“Tropa de Elite” no Cabeça de Nego

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Quem desce pela tradicional “Trilha do Itapanhaú“ (ou “Mogi-Bertioga“), não pode deixar de reparar no Cabeça de Nego, o imponente morro em formato de baú q se eleva atrás da casa do Seu Nelson, o tiozinho q costuma atravessar andarilhos de bote sobre o Rio Itapanhaú. De altura acanhada (550m) se comparada a outros maciços da região, este morro tem varias particularidades q o tornam bem interessante montanhisticamente falando: é desgarrado do paredão principal da Serra do Mar, o q o torna uma “ilha“ isolada na baixada, é equivocadamente confundido com o cone rochoso do Morro do Tenente, sua montanha vizinha ao norte, e tem fama de selvagem, inóspito e “inatingível“ , tanto q o simpático Seu Nelson tem conhecimento apenas de um grupo do G.O.E ter alcançado seu cume.


Estas ultimas credenciais já foram suficientes pra nos motivar a mais um desafio de fds. Dessa forma, planejamos minuciosamente a empreitada convocando a nossa própria “Tropa de Elite” pra assim, com garra e determinação, cunhar nossos nomes juntamente com o do experiente grupo da policia civil paulistana. Uma trip pra poucos, claro. Ou seria um perrenge de garbo e elegância?

Um filme q aguardo com alguma expectativa atende pelo singelo nome de “Os Mercenários”. Mas não por suas virtudes artísticas, já q a produção não prima pela originalidade, limitando-se ao clichê de ação e pancadaria. No entanto, a película destaca-se de antemão apenas por conseguir a proeza de reunir em sua hora e meia de projeção tdos os “trogloditas” dos filmes de ação dos anos 80/90, incluindo o Stallone, Schwarzza e Willis. Uma espécie de “Tropa de Elite” gringa. Só por isso acredito já valer o ingresso.

Da mesma forma, como a empreitada ao Cabeça de Nego estava longe de ser “passeio no bosque” pelas condições adversas de suas encostas cobertas de mata e isentas de trilha alguma, coube a este q vos escreve reunir os melhores “trogloditas mateiros” q tem conhecimento, pra em trabalho conjunto aumentar as chances de conquista efetiva do pico em questão.

Como integrante catalisador destes “talentos”, mtos conhecidos não pensaram duas vezes em aceitar este desafio, o q juntou um grupo tão eclético qto determinado. A logística do Nando, por sua vez, era enxuta e previa duas etapas, tal qual uma legitima expedição: um dia (sábado) pra alcançar a base do pico, e outro (domingo) pro ataque ao mesmo. Dito e feito saltamos no posto da Balança (km77) eu, Nando, Thunder e Fábio por volta das 11hrs de sabadão de feriado, após alguns desencontros e o leve atraso de um dos integrantes q prefiro nem mencionar, mas cujo nome começa com “Ro” e termina com “naldo”. Em meio à td aquela testosterona, a única representante do sexo frágil da trupe atendia pelo nome de Vivi, q de frágil não tem nada e deixa mto “homem” q conheço comendo poeira no quesito perrengue.

No posto, localizado a 788m de altitude, encontramos o Dom e o Fernando (T2), q foram nos encontrar de carro. Feitas as devidas apresentações, arrumamos as coisas, beliscamos outras, calibramos gps e zarpamos rumo o asfalto da Mogi-Bertioga a exato meio-dia! O dia amanhecera envolto em brumas incertas, mas àquela altura já dava mostras da nebulosidade se dispersar, pois éramos agraciados com enormes frestas de céu azul.

4km de asfalto percorridos em 40 minutos após a Balança já atentávamos com uma entrada à direita, marcada por uma placa indicando “km81”, onde então mergulhamos no frescor da mata em definitivo. Já de cara topamos com uma outra galera em ritmo bem mais sussa q a gente, a quem apenas acenamos cordialmente. Descendo suavemente, logo passamos sobre a ponte de troncos carcomidos pra bordejar a serra pelo lado esquerdo, onde logo o som de água se traduz num cristalino rio q após acompanhar um pouco, cruzamos com água ate as canelas logo depois. É as margens do areal da prainha fluvial as margens do Rio das Pedras q temos nosso 1º pit-stop de relax, já q naquele dia nosso objetivo é chegar à casa do Seu Nelson e não há pressa alguma.

Dando continuidade à pernada, mergulhamos novamente na mata e ignoramos uma picada saindo pela direita, agora sempre andando pela encosta direita da serra e acompanhando o riacho pelo outro lado, q por sua vez vai se distanciando cada vez mais. Não demora a declividade aumentar e a trilha embica de vez, onde ziguezagues íngremes nos fazem perder altitude num piscar de olhos. Aqui, as mãos são tão importante qto os pés, nos ajudando a firmar o corpo nos troncos das arvores à disposição – q servem de corrimão – nos trechos mais pirambeiros, assim como as raízes brotando no chão funcionam como autenticas escadas naturebas.

Não tarda pra encosta dar lugar a uma crista obvia, com mato caindo de ambos os lados, por onde descemos durante um tempão com declividade razoável no mesmo compasso anterior. E assim, num ritmo ate q ágil e dinâmico, as 14:30 tropeçamos com a bifurcação da Cachu do Elefante, já na cota dos 160m de altitude. Tomamos a esquerda descendo forte em direção ao rio, passando por varias clareiras e bons locais de acampamento, ate desembocar ao sopé da majestosa cachu do Elefante, cujo borrifo de água era mais q bem-vindo aquela altura da tarde. Pausa pra descanso, tchibum e lanche da galera, naturalmente.

Meia hora depois retomamos a pernada voltando à bifurcação, onde tomamos a picada principal pra descê-la em definitivo, sempre acompanhando o largo Rio Itapanhaú pela direita, ora próximo, ora ligeiramente afastado. Inicialmente a trilha bordeja a encosta dos morros à direita com algum sobe-desce, mas depois a pernada aparenta nivelar em definitivo, sem maior variação de declividade ate o fim. No caminho, muita mata tombada nos obriga a desviar ou agachar na mesma, gerando alguma confusão na continuidade da picada, mas nada q não seja facilmente farejável. A mata densa, primaria e exuberante deste trecho q nos envolve impressiona pelo porte, e muitas arvores daqui remetem às do filme “Avatar”, na opinião de alguns. Felizmente água é o q não falta, e vários córregos desaguando no rio principal cruzam a trilha, à disposição pra molhar nossa goela. Tanto q em duas ocasiões paramos as margens destes belos remansos pra descansar e beliscar mais alguma coisa.

Sempre no mesmo compasso, não demora às águas furiosas do Itapanhaú ficarem mais calmas e plácidas, sinal q já estamos na baixada em definitivo. Dito e feito, após cruzar um ultimo córrego por sobre as pedras desembocamos no extenso gramado q antecede a Casa do Seu Nelson, as 17:10, sendo recebidos pelos seus estridentes cãezinhos! Este tiozinho é tão folclórico na região qto simpático, e após um animado dedo de prosa conseguimos com q possamos acampar no tal descampado – concessão q ele não dá a qq um&nbsp, -&nbsp, q tb serve de campo de futebol improvisado. Atrás da de sua casa, a silhueta de uma enorme e imponente montanha recortava o céu daquele final de tarde. Era o nosso destino do dia sgte, o tal Morro do Cabeça de Nego!

Montamos então as barracas em meio à patos e galinhas q vem xeretar nossas coisas, ao mesmo tempo em q monto minha inseparável redinha de bivake entre duas arvores próximas. O sol já começa a se debruçar por trás da serra enqto uns tomam banho no rio e outros já colocam seus fogareiros pra ronronar. Da mesma forma a temperatura cai rapidamente, nos obrigando a trajar agasalhos mais quentes e acolhedores, enqto a Vivi veste sua tradicional roupa ninja pra combater td sorte de mosquitos, q naquele horário surgem ensandecidos à procura de sangue fácil. Mas ate aí frio tb não é problema, pois nossa janta além de quente e farta – miojão, arroz integral e feijoada – é regada a vinho, cambuci e ypioca! Só faltou mesmo a caipirinha pra completar nosso “open bar”, q se valia das pedras de gelo do squeeze do Dom. Fora isso, a conversa da galera é animada e tb aquece o espírito, sob um céu coalhado de estrelas. Ate o Silvio, filho do Seu Nelson, participou roda q se formou à noite, já nos avisando dos perigos da região: “Cuidado q aqui ta cheio de uma cobra chamada de urutu-cruzeiro!”, disse ele seriamente entre baforadas de cigarro, “A picada dela qdo não mata, aleja!” Beleza, se isso era pra animar, então td mundo foi deitar com o pé atrás..

Na seqüência, lá pelas 20hrs, nos recolhemos pra recuperar do cansaço e despertar bem dispostos pro ataque ao morro no dia sgte. Afinal, havíamos percorrido quase 10km naquele sabadão, pelos cálculos do gps do Dom. A noite fora bem fria e relativamente úmida, mas eu dormi feito pedra assim como td mundo, embalado pelo som hipnótico do rio ao lado e dos ruído inerentes da mata. De madrugada, na hora de ir “regar a moita”, qual minha surpresa ao ver no firmamento uma lua quase cheia iluminando tb acampamento, assim como os paredões e lajedos verticais úmidos do Cabeça de Nego faiscando ao luar!

Na manha sgte acordamos antes do Astro-Rei surgir no horizonte, mas só levantamos um pouco depois, já qdo a obrigação de cumprir metas realmente se sobrepunha àquela preguiça gostosa de permanecer ainda esparramado no saco-de-mimir. Não é, Vivi?

Relutantes porem decididos, tomamos um rápido e reforçado desjejum, arrumamos as tralhas e colocamos a mochila de ataque nas costas qdo o Sol já esparramava seus primeiros raios pelas encostas forradas de mata do pico q almejávamos, realçando cada vez mais sua beleza selvagem! O céu estava isento de td e qq vestígio de nuvem, prometendo um dia inteiro de bom tempo pra nos ajudar no nosso objetivo.

Continua…
Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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