Em 1ª ou 2ª marcha e a preferência é para quem está subindo.
O vilarejo ficou lá em baixo. Conta a história que depois do desmoronamento de pedras, já na década de 50 o governo argentino construiu do outro lado do rio o povoado de Eva Perón. Nos mapas atualmente encontramos os dois nomes, mas o anterior acabou prevalecendo. Talvez em consideração àqueles que foram soterrados.
Os veículos podem ir até o monumento do Cristo Redentor. Até que é possível descer pelo lado Chileno mas não até o asfalto. Fizemos um lanche (desjejum) o primeiro do dia, visto que dormimos mais que a cama, desamarramos as bicicletas e de imediato nos empregamos a subir em direção ao Santa Helena, de onde podíamos ver em segundo plano, o Aconcágua. Era de tirar o fôlego.
Os primeiros momentos de subida foram satisfatórios para todos. Algo que não falei ainda é sobre o vento. Digo que é constante e forte. Neste dia sentimos mais porque subimos pela aresta da montanha e o vento vinha do Chile. Em alguns momentos, para não perder o equilibrio era necessário se acocar ou se esconder atrás de alguma pedra.
Aos poucos a montanha foi prevalecendo sobre nós. Subidas íngremes, lugares perigosos, altitude e vento foram selecionando os que iriam mais longe. Voltou a dor de cabeça no Gilberto e o Maiquel pelo cansaço resolveu fazer companhia para ele. Ficaram junto a uns blocos de gelo a 4.250m.
Combinamos que subiria até onde houvesse segurança. Apesar de caminhar lentamente, me sentia bem e fui subindo. Passei dos 4.400 (segundo os mapas do google Maps terreno) mas tive que parar. Não sabia mais por onde ia a trilha até o cume. Também diante de mim se levantaram escarpas verticais e não tinha nenhum material técnico para escalada. Estava sozinho e apenas com um rádio de pequeno alcance. Se acontecesse algum acidente comigo é provável que não teria socorro. Tive que me contentar em fotografar e filmar. No relato que fiz lamentei o episódio. Deveríamos ter levantado mais cedo, ter feito uma refeição mais reforçada de manhã e ter pelo menos mais um em condições de ir ao cume.
O Gyl me comunicou por rádio que já era 15 horas, e portanto hora de descer. Não deixamos nossos nomes no cume deste cerro, mas para primeira experiência valeu. Como grupo o máximo que tínhamos ido era 1.100 metros nos Aparados da Serra. RS. Acredito que na próxima haverá alguma conquista.
Os momentos de descida foram fáceis. Na maioria do trajeto havia terra e pedras soltas o que amortecia nossos longos passos e dava até para correr montanha abaixo. “Inauguramos” esta técnica na descida do Cerro Sentinela em Sinimbu, RS.
Não ficamos muito tempo no monumento do Cristo Redentor, mas nos direcionamos um pouco para o lado Chileno para marcar presença. Não vimos ninguém ali. A presença argentina é mais marcante. Quem de nós imaginaria que menos de duas semanas depois esta nação seria abalada por uns dos maiores terremotos que se têm notícias? Relatos que nos chegaram através do Gustavo dão conta de que o tremor em Las Cuevas balançou armários, derrubou objetos nas prateleiras mas ninguém se feriu e não houve deslizamento de pedras nas montanhas.
Bom! Mais uma vez, estávamos com o almoço marcado para o horário das 17 horas e então precisamos descer. Eu sempre ficava mais para trás para ir fazendo as filmagens. Outras vezes eles me esperavam para fazer mais uma tomada de cena. Há de chegar um tempo onde teremos uma equipe só de cinema e a outra de “atores aventureiros”. A descida foi em alta velocidade para os padrões da bicicleta, em algumas curvas, parecia que íamos barranco abaixo.
Depois do almoço/janta fui acertar com o Lito a nossa estadia. Não nos cobraram a estadia. Pagamos 268 pesos (no total mais de 300 porque algumas coisas de merenda já havíamos pago no ato da compra) e levamos ainda um pouco de pão para o dia seguinte.
Antes do crepúsculo, enquanto os outros se achavam cansados e em repouso, fui me despedir de Las Cuevas. Como grupo, não costumamos retornar ao mesmo lugar (No caso em apreço, acho que vamos fugir a esta regra pois já temos previsão de voltar). Fui conhecer as fontes que abastecem com água o povoado. Encontrei na encosta do Cerro Santa Helena, um jardim verdejante com muitas flores e ribeiros. São fontes que brotam da montanha. Em ocasião posterior, percebi que isto só acontece em montanhas nevadas, ou seja, em algum lugar lá em cima o degelo penetra na montanha e brota mais em baixo em forma de fonte.